EMENTA: ICMS. CONSTRUÇÃO
CIVIL. A ISENÇÃO PREVISTA NO RICMS-SC/89, ANEXO IV, ART. 1°, LXIV (CONVÊNIO
ICMS 12/93) ESTÁ VINCULADA À FINALIDADE SOCIAL DA OBRA CONTRATADA PELO PODER
PÚBLICO. TAL CONDIÇÃO DEVE SER PREVIAMENTE RECONHECIDA PELO FISCO, PARA CADA OBRA.
CONSULTA Nº: 17/97
PROCESSO Nº:
UF03-6760/94-5
01 - DOS FATOS
A interessada, empresa
estabelecida neste Estado, no ramo de fabricação e comercialização de
pré-moldados, formula consulta sobre a interpretação do disposto no inciso LXIV
do art. 1° do Anexo IV do RICMS-SC/89:
Art. 1º É isento do imposto:
...........
LXIV - a partir de 1° de abril de 1994, as operações
internas de saída, de peças de argamassa armada destinadas à construção de
obras com finalidades sociais, objeto de convênio ou contratos firmados com o
Governo Federal, Estadual ou Municipal.
A consulente indaga se estariam
ao abrigo da isenção "obras como pontes, galerias de esgoto, galpões
comunitários, reservatórios de água públicos, desde que atendidas as
formalidades da contratação com órgãos públicos, uma vez que estas obras
destinam- se a preservação da saúde dos cidadãos, melhores condições de
locomoção, entre outras, que visam a melhoria da qualidade de vida, portanto,
revestidas de finalidade social?"
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Lei n° 5.172/66 (CTN), art. 111,
II;
RICMS-SC/89,
Anexo IV, art. 1°, LXIV.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
A legislação tributária que
dispõe sobre isenção, a teor do disposto no art. 111 do CTN, deve ser
interpretada literalmente, ou seja, não se admite, no caso, interpretação
extensiva ou restritiva.
A presente consulta reporta-se
precisamente ao problema da interpretação da norma isencional, em um caso
particular em que a própria norma obriga à interpretação teleológica.
Cuida-se, no caso em tela, de
isenção dada a determinado produto (peças de argamassa armada), sendo o
benefício vinculado ao destino do produto. O fornecimento das peças deve ser
objeto de convênio ou contrato firmado com o Governo Federal, Estadual ou
Municipal e estar destinado a obras com "finalidades sociais".
Somente quando atendidas as condições relativas à destinação da mercadoria (ou
à finalidade da obra), terá, o contribuinte, direito ao benefício.
A dificuldade encontrada na
interpretação da norma isencional está na determinação do conteúdo semântico da
expressão "finalidade social" que pode ser entendida de forma mais
abrangente ou mais restrita, dependendo de um julgamento subjetivo do
intérprete. Tais expressões são classificadas por Warat como "variáveis
axiológicas."
A presença das variáveis
axiológicas no texto legal permite a sua flexibilização adaptando-o a uma
realidade social em contínua transformação. Tercio Sampaio Ferraz Jr. (Teoria
da Norma Jurídica) faz referência a uma relação dialógica entre o discurso
fundamentante e o receptor do discurso. A moderna teoria da interpretação
implica em flexibilidade interpretativa pelo uso da tópica. Esclarece o citado
autor:
Tanto a noção de "fins sociais" quanto a de
"bem comum" são, do ponto de vista da pragmática, noções tópicas que,
no caso, devem orientar o discurso aplicativo da lei. A presença de
"topoi", no discurso, dão à estrutura uma flexibilidade e abertura
característica, pois sua função é antes a de ajudar a construir um quadro
problemático, mais do que resolver problemas.
Feitas essas considerações,
resta-nos o problema de delimitar a esfera de significação da expressão
"finalidade social", já não do ponto de vista puramente semântico,
mas pragmático. Numa primeira abordagem, podemos entender que tem finalidade social
toda obra encomendada pelo poder público, já que o fim precípuo do Estado é a
realização do bem comum. Esse posicionamento está implícito na própria
consulta. Nesse caso, a expressão "finalidade social" seria
redundante, pois toda obra contratada por qualquer das esferas de governo teria
finalidade social (essa finalidade seria inerente a qualquer atividade
estatal). Bastaria, portanto, a lei dizer apenas que a obra seria contratada
pelo poder público. Entretanto, constitui regra de hermenêutica a presunção de
que a lei não contém palavras supérfluas. Daí decorre que a expressão
"finalidades sociais" deve ser entendida como uma restrição ao campo
de aplicação da norma isencional. A norma admite que nem toda obra contratada
pelo poder público tem "finalidade social."
