ESTADO DE SANTA CATARINA |
SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA |
COMISSÃO PERMANENTE DE ASSUNTOS TRIBUTÁRIOS |
RESPOSTA CONSULTA 100/2022 |
N° Processo | 2270000020314 |
ICMS. 1. Vedação à fixação, nas operações com energia elétrica,
de alíquota superior à aplicável às operações em geral, nos termos da Lei Complementar
federal nº 194/2022. Norma geral em matéria tributária. A efetiva fixação de
alíquotas necessita de edição de lei por cada ente tributante, conforme o art.
97, IV, do CTN. Em Santa Catarina, a redução da alíquota foi realizada pela Lei
nº 18.521/2022, com vigência a partir de 1º de julho de 2022, sendo
irrelevante para a tal a data de vigência da mencionada Lei Complementar
federal. 2. Não incidência do imposto sobre os serviços de transmissão e
distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia
elétrica, nos termos do art. 3º, X, da Lei Complementar federal nº 87/1996 e
do art. 7º, XI, da Lei nº 10.297/1996. O fornecimento de energia elétrica é
indissociável e sua cadeia não pode ser segregada em partes que seriam a
geração, a transmissão, a distribuição e o consumo da energia. A transmissão e
a distribuição da energia não são serviços prestados e nem possuem existência
ou valor econômico autônomos, sendo integrantes do custo do fornecimento de
energia como um todo, e, portanto, componentes da base de cálculo do ICMS. Não
houve qualquer alteração legal na base de cálculo do imposto incidente nas
operações com energia elétrica, razão pela qual o ICMS incide em todos os
componentes da tarifa de energia elétrica, incluindo a TUSD e a TE.
Trata-se de consulta formulada por concessionária de
serviço público de distribuição de energia elétrica a respeito das alterações
legislativas promovidas pela Lei Complementar federal nº 194, de 23 de junho de
2022, e pela Medida Provisória nº 255, de 29 de junho de 2022, convertida na
Lei nº 18.521, de 3 de novembro de 2022.
Entende a consulente que, embora a Lei Complementar federal
nº 194, de 2022, tenha vedado, nas operações com energia elétrica, a fixação de
alíquota do ICMS superior à alíquota aplicável às operações em geral, a efetiva
redução de alíquota só seria aplicável a partir de 1º de julho de 2022, data de
produção de efeitos da Lei nº 18.521, de 2022, que efetivamente reduziu a alíquota
em âmbito estadual, e não a partir de 23 de junho de 2022, data de produção de
efeitos da mencionada Lei Complementar federal.
Ademais, tendo em vista a inclusão, pela Lei Complementar
federal nº 194, de 2022, de regra prevendo a não incidência do ICMS sobre
serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às
operações com energia elétrica, entende que teria sido substancialmente
alterada a base de cálculo do ICMS, fixando novas hipóteses de não incidência
do tributo nas operações envolvendo energia elétrica, excluindo algumas
parcelas que originalmente a compunham.
Sendo assim, tendo em vista a estrutura da tarifa de
energia elétrica definida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel),
entende que não haveria incidência do ICMS na parcela relativa à Tarifa de Uso
do Sistema de Distribuição (TUSD) e que haveria incidência do ICMS
integralmente na parcela relativa à Tarifa de Energia (TE).
A autoridade fiscal manifestou-se favoravelmente
quanto às condições de admissibilidade, dando-lhe tramitação.
É o relatório, passo à análise.
Código Tributário Nacional, arts. 18-A e 97, caput, IV.
Lei Complementar federal nº 87, de 13 de setembro de 1996,
art. 3º, caput, X e art. 32-A.
Lei Complementar federal nº 194, de 23 de junho de 2022, arts.
1º, 2º e 15.
Lei nº 10.297, de 26 de dezembro de 1996, art. 7º, caput, XI.
Medida Provisória nº 255, de 29 de junho de 2022,
convertida na Lei n° 18.521, de 3 de novembro de 2022.
