EMENTA: ICMS. CRÉDITO. NÃO SÃO DEDUTÍVEIS OS CRÉDITOS RELATIVOS ÀS AQUISIÇÕES DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE NAS AQUISIÇÕES DE MERCADORIAS DE USO E CONSUMO, NAS REMESSAS DE RESÍDUOS INDUSTRIAIS DO PROCESSO PRODUTIVO, NO TRANSPORTE DE FUNCIONÁRIOS RESIDENTES EM OUTROS MUNICÍPIOS E NAS VENDAS, NO MERCADO INTERNO, SOB CLÁUSULA CIF, DE PRODUTOS ISENTOS OU NÃO TRIBUTADOS.
NO QUE TANGE ÀS REMESSAS PARA INDUSTRIA-LIZAÇÃO, O TOMADOR DO SERVIÇO DE TRANSPORTE TEM DIREITO AO CRÉDITO RELATIVO AO SERVIÇO CONTRATADO.
Disponibilizado na página da SEF em 08.11.11
1 - DA CONSULTA
A
empresa em epígrafe, qualificada nos autos deste processo, dedica-se à industrialização,
fundição e comercialização de metais ferrosos e não ferrosos, à fabricação de
peças e acessórios para veículos automotores, máquinas e equipamentos.
Na
consecução de suas atividades, adquire matéria-prima, material de embalagem,
materiais intermediários e de uso e consumo. Utiliza, ainda, serviços de
transporte em operações internas e interestaduais que, segundo ela, integram o
custo de seus produtos.
Com
relação às aquisições de serviços de transporte, revela possuir dúvidas -
quanto ao crédito de ICMS, na proporção das saídas tributadas - nos casos
abaixo relacionados:
a) Na aquisição de materiais para uso
ou consumo?
b) Na remessa de insumos para
industrialização por encomenda?
c) Na remessa de resíduos industriais do
processo produtivo?
d) Na venda no mercado interno, sob a
cláusula CIF, de produtos isentos ou não tributados, na proporcionalidade das
saídas tributadas do estabelecimento?
e) No transporte de funcionários da
produção de outros municípios?
Como
os fatos geradores do ICMS-Mercadoria e do ICMS-Serviço são distintos, nada impede, por exemplo, que,
embora os materiais de uso e consumo não dêem direito a crédito, o mesmo não
ocorra com o serviço tomado para transportar tais materiais.
O
raciocínio apresentado subsidia o entendimento da consulente de que tem direito
aos créditos mencionados. É o que submete ao crivo desta Comissão.
Por
fim, declara que:
a) Não se encontra sob procedimento
fiscal iniciado ou já instaurado, para apurar fatos que se relacionam com a
matéria objeto da consulta.
b) Não está intimada a cumprir
obrigação relativa ao fato objeto da consulta.
c) O fato nela exposto não foi
objeto de decisão anterior, proferida em consulta ou litígio em que foi parte.
A
autoridade fiscal ressalta a ausência de previsão legal para as situações
aventadas pela interessada e atesta o cumprimento dos pressupostos de
admissibilidade preconizados pela Portaria SEF nº 226/01.
É
o relato.
2 - LEGISLAÇÃO
APLICÁVEL
Constituição Federal,
art. 155, § 2º, I e II;
Lei Complementar nº
87/96, arts. 19, 20 e 33;
Lei nº 10.297/96, arts. 21 a 30;
RICMS-SC/01, aprovado
pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, arts.
28 e 29.
3 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
A Lei Maior prevê que o ICMS será não-cumulativo, compensando-se o que
for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação
de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo Estado ou pelo
Distrito Federal (art. 155, § 2º, inciso I).
Reparemos, em primeiro lugar, que, apesar
de incidir ICMS em cada uma das operações relativas à circulação de mercadorias
ou prestação de serviços (é dito plurifásico, por
incidir em cada etapa de comercialização), ele é, ao mesmo tempo, um imposto não
cumulativo, de tal sorte que o valor a recolher será a diferença entre o
imposto relativo à operação e o que incidiu nas operações anteriores. Esse
imposto dedutível é que chamamos de crédito
fiscal.
