Consulta nº 103/07
EMENTA: ICMS. AQUISIÇÃO DE VIATURA DESTINADA AO
POLICIAMENTO DE TRÂNSITO, POR ÓRGÃO DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL INDIRETA, COM
RECURSOS ORIUNDOS DE MULTAS DE TRÂNSITO, TRANSFERIDA POSTERIORMENTE À
SECRETARIA DE ESTADO DA SEGURANÇA PÚBLICA, NOS TERMOS DE CONVÊNIO. APLICAÇÃO DA
ISENÇÃO PREVISTA NO ART. 1°, III, DO ANEXO 2 DO
RICMS-SC.
INTERESSE PÚBLICO CONSUBSTANCIADO NO BARATEAMENTO DA
AQUISIÇÃO DA VIATURA SEM O ÔNUS DO TRIBUTO. EXEGESE DA REGRA INSERTA NO ART.
111 DO CTN.
DOE de 11.04.08
01 - DA CONSULTA.
A
consulente é pessoa jurídica de companhia mista, integrante da administração
indireta municipal, que tem como atividades institucionais a
promoção de obras e serviços públicos que lhe forem delegadas pelo Poder
Público e atividades decorrentes.
Relata
que, após o advento do Código de Trânsito Brasileiro, foram-lhe atribuídas as funções de órgão executivo do trânsito no Município,
inclusive coube-lhe a administração do Fundo Municipal de Desenvolvimento e
Urbanização de Joinville.
No
exercício de suas atribuições, a consulente pretende utilizar recursos oriundos
de multas de trânsito para adquirir viaturas para posterior transferência
à Secretaria de Segurança Pública, nos termos de convênio.
Isto
posto, a consulente indaga sobre a aplicação, à situação descrita, da isenção
prevista no art. 1°, III, do Anexo 2 do RICMS/SC.
A
informação fiscal a fls. 111-112 limita-se a afirmar que a consulta atende aos
requisitos da Portaria SEF nº 226/01, sem comentar ou refutar as informações
prestadas pela consulente, o que permite supor a concordância da referida
autoridade com as mesmas.
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL.
Lei
5.172, de 25 de outubro de 1966, Código Tributário Nacional, art. 111, II;
Decreto-lei
4.657, de 4 de setembro de 1942, Lei de Introdução ao
Código Civil, art. 5°;
Lei
3.938/66, arts. 209 a 213;
RICMS-SC,
aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, Anexo 2, art. 1°, III.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA.
A
legitimidade para formular consulta é, fundamentalmente, do sujeito passivo, ou
seja, daquele a que a lei obriga o cumprimento da obrigação tributária.
Contudo, o parágrafo único, I, do art. 209 da Lei 3.938/66
também admite consulta formulada por órgão da Administração Pública.
Ora, a consulente, como empresa de economia mista, integra a
administração municipal indireta, estando, assim, formalmente habilitado
a formular consulta. Além do mais, como adquirente das referidas viaturas, tem
interesse processual na consulta. De fato, o benefício pleiteado é de natureza
subjetiva, reportando-se às características pessoais do destinatário da
mercadoria.
Superado esse ponto, a questão fulcral
da consulta é quanto à possibilidade de admitir o benefício fiscal referido
quando o adquirente for pessoa diversa da Secretaria de Segurança Pública, face
à exigência de interpretação literal contida no art. 111, II, do CTN.
Examinemos a questão por partes:
O art. 2° da Lei Complementar 41, de 17 de
julho de 1997 arrola, entre os recursos do Fundo Municipal de Desenvolvimento e
Urbanização de Joinville, a “receita cabível ao Município, resultante de
infrações de trânsito praticadas em vias locais”. As receitas que cabem ao
Município, nos termos do Convênio 4.947/2006-6, celebrado entre a Secretaria de
Segurança Pública e o Município de Joinville, compreendem 100% dos valores
arrecadados correspondentes às autuações realizadas pelo Município, com competência
exclusiva, e 30%, relativamente às autuações realizadas pelo Município e pelo
Estado, com competência concorrente ou exclusiva.
A
cláusula segunda do Convênio 4.947/2006-6 arrola, entre as atribuições do Município:
“k) destinar os
recursos oriundos deste convênio, conforme disposto no art. 320 e parágrafo único
do Código de Trânsito Brasileiro, e regulamentação do CONTRAN –Conselho
Nacional de Trânsito;
l) atender às requisições para as despesas e
investimentos solicitadas pelos representantes da SSP/DETRAN
e da PMSC, requisitadas conforme o item anterior deste Convênio e o pagamento
efetuado de acordo com a quota de cada parte conveniada, transferindo os bens
adquiridos ao patrimônio do órgão requerente;”
O
mencionado dispositivo do Código de Trânsito Brasileiro – Lei 9.503, de 23 de
Setembro de 1997, é do seguinte teor:
“Art. 320. A receita arrecadada com
a cobrança das multas de trânsito será aplicada, exclusivamente, em
sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e
educação de trânsito.
Parágrafo único. O percentual de cinco por cento do
valor das multas de trânsito arrecadadas será depositado, mensalmente, na conta
de fundo de âmbito nacional destinado à segurança e educação de trânsito.”