A Lei Complementar federal nº 194, de 2022, por meio de seus
arts. 1º e 2º, respectivamente, acrescentou o art. 18-A ao Código Tributário
Nacional e o art. 32-A à Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996,
vedando, nas operações com energia elétrica, a fixação de alíquota superior à
alíquota aplicável às operações em geral.
Muito embora a mencionada Lei Complementar federal tenha
entrado em vigor em 23 de junho de 2022, ela tão somente estabeleceu normais
gerais em material tributária, com fundamento no inciso III do caput do art. 146 da Constituição
Federal. Nos termos do inciso IV do caput
do art. 97 do Código Tributário Nacional, a efetiva fixação ou alteração de
alíquota necessita de edição de lei por cada ente tributante.
No âmbito de Santa Catarina, a fixação da nova alíquota para
as operações com energia elétrica foi realizada por meio da Lei nº 18.521, de
2022, que, no seu art. 5º, revogou a alínea a do inciso II do caput do art. 19 da Lei nº 10.297, de 13
de setembro de 1996, sujeitando, como consequência, tais operações à alíquota geral
de 17%, prevista no inciso I do caput
do mencionado artigo.
A nova alíquota somente passou a ser aplicável a partir de 1º
de julho de 2022, data da entrada em vigor da Lei nº 18.521, de 2022, nos
termos do seu art. 4º, sendo irrelevante para tal o fato de a entrada em vigor
da Lei Complementar federal nº 194, de 2022, ter ocorrido em data anterior.
Além disso, em seu art. 2º, a Lei Complementar federal nº 194,
de 2022, acrescentou o inciso X ao caput
do art. 3º da Lei Complementar federal nº 87, de 1996, buscando prever uma nova
hipótese de não incidência do ICMS, em relação aos serviços de transmissão e
distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia
elétrica:
Art. 3º O imposto não incide
sobre:
(...)
X - serviços de transmissão e
distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia
elétrica. (Incluído pela Lei
Complementar nº 194, de 2022)
(...)
Ressalte-se que não houve qualquer
alteração na base de cálculo do imposto. O inciso XI do caput do art. 7º da Lei nº 10.297, de 1996, acrescentado pela Lei
nº 18.521, de 2022, apenas reproduziu na legislação catarinense o teor da norma
federal.
Sobre o tema, cumpre esclarecer que a decomposição da
tarifa de energia elétrica em TUSD e TE, decorrência da abertura do mercado de
energia, é uma divisão de tarefas (geração, transmissão e distribuição) de
cunho eminentemente administrativo e concorrencial entre os agentes econômicos
responsáveis por cada tarefa.
Essa divisão não altera a regra
matriz de incidência do ICMS nem repercute na sua base de cálculo. Material e
economicamente, a cadeia de geração,
transmissão, distribuição e consumo de energia elétrica é una. Diferentemente
de uma operação com uma mercadoria comum, o
fornecimento de energia é indissociável, não podendo ser segregado em partes.
O que se vende é a energia
elétrica como um todo, pois não se compra a transmissão ou a distribuição da
energia elétrica separadamente. Essas últimas não são operações anteriores,
não são serviços prestados e não possuem existência ou valor econômico autônomos.
Todas as etapas concorrem para a concretização do negócio jurídico
tributável pelo ICMS a operação com energia elétrica, que é o próprio
fornecimento de energia elétrica ao
consumidor final. Dessa forma, todas as tarifas devem compor o preço final,
incidindo-se o ICMS sobre a operação como um todo, que abrange a geração, a
transmissão e a distribuição.
Em julgamento recente, posterior
às alterações legislativas em análise, o Tribunal de Justiça de São Paulo muito
bem discorreu sobre o tema:
Pensando-se agora em termos
maiores, como por exemplo, na rede de geração, transmissão e distribuição de
energia elétrica de um país, ou de uma região, é possível dizer que a corrente
elétrica gerada está presente e passa por toda esta rede, ficando disponível a
quem a ela se conectar. A energia
elétrica, então, não é gerada, armazenada, transportada, novamente armazenada,
de um ponto a outro desta rede, para enfim ser adquirida e consumida, como uma
mercadoria em um ciclo produtivo material.
