Consulta nº 066/07
EMENTA: ICMS.
MERCADORIA IMPORTADA DE PAÍSES COM OS QUAIS O BRASIL MANTENHA TRATADO
INTERNACIONAL QUE CONTENHA CLÁUSULA DE RECIPROCIDADE DE TRATAMENTO TRIBUTÁRIO
TERÁ O MESMO TRATAMENTO DADO AO SIMILAR NACIONAL.FRUTAS FRESCAS IMPORTADAS: NÃO
SE APLICA A ISENÇÃO PREVISTA NO ART. 2°, I, “E”, SE FOREM DESTINADAS À
INDUSTRIALIZAÇÃO (§ 1°, I).TRATAMENTO NÃO UNIFORME EM TODO O TERRITÓRIO
NACIONAL: O PRODUTO IMPORTADO TERÁ O MESMO TRATAMENTO PREVISTO PELA LEGISLAÇÃO
DO ESTADO POR ONDE SE DER A IMPORTAÇÃO.PÊRAS E MAÇÃS IMPORTADAS DE PAÍS MEMBRO
DA ALADI OU DO MERCOSUL, POR ESTABELECIMENTO SITUADO EM SANTA CATARINA, GOZAM
DE ISENÇÃO, SALVO QUANDO DESTINADAS À INDUSTRIALIZAÇÃO.
01 - DA CONSULTA.
A consulente em epígrafe informa que atua no ramo de cultivo
de maçãs. Considerando o disposto no art. 2°, I, “e”, c/c art. 3°, I, ambos do Anexo 2 do
RICMS-SC/01, formula consulta sobre o tratamento tributário na importação de
maçãs e pêras de países membros da ALADI e do MERCOSUL.
A autoridade fiscal, em suas informações, a fls. 9-12,
transcreve laboriosamente a legislação que trata de consultas, especificamente
na Lei 3.938/66 e Portaria SEF 226/01, e opina pelo recebimento da consulta.
Registre-se, todavia, que não foram transcritos os arts. 152 a 152-F do Regulamento
do Normas Gerais de Direito Tributário do Estado de Santa Catarina, aprovado
pelo Decreto 22.586/84.
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL.
Código Tributário Nacional, Lei
5.172, de 25 de outubro de 1996, art. 98;
Supremo Tribunal Federal, Súmula
575;
Superior Tribunal de Justiça, Súmula
20;
RICMS-SC, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001,
Anexo 2, arts. 2°, I, “e”, e 3°, I.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E
RESPOSTA.
A matéria não é nova, tendo esta Comissão editado a
Resolução Normativa n° 28, do seguinte teor:
TRATAMENTO
TRIBUTÁRIO NA IMPORTAÇÃO DE PEIXE E FILÉ DE PEIXE, CONGELADOS, DE PAÍSES
MEMBROS DO MERCOSUL OU ALALC. OS TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS APROVADOS
PELO CONGRESSO NACIONAL E PROMULGADOS PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA PREVALECEM
SOBRE A LEGISLAÇÃO INTERNA. TRATAMENTO ISONÔMICO ÀS MERCADORIAS NACIONAIS, IN
CASU, ISENÇÃO, OBSERVADO AS EXCEÇÕES CONSTANTES NO DISPOSITIVO ISENTIVO. ICMS –
IMPORTAÇÃO
No mesmo sentido, foram respondidas as seguintes Consultas:
I – Consulta n° 54/03:
ICMS.
MERCADORIA IMPORTADA. ASSEGURADO O MESMO TRATAMENTO DISPENSADO NAS OPERAÇÕES
INTERNAS AO SIMILAR NACIONAL, SE IMPORTADA DE PAÍS COM O QUAL O BRASIL TENHA
CELEBRADO TRATADO INTERNACIONAL QUE PREVEJA RECIPROCIDADE NO TRATAMENTO TRIBUTÁRIO.
OS
TRATADOS E AS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS REVOGAM OU MODIFICAM A LEGISLAÇÃO
TRIBUTÁRIA INTERNA E SERÃO OBSERVADOS PELA QUE LHES SOBREVENHA (CTN, ART. 98).
................................................................