A
regra é reproduzida na cláusula oitava do referido convênio: “a receita
arrecadada com a cobrança das multas .... destinando
os recursos exclusivamente .... policiamento, fiscalização ....”.
Ora,
o benefício pretendido (Anexo 2, art. 1°, III)
consiste em isenção, nas operações internas (aquisições dentro do Estado) nas
“saída de veículos, quando adquiridos pela Secretaria de Segurança Pública através
do Programa de Reequipamento Policial da Polícia
Militar ou pela Secretaria de Estado da Fazenda, para reequipamento
da fiscalização estadual, dispensado o estorno de crédito de que trata o art.
36, I e II do Regulamento”. O tratamento diferenciado foi devidamente
autorizado pelos Convênios ICMS 34/92 e 56/00, conforme prescreve a
Constituição Federal, art. 155, § 2°, XII, “g”.
A
dificuldade encontrada pela consulente é precisamente o caráter subjetivo da
isenção que exige como destinatário da mercadoria a Secretaria de Segurança
Pública e que a aquisição seja feita através do Programa de Reequipamento
Policial da Polícia Militar. A consulente, segundo ela mesma, é empresa de
economia mista, integrante da administração municipal indireta, não se
confundindo com a Secretaria de Segurança Pública, órgão integrante da
administração direta do Estado.
Ora,
dispõe o art. 111, III do Código Tributário Nacional que “interpreta-se
literalmente a legislação tributária que disponha sobre ...
outorga de isenção”. A interpretação literal, entende-se,
a que se restringe ao texto, sem ampliações para abranger na norma isencional situações outras que não as expressas literalmente.
Ou ainda, diz-se que fica afastada a possibilidade de lacunas, ou seja de aplicação das técnicas de integração.
Conforme
magistério de Aliomar Baleeiro (Direito Tributário
Brasileiro, 2005, p. 693), “a regra é que todos devem contribuir para os
serviços públicos, segundo sua capacidade econômica, nos casos estabelecidos em
lei. As isenções são restritas, por isso se afastam dessa regra geral”. Ou
seja, a interpretação literal a que se refere o art. 111 deve ser entendida
como interpretação restritiva de norma excepcional.
No
tocante à integração, Aliomar Baleeiro entende que
ficam afastadas apenas as aplicações dos incisos I e II do art. 108, ou seja, o
emprego da analogia e dos princípios gerais de direito tributário. Restariam
ainda os princípios gerais de direito público e a equidade.
A seu turno, Hugo de Brito Machado (Comentários ao
Código Tributário Nacional, v. II, São Paulo: Atlas,
2004, p. 269) leciona que:
“A expressão interpretação
literal tem mais de um significado. Pode ser entendida como interpretação
gramatical ou filológica. Ou como interpretação na qual são levados em conta os
significados sintático, semântico e pragmático (Barros Carvalho), ou, em outras
palavras, os elementos lógico e sistêmico (Vernengo).
Ou ainda, como interpretação na qual, entre as várias opções possíveis, sem
injustiça e sem desigualdade, prefira-se o significado mais próximo do elemento
gramatical”.
O autor, como de resto a totalidade da doutrina
brasileira, procura relativisar os rigores do art.
111. Ou seja, a interpretação literal, em nenhuma hipótese, poderia afastar
outros valores albergados pela Constituição.
“Pensamos que o art. 111 do Código Tributário
Nacional não impede o interprete de utilizar outros elementos de interpretação
quando o elemento literal, em sentido amplo, como exposto no item precedente,
não conduzir a resultado capaz de compatibilizar o alcance da norma interpretada
com os valores fundamentais da humanidade que o Direito deve realizar”.
A
norma do art. 111 justifica-se pela proteção do interesse público. A regra
geral é que todos concorram para o financiamento do Estado. Por isso, a norma isencional que é exceção à norma geral, pois tem como
conseqüência o não-pagamento do tributo, deve ser interpretada literalmente
(não ampliativa). No entanto, no caso em tela, o interesse público é o
barateamento da aquisição de viaturas pelo Poder Público, mediante a dispensa
do imposto.
Ora,
podemos dizer que apenas formalmente não está sendo cumprida a condição
subjetiva da norma do Anexo 2, art. 1°, III. De
fato, nos termos do Convênio 4.947/2006-6, as viaturas tem como destinatário
final a Secretaria de Segurança Pública e serão utilizadas nas funções
previstas no art. 320 do Código de Trânsito Brasileiro.
Posto
isto, responda-se à consulente:
a)
as compras de viaturas, com posterior transferência à Secretaria de Segurança
Pública, nos termos do Convênio 4.947/2006-6,
destinadas ao policiamento de trânsito, estão abrangidas na isenção prevista no
art. 1°, III, do Anexo 2;
b)
a transferência para a Secretaria de Segurança Pública deve ser documentada com
a emissão de nota fiscal em que seja consignada a razão da transferência e
feita expressa menção do Convênio 4.947/2006-6.
À superior consideração da Comissão.
Getri, em Florianópolis, 27 de novembro
de 2007.
Velocino
Pacheco Filho
AFRE – matr. 184244-7
De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer
acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 13 de
dezembro de 2007.
Alda Rosa da Rocha
Almir José Gorges
Secretária Executiva
Presidente
da Copat