A energia elétrica está na
corrente elétrica presente na usina de geração e nas redes de transmissão e de
distribuição, disponível aos consumidores que a ela se conectarem.
A usina de geração, as redes
de transmissão e as redes de distribuição, compõem o enorme condutor de
corrente elétrica de uma região ou país. E, assim, qualquer consumidor que se
conecte a este gigantesco condutor, terá energia disponível, na velocidade da
luz, isto é, instantaneamente, para consumo.
É errada, portanto, a ideia de que a energia elétrica seja uma
mercadoria transportável num ciclo produtivo plurifásico, de um estabelecimento
a outro, até chegar ao consumidor final. Neste contexto, a expressão operações
de energia elétrica, tais como utilizadas pelo constituinte, mais se adequam à
realidade da estrutura física necessária à geração, transmissão, distribuição e
consumo de energia elétrica.
(...)
Ora, se o ICMS sobre energia
elétrica incidisse sobre uma hipotética circulação desta mercadoria, em
processo produtivo multifásico, os princípios constitucionais exigiriam sua
não-cumulatividade. Não é isso que ocorre: justamente
porque a operação de fornecimento de energia elétrica tem especificidades
condizentes com a própria natureza da geração, transmissão e distribuição de
energia, como visto, sua incidência se dá de forma monofásica.
(...)
Não se pode tratar como transporte ou circulação de energia elétrica,
uma equivocadamente imaginária cadeia de geração, armazenamento, aquisição,
armazenamento, transporte e, enfim, consumo de energia, na qual se tributa
somente o consumo, sem relação com o custo de seu transporte, ou de sua
circulação entre estabelecimentos do mesmo fornecedor. A operação de energia
elétrica, sujeita à tributação, é feita da geração, da transmissão e da
distribuição de energia. O custo de cada uma destas operações compõe o preço final do consumo
da energia elétrica, sem o qual, este consumo seria inviável.
Para viabilizar a
concorrência entre os agentes econômicos do sistema de energia elétrica e,
assim, melhorar sua eficiência dentro dos imperativos constitucionais do
serviço público, é que se decompôs o preço da tarifa, em TE, TUSD e TUST,
viabilizando a contratação livre, nos termos regulados, pagando-se algumas ou
todas as tarifas, dependendo de sua contratação para viabilização do consumo.
Isso não significa que, no
caso de um consumidor cativo, não haja efetivo uso do sistema de distribuição e
de transmissão, como forma de viabilizar o consumo, de modo que as tarifas decompostas que remuneram
cada agente econômico devem, necessariamente, compor o preço final da energia consumida,
ou seja, da operação de energia elétrica.
A incidência do ICMS energia elétrica, por sua vez, monofásica, dá-se
sobre a operação de energia elétrica, o que abrange, como não poderia deixar de
ser, a geração, a transmissão e a distribuição de energia, pois sem qualquer
deles, não há corrente elétrica disponível, não há consumo possível.
(...) (TJSP - 1ª Câmara de
Direito Público; Agravo de Instrumento 2147056-37.2022.8.26.0000; Relator Des.
Marcos Pimentel Tamassia; publicado em 20/09/2022) Grifou-se
No mesmo sentido é a jurisprudência reiterada do Superior
Tribunal de Justiça:
TRIBUTÁRIO. ICMS.
FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. BASE DE CÁLCULO. TARIFA DE USO DO SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO (TUSD). INCLUSÃO.
1. O ICMS incide sobre todo o processo de fornecimento de energia
elétrica, tendo em vista a indissociabilidade das suas fases de geração,
transmissão e distribuição, sendo que o custo inerente a cada uma dessas etapas
entre elas a referente à Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD)
compõe o preço final da operação e, consequentemente, a base de cálculo do
imposto, nos termos do art. 13, I, da Lei Complementar n. 87/1996.