Paro neste ponto para chamar a
atenção para a falta de rigor técnico relativo ao termo crédito fiscal. Crédito aqui, não significa que haja - no sentido
obrigacional - um crédito do contribuinte contra o Estado. Em outros termos,
não constitui um débito do Estado para com o contribuinte ou um dever de
prestação patrimonial relativa ao imposto, mas um direito de dedução resultante
de incidências anteriores, oponível aos valores a recolher supervenientes[1].
O crédito
fiscal a que me referi nas linhas anteriores é o chamado crédito físico, previsto
na Constituição Federal (art. 155, § 2º, I, proveniente da Emenda
Constitucional nº 3/93), que é aquele em que só o imposto relativo à entrada de
bens que são vendidos pelo estabelecimento, ou que integrem
fisicamente o produto industrializado a ser vendido, resultará em
crédito a ser compensado com o imposto devido na saída desses bens.
Porém, todas
as mercadorias e bens que são adquiridos por um estabelecimento, em última
análise, prestam-se ao cumprimento de seu objeto social, independentemente de
serem (ou não) consumidos em sua atividade principal. Ciente disso, o
legislador complementar inseriu no ordenamento jurídico brasileiro, por
intermédio da LC 87/96, o regime de créditos financeiros, em substituição ao de
créditos físicos. De absoluta pertinência, transcrevo o escólio de Hugo de
Brito Machado (Aspectos Fundamentais do ICMS. São Paulo: Dialética, 1997, p.
143), quanto ao novo regime introduzido pela lei complementar:
Pelo
regime de crédito financeiro é assegurado o crédito do imposto pago em todas as
operações circulação de bens, e em todas as prestações de serviços, que
constituam custo do estabelecimento. Não importa se o bem, ou serviço, compõe o
bem a ser vendido. Importa, é que o bem vendido teve como custo aquele bem, ou
aquele serviço, já tributado anteriormente.
É um
regime de não-cumulatividade absoluta. Não-cumulatividade que leva em conta o elemento financeiro,
por isso mesmo regime denominado de crédito financeiro.
O regime de créditos financeiros
introduzido pela LC 87, entretanto, não entrou plenamente em vigor. No caso dos
bens de uso e consumo, terá de ser observado o disposto em seu art. 33, I, que
é taxativo: créditos, só a partir de janeiro de 2020 (LC 138/10)!
Mas, e quanto aos produtos
intermediários de necessária aplicação nas diversas etapas do processo
produtivo que, muito embora não se incorporem ao produto final, são imprescindíveis
à atividade industrial da empresa?
Com relação à matéria, os Tribunais vêm
decidindo que o crédito só será possível em relação aos materiais que se
integrarem fisicamente ao produto ou que venham a ser integralmente consumidos
no processo produtivo (Nesse sentido: STJ, Recurso Especial 235.324, SP, 2000; STJ,
Recurso Especial 799.724, RJ, 2007; STJ, AgRg
no R Esp 738.905, RJ, 2008).
A solução antecipada no parágrafo
anterior, e que nos é imposta por assente jurisprudência, reclama algum
desenvolvimento antes que seja aplicada ao caso específico ora analisado.
Se o direito ao crédito em análise diz
respeito a produtos intermediários que se integram fisicamente ao produto final
ou que sejam totalmente consumidos em seu processo fabril, então só poderemos
admiti-lo no estrito âmbito do setor produtivo da empresa industrial. É o
primeiro ponto.
Em segundo lugar, é sensato concluir
que o que permeou as decisões dos Tribunais, no que concerne aos materiais
intermediários, foi, ainda, o regime de “créditos físicos” (que, análise
última, tem supedâneo no conceito contábil de custo de produção). Nem poderia ocorrer de outra forma, já que há
impedimento legal para o aproveitamento dos créditos financeiros
(contabilmente, considerados como despesas).