Dispõe o
art. 98 do CTN que “os tratados e as convenções internacionais revogam ou
modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes
sobrevenha”. É o caso dos tratados de que o Brasil é signatário que contenham
cláusula de reciprocidade de tratamento tributário. Nesse caso, ao produto
importado fica assegurado o mesmo tratamento tributário dado ao similar
nacional. Esse entendimento foi albergado pelo Supremo Tribunal Federal que
editou a seguinte súmula:
“Súmula
STF n° 575: À mercadoria importada de país signatário do GATT, ou membro da
ALALC, estende-se a isenção do imposto sobre circulação de mercadoria concedida
a similar nacional”.
A questão
foi apropriadamente analisada em artigo subscrito pelo professor de direito
internacional da UFSC, Welber Barral e por Tatiana Lacerda Prazeres (Revista
Dialética de Direito Tributário n° 70, pp. 140 a 149):
“... a
União é ente de direito interno, sendo que apenas o Estado Federal dispõe de
legitimidade para atuação no plano externo. A República Federativa do Brasil,
representando a totalidade dos entes federados brasileiros, pode livremente
dispor de seus próprios interesses, de tal sorte que não será atingida pela limitação
do artigo 151, III, da CF/88. Desta forma, a vedação do artigo 151, III
aplica-se à União na qualidade de ente interno e não ao EStado brasileiro que,
ao representar o conjunto de Estados-membros, Municípios e União, pode
estabelecer isenções de tributos de competência de quaisquer dessas pessoas
políticas.”
Acrescentam
os articulistas que a “invalidade de tais isenções condenaria o Brasil ao
isolacionismo econômico-comercial – o que não parece uma opção viável no atual
contexto histórico”. Concluem dizendo que “o Brasil teria que responder, diante
da OMC, pela violação às normas desta organização internacional”.
De fato, a
Organização Mundial de Comércio, criada em 1995, resultou da Rodada Uruguai
(1986 a 1994) de negociações multilaterais que alterou a carta do GATT. Entre
os objetivos da organização está assegurar a igualdade de tratamento no
comércio entre as nações. Ou seja, criar um sistema de comércio não
discriminatório em que cada país receba garantias de que suas exportações
seriam tratadas consistentemente em outros mercados. O Ato Final da Rodada
Uruguai foi promulgado, no plano interno, pelo citado Decreto n° 1.355/94.
II - Consulta n° 13/99:
EMENTA:
ICMS. PESCADO. IMPORTAÇÃO. O TRATAMENTO TRIBUTÁRIO É IDÊNTICO AO DAS OPERAÇÕES
INTERNAS COM A MESMA MERCADORIA SE IMPORTADA DE PAÍS COM O QUAL O BRASIL TENHA
CELEBRADO TRATADO QUE PREVEJA IGUALDADE DE TRATAMENTO TRIBUTÁRIO.
A
IMPORTAÇÃO FAR-SE-Á AO ABRIGO DA ISENÇÃO CASO O PESCADO SE DESTINE À REVENDA.
SERÁ, CONTUDO, TRIBUTADO NO CASO DO PESCADO DESTINAR-SE À INDUSTRIALIZAÇÃO PELO
IMPORTADOR.
...................................................................
Tanto o
Tratado de Montevidéu (ALALC) como o Tratado de Assunção (Mercosul) prevêem que
os produtos oriundos de um dos países signatários gozarão, no território dos
demais países signatários, do mesmo tratamento tributário dado internamente aos
similares nacionais.
.................................................................
Sobre a questão, pondera Alberto
Xavier (Direito Tributário Internacional do Brasil, 1994):
“Com
efeito, se o Estado Brasileiro assegura, ao nível constitucional, a vigência de
direitos e garantias decorrentes de tratados internacionais em que seja parte
(§ 2° do artigo 5° da Constituição Federal), isso significa que
ele próprio tem o dever de conformar a sua ordem interna com o direito
internacional convencional, não podendo, assim, emitir leis
infraconstitucionais contrárias às normas daquele. Dito de outro modo: o Estado
brasileiro não quis deixar na disponibilidade do legislador ordinário a vigência
de normas de origem não unilateral.”
“Daqui
decorrem duas conclusões: (a) a de que o Direito Internacional convencional é
colocado na ordem jurídica interna num grau hierárquico superior ao da lei; e
(b) a de que, em caso de conflito, o tratado se sobrepõe à lei interna.”