Por outro lado, a pesquisa do
alcance da norma isencional envolve a sua confrontação com os princípios que
informam o direito tributário, particularmente os da isonomia e da capacidade
contributiva. Pelo princípio da isonomia, é vedado dar tratamento tributário
desigual a contribuintes que se encontrem em situação equivalente (C.F. art.
150, II). A norma isencional, ao gravar diferenciadamente os contribuintes,
constitui exceção a esse princípio, justificável apenas na medida em que os
contribuintes não estão, por si, em situação de igualdade. O critério de
discrimem, no caso, é a capacidade contributiva do sujeito passivo. Leciona
Souto Maior Borges (Isenções Tributárias):
Como a tributação deve, em qualquer hipótese, obedecer
aos princípios da generalidade e da igualdade, a isenção, como regra de direito
excepcional, deve ser justificada por motivos de interesse público,
razoavelmente apreciados pelo legislador e pelo intérprete ou aplicador de lei.
O critério da capacidade
contributiva, a comandar a norma de isenção, como exceção ao princípio da
igualdade entre os contribuintes, implica na conclusão de que a isenção somente
é justificável quando vocacionada à realização da justiça fiscal.
No caso em tela, temos uma
isenção que, se por um lado, é objetiva (saída de peças de argamassa),
vincula-se a uma destinação (obras com finalidade social). É precisamente esta
destinação que deve ser examinada para determinar o alcance da norma, pois, o
simples critério da capacidade contributiva, aplicado ao sujeito passivo, não é
suficiente, já que se trata de tributo indireto, cujo ônus tributário repercute
sobre o adquirente da mercadoria. Estaria sendo dado um tratamento tributário
diferenciado a contribuintes (situados no pólo passivo da relação jurídica
tributária) não justificado pelo critério da capacidade contributiva, uma vez
que o tributo não é por eles suportado.
A isenção somente se justifica
levando em conta a incidência econômica do tributo, ou seja, a destinação da
mercadoria. Cogita-se, então, de uso extrafiscal da tributação, associado à
finalidade social da obra. Esta deve atender à redistribuição do produto social
e à promoção do ser humano. A erradicação da pobreza e redução das
desigualdades sociais são tidas como objetivos fundamentais da república (C.F.
art. 3°, III) e princípios norteadores da ordem econômica (art. 170, VII).
O sentido da expressão
questionada torna-se um pouco mais clara: a obra contratada pelo poder público
atenderá a "finalidade social" na medida que contribua para a
redistribuição da renda e redução das desigualdades sociais.
Há obras que, mesmo promovidas
pelo poder público, beneficiam diretamente um número pequeno de pessoas. É o
caso de certas pontes, estradas e outras obras que vem a valorizar a
propriedade imobiliária de alguns poucos cujos patrimônios são incrementados em
razão do investimento público. A situação descrita constitui hipótese de
incidência de outro tributo: a contribuição de melhoria que visa o
ressarcimento à coletividade do enriquecimento pessoal. Para Souto Maior Borges
(op. cit.):
... a isenção extrafiscal, deixando de exercer a
função de instrumento de uma política social e econômica a qual, em última
análise, será juridicamente inobjetável se exercida não em favor das classes
sociais dirigentes, mas a serviço do bem comum. Constata-se, então, a
concordância da isenção extrafiscal com outro critério de justiça.
Concluindo, a obra pública terá
finalidade social se visar diretamente a realização da justiça social, pela via
da redistribuição de renda (sob a ótica da despesa pública), da assistência às
populações carentes ou outros critérios relativos ao bem comum.
Isto posto, responda-se à
consulente:
a) nem toda obra contratada pelo
poder público se enquadra nos pressupostos legais exigidos para a fruição do aludido
benefício fiscal;
b) a obra deve estar claramente
vocacionada à realização do bem comum, particularmente das populações de baixa
renda;
c) o direito à isenção deve ser
previamente reconhecido pelo fisco, em relação a cada obra, tendo em vista o
elemento subjetivo presente nas condições exigidas para a fruição do benefício.
A superior consideração da
Comissão.
Getri, em Florianópolis, 17 de
abril de 1997.
Velocino Pacheco Filho
FTE matr. 184.244-7
De acordo. Responda-se a consulta
nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 13/05/97,
mediante comprovação do recolhimento da taxa correspondente.
Pedro Mendes Isaura Maria Seibel
Presidente Secretária Executiva