Mas se é assim, os créditos fiscais
advindos do serviço contratado para transportar materiais de uso e consumo adquiridos
não podem ser admitidos como pretende a consulente, simplesmente porque sua
natureza é de despesa, e não de custo. A propósito, eis o motivo para que haja previsão
legal, por exemplo, para o crédito relativo ao serviço contratado para
transportar matéria-prima.
Observemos que tal corolário não é
apenas evidente, mas preliminar, pois tais aquisições não pertencem ao universo
de situações passíveis de gerarem crédito nos termos legais atualmente
admitidos.
Podemos, então, discernir os casos cuja
análise do direito pleiteado independe do mérito, pois não sobrevive à
preliminar apresentada acima. Tais situações, expostas à crítica pela
consulente, dizem respeito às aquisições de serviços de transporte na aquisição
de materiais para uso e consumo, na remessa de resíduos industriais do processo
produtivo e de funcionários residentes em outros municípios.
De tal sorte, remanescem, das
perquirições apresentadas, os créditos relativos às aquisições de serviços de
transporte, nas remessas de insumos para industrialização por encomenda (item
b) e nas vendas no mercado interno, sob cláusula CIF, de produtos isentos ou
não tributados, na proporcionalidade das saídas tributadas do estabelecimento
(item d).
Começando pelo último, assinalei parágrafos
atrás que crédito fiscal é um direito de dedução resultante de incidências
anteriores, oponível aos valores de imposto a recolher supervenientes. Não é o
caso, o imposto relativo ao frete não se refere a operações anteriores, mas à
própria operação praticada pela consulente, ou seja, esse imposto, sob o ponto
de vista da consulente, constitui um débito (obrigação tributária), e não um crédito
(direito de dedução).
Já, quanto às remessas para
industrialização, em que a consulente for a tomadora
do serviço de transporte, a situação é análoga a do direito ao crédito
relativo a serviço de transporte na aquisição de matérias-primas, pois resta
incólume idéia de custo de produção.
Pelo exposto, há subsídios
suficientes para que se responda à consulente que não há possibilidade de
apropriação dos créditos relativos às aquisições de serviço de transporte: 1)
nas aquisições de materiais de uso e consumo; 2) nas remessas de resíduos
industriais do processo produtivo; 3) no transporte de funcionários residentes
em outros municípios; 4) nas vendas, no mercado interno, sob cláusula CIF, de
produtos isentos ou não tributados, na proporcionalidade das saídas tributadas
do estabelecimento. No que tange às remessas para industrialização, em que for
a tomadora do serviço de transporte, há direito ao crédito relativo ao imposto
cobrado no serviço de transporte contratado.
À crítica desta Comissão.
COPAT, 17 de outubro de de 2011.
Nilson
Ricardo de Macedo
AFRE
IV - matr. 344.181-4
De
acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT
na sessão do dia 27 de outubro de 2011, ressalvando-se, a teor do disposto no
art. 11 da Portaria SEF 226/01, que as respostas a consultas poderão ser
modificadas a qualquer tempo, nas seguintes hipóteses: a) por deliberação desta
Comissão, mediante comunicação formal à consulente; b) em decorrência de
legislação superveniente; e, c) pela publicação de Resolução Normativa que
veicule entendimento diverso.
Marise
Beatriz Kempa Francisco de Assis Martins
Secretária
Executiva Presidente da Copat
[1] A rigor, não necessariamente supervenientes, pois, muito embora a Lei Maior (art. 155, § 2º, inciso I) pressuponha uma ordem cronológica ao referir-se a não cumulatividade, não é o que acontece na realidade, porque o cumprimento da seqüência temporal - compensar o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores - é absolutamente inexeqüível operacionalmente.