O dispositivo questionado (Anexo 2,
art. 2°,
I, “e”) prevê isenção nas operações internas e interestaduais com frutas
frescas nacionais, que deve, em princípio, estender-se para abranger as frutas
frescas importadas de países com os quais o Brasil mantenha tratado com
cláusula de reciprocidade de tratamento tributário, caso da ALADI, do MERCOSUL
e do GATT.
No entanto, o §1°, I, do mesmo artigo prevê a
tributação das importações de frutas frescas quando forem destinadas à industrialização.
Quanto à exclusão prevista no art. 3°, I, do Anexo 2, de maçã e pêra
provenientes de países membros da ALADI, devemos fazer as seguintes
considerações:
a) a norma interna
(convencional/regulamentar) não pode opor-se à disposição de tratado internacional
que, conforme art. 98 do CTN, revoga ou modifica a legislação tributária interna;
b) o tratamento não é uniforme em
todo o território nacional, pois alguns Estados tributam maçã e pêra nas
operações internas.
Esta última situação foi enfrentada
pelo Superior Tribunal de Justiça, verificando-se convergência jurisprudencial
entre as turmas que compõe a Primeira Seção daquele sodalício, como comprovam
os seguintes arestos colacionados:
I – Primeira Turma: REsp 666.894 RS, Ministro Teori
Albino Zavascki, julgado em 3 de outubro de 2006 (DJ 04.12.2006 p. 264):
TRIBUTÁRIO. ICMS. IMPORTAÇÃO DE
LEITE DO URUGUAI. ISENÇÃO DE ICMS CONCEDIDA POR LEI ESTADUAL AO SIMILAR
NACIONAL. TRATAMENTO NÃO MENOS FAVORECIDO EXTENSÍVEL AO PRODUTO IMPORTADO.
ACORDO GERAL DE TARIFAS E COMÉRCIO – GATT.
1. O Acordo Geral de Tarifas e
Comércio - GATT (art. III da Parte II) assegura aos produtos originários de
qualquer Parte Contratante um tratamento não menos favorecido que o concedido a
produtos similares de origem nacional do país importador. A garantia diz respeito não apenas ao regime fiscal previsto na
legislação federal, mas abrange também, no âmbito da respectiva unidade
federativa, as hipóteses em que o similar nacional é favorecido por isenção
concedida por lei estadual.
2. Considerando que a Lei n.º
8.820/89 do Estado do Rio Grande do Sul, com a redação conferida pela Lei n.º
10.908/96, isenta do ICMS o leite fluido, pasteurizado ou não, esterilizado ou
reidratado, tal benefício se estende ao
produto similar importado do Uruguai e comercializado nesta unidade da federação.
Precedentes: REsp 480.563/RS, Min. Luiz Fux, 1ª T., DJ 03.10.2005; AgRg no Ag
543.968/RS, Min. Franciulli Netto, 2ª T., DJ 07.04.2006.
3. Recurso especial a que se dá
provimento.
II - Primeira Turma: REsp 480.563 RS, Ministro Luiz Fux,
Julgamento: 6 de setembro de 2005 (DJ 03.10.2005 p. 121; RDDT vol. 123 p. 222).
TRIBUTÁRIO. ICMS. ISENÇÃO.
IMPORTAÇÃO DE LEITE DE PAÍS MEMBRO DE TRATADO FIRMADO COM O MERCOSUL.
POSSIBILIDADE. LEI ESTADUAL ISENCIONAL.
1. Pacto de tratamento paritário
de produto oriundo do país alienígena em confronto com o produto nacional, com
"isenção de impostos, taxas e outros gravames internos" (art. 7º,
do Decreto n.º 350/91, que deu validade ao Tratado do Mercosul).
2. Pretensão de isenção de ICMS
concedida ao leite pelo Estado com competência tributária para fazê-la.
3. A exegese do tratado,
considerado lei interna, à luz do art. 98, do CTN, ao estabelecer que a isenção
deve ser obedecida quanto aos gravames internos, confirma a jurisprudência do
E. STJ, no sentido de que "Embora o ICMS seja tributo de competência dos
Estados e do Distrito Federal, é lícito à União, por tratado ou convenção
internacional, garantir que o produto estrangeiro tenha a mesma tributação do
similar nacional. Como os tratados
internacionais têm força de lei federal, nem os regulamentos do ICMS nem os convênios
interestaduais têm poder para revogá-los.