2. A peculiar realidade
física do fornecimento de energia elétrica revela que a geração, a transmissão
e a distribuição formam o conjunto dos elementos essenciais que compõem o
aspecto material do fato gerador, integrando o preço total da operação
mercantil, não podendo qualquer um
deles ser decotado da sua base de cálculo, sendo certo que a etapa de
transmissão/distribuição não cuida de atividade meio, mas sim de atividade
inerente ao próprio fornecimento de energia elétrica, sendo dele indissociável.
3. A abertura do mercado de energia elétrica, disciplinada pela
Lei n. 9.074/1995 (que veio a segmentar o setor), não infirma a regra matriz de incidência do tributo, nem tampouco
repercute na sua base de cálculo, pois o referido diploma legal, de
cunho eminentemente administrativo e concorrencial, apenas permite a atuação de
mais de um agente econômico numa determinada fase do processo de circulação da
energia elétrica (geração). A partir dessa norma, o que se tem, na realidade, é
uma mera divisão de tarefas de geração, transmissão e distribuição entre os
agentes econômicos responsáveis por cada uma dessas etapas, para a
concretização do negócio jurídico tributável pelo ICMS, qual seja, o
fornecimento de energia elétrica ao consumidor final.
(...) (STJ - Primeira Seção;
REsp nº 1.163.020/RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 21/03/2017).
Grifou-se
O entendimento
também tem sido adotado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, como, por
exemplo, nas apelações cíveis nº 0300509-69.2015.824.0006,
0321375-47.2015.8.24.0023 e 0330826-96.2015.8.24.0023 e nos agravos de
instrumento nº 0155240-17.2015.8.24-0000, 4004960-29.2016.8.24.0000 e
4004953-37.2016.8.24.0000.
Pelos fundamentos acima expostos, em relação à redução da
alíquota das operações com energia elétrica, responda-se à consulente que:
·
A Lei Complementar federal nº 194, de 2022, ao vedar,
nas operações com energia elétrica, a fixação de alíquota superior à alíquota
aplicável às operações em geral, tão somente estabeleceu normas gerais em
matéria tributária a serem observadas pelas unidades federadas;
·
Nos termos do inciso IV do caput do art. 97 do Código Tributário Nacional, a efetiva fixação
de alíquota somente necessita de edição de lei por cada ente tributante; e
·
No âmbito de Santa Catarina, a fixação da nova
alíquota para as operações com energia elétrica foi realizada por meio da Lei
nº 18.521, de 2022, e passou a ser aplicável a partir de 1º de julho de 2022,
data da entrada em vigor da Lei, nos termos do seu art. 4º, sendo irrelevante
para tal o fato de a entrada em vigor da Lei Complementar federal nº 194, de
2022, ter ocorrido em data anterior.
Ademais, em relação à não incidência do ICMS sobre os
serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às
operações com energia elétrica, responda-se à consulente que:
·
Material e economicamente, a cadeia de geração,
transmissão, distribuição e consumo de energia elétrica é una. Todas essas
etapas concorrem para o fornecimento de energia elétrica, que é indissociável,
não podendo ser segregado em partes;
·
Não existem, nessa cadeia, serviços de
transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com
energia elétrica. A transmissão e a distribuição da energia não são serviços
prestados e nem possuem existência ou valor econômico autônomos, sendo partes
do custo do fornecimento de energia, e, portanto, componentes da base de
cálculo do ICMS incidente nas operações com energia elétrica; e
·
A Lei complementar federal nº 194, de 2022, e a Lei
nº 18.521, de 2022, não promoveram qualquer alteração da base de cálculo do
ICMS devido nas operações com energia elétrica, razão pela qual o ICMS incide
em todos os componentes da tarifa de energia elétrica, incluindo a TUSD e a TE.
É o parecer que submeto à apreciação
desta Comissão Permanente de Assuntos Tributários.
Nome | Cargo |
LENAI MICHELS | Presidente COPAT |
BERNARDO FRECHIANI LARA MACIEL | Secretário(a) Executivo(a) |
Data e Hora Emissão | 21/11/2022 15:14:09 |