Colocadas essas premissas, verifica-se que a Súmula 575 do Supremo
Tribunal Federal, bem como as Súmulas 20 e 71 do Superior Tribunal de Justiça
continuam com plena força." (AgRg no AG n.º 438.449/RJ, Rel. Min.
Franciulli Netto, DJ de 07.04.2003)
4. O Tratado do Mercosul,
consoante o disposto no art. 7º, do Decreto n.º 350/91, estabelece o mesmo tratamento tributário
quanto aos produtos oriundos dos Estados-Membros em matéria tributária e não limita que referido tratamento
igualitário ocorra somente quanto aos impostos federais, de competência da
União.
5. Deveras, a Súmula n.º
71/STJ ("O bacalhau importado de país signatário do GATT é isento do
ICM") confirma a possibilidade de, em sede de Tratado Internacional,
operar-se o benefício fiscal concedido
por qualquer Estado da federação, desde que ocorrente o fato isentivo em
unidade federada na qual se encarte a hipótese prevista no diploma multinacional.
6. A Lei n.º 8.820/89 do
Estado do Rio Grande do Sul, com a redação conferida pela Lei n.º 10.908/96,
isenta do ICMS o leite fluido, pasteurizado ou não, esterilizado ou reidratado,
por isso que se estende o mesmo
benefício ao leite importado do Uruguai e comercializado nesta unidade da federação.
7. Decisão em consonância com a
doutrina do tema encontradiça in "Tributação no Mercosul", RT, págs.
67/69.
8. Recurso Especial provido.
III - Segunda Turma: REsp 709.216 MG, Ministro
Franciulli Netto, julgado em 22 de fevereiro de 2005 (DJ 09.05.2005 p.
379).
RECURSO ESPECIAL. ALEGADA VIOLAÇÃO
DO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. ICMS.
PAÍS SIGNATÁRIO DO GATT. ISENÇÃO. BACALHAU.ESTADO DE MINAS GERAIS.
CONVÊNIO N. 29/87. REVOGAÇÃO DA ISENÇÃO. NÃO-APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 71/STJ.
Ausência de violação do artigo 535
do Código de Processo Civil, uma vez que não há nos autos qualquer omissão,
contradição ou obscuridade, pois o egrégio Tribunal a quo apreciou toda a matéria recursal devolvida.
O Convênio ICM n. 29, de 18.08.87,
firmado pelo Estado de Minas Gerais e outros Estados, revogou expressamente a
isenção concedida às saídas de pescados pelo Convênio de Porto Alegre. Na seqüência,
o Estado de Minas Gerais editou o Decreto n. 27.281, de 27.08.87, que ratificou
o Convênio ICM n. 29/87, para revogar a isenção concedida ao pescado.
Os convênios têm natureza
meramente autorizativa. Assim, como os Estados e o Distrito Federal têm
liberdade para conceder ou não a isenção do ICMS para o pescado seco ou
salgado, os convênios posteriores que voltaram a conceder isenção ao pescado
aplicam-se apenas àqueles Estados que, de forma expressa, ratificaram tais
convênios, o que não ocorreu no Estado de Minas Gerais.
Dessa forma, não se aplica à
hipótese dos autos a Súmula n. 71 desta Corte, pois o Estado de Minas Gerais
revogou expressamente a isenção do ICMS ao peixe seco e salgado nacional e o bacalhau importado do país signatário do
GATT é isento do referido imposto apenas nos Estados em que o similar nacional
é contemplado com a isenção.
Precedentes.
Recurso especial provido.
Posto isto, responda-se à consulente
que pêras e maçãs importadas de país membro da ALADI ou do MERCOSUL, por
estabelecimento situado em Santa Catarina, gozam de isenção, salvo quando
destinadas à industrialização.
À superior consideração da Comissão.
Getri, em Florianópolis, 24 de julho de 2007.
Velocino
Pacheco Filho
AFRE – matr. 184244-7
De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer
acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 6 de setembro de 2007.
Alda Rosa da Rocha Almir José Gorges
Secretária Executiva
Presidente da Copat