CONSULTA 50/2014
EMENTA:
ICMS. AS SAÍDAS DE MERCADORIAS AMPARADAS PELO DIFERIMENTO PREVISTO
NO INCISO III, DO ARTIGO 8º, DO ANEXO 3, DO RICMS/SC, EQUIPARAM-SE A OPERAÇÕES
TRIBUTADAS, PARA EFEITOS DE CÁLCULO DA PROPORÇÃO DE CRÉDITO DE ICMS
DECORRENTE DA ENTRADA NO ESTABELECIMENTO DE BENS DESTINADOS AO ATIVO
IMOBILIZADO, O QUAL DEVE SER APROPRIADO SEGUNDO AS REGRAS DEFINIDAS NO ARTIGO
39, DO RICMS/SC. ADEMAIS, AS SAÍDAS DESVINCULADAS DO PROCESSO PRODUTIVO, A
EXEMPLO DE DEVOLUÇÕES DE COMPRAS E VENDAS DE EQUIPAMENTOS DO ATIVO IMOBILIZADO,
NÃO SE INCLUEM NO TOTAL DAS SAÍDAS E PRESTAÇÕES DO PERÍODO, PARA FINS DE
CÁLCULO DA REFERIDA PROPORÇÃO.
Disponibilizado na página da PSEF em 22.04.14
Da Consulta
A Consulente exerce a atividade de produção
de artefatos estampados de metal. Para a execução desta atividade promove a
transferência de mercadorias entre a matriz e a filial, submetendo as operações
ao diferimento do imposto.
Considerando que na produção são utilizadas
máquinas e equipamentos imobilizados, hipótese em que o crédito relativo aos
mesmos é aproveitado em 48 parcelas mensais, na proporção das saídas sujeitas
ao imposto, as dúvidas apresentadas na consulta versam sobre dois
aspectos, assim especificados:
a) É permitida a utilização do valor
relativo às saídas realizadas sob o abrigo do diferimento, para fins de cálculo
do percentual do imposto apropriável mensalmente sobre bens imobilizados pela
Consulente, utilizados no processo produtivo?
b) É correto concluir que somente os valores
das saídas relativas aos produtos produzidos pelo estabelecimento,
em caráter definitivo, deverão compor o fator do crédito do ativo
imobilizado, devendo ser excluídas, por exemplo, saídas a título de devolução,
retorno, armazenagem, depósito e venda de imobilizado?
Informa ainda que a matéria objeto do pedido
não está sujeita aos impedimentos do artigo 152-C do Regulamento das Normas
Gerais de Direito Tributário RNGDT/SC.
A consulta foi informada na GERFE de origem,
conforme determina o artigo 152-B, § 2°, II, do RNGDT/SC, aprovado pelo Decreto
nº 22.586, de 27 de junho de 1984, manifestando-se favoravelmente ao
recebimento e análise do pedido em face do atendimento dos critérios de
admissibilidade.
Legislação
Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 155, inciso II.
Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, artigos
2º, 19 e 20.
RICMS/SC, aprovado pelo Decreto 2.870, de 28 de agosto de 2001, Anexo 3,
artigo 8º, inciso III.
Fundamentação
O ICMS é, por
expressa determinação constitucional, um imposto não-cumulativo, permitida a
compensação do valor devido na operação com o cobrado nas operações
anteriores. Neste sentido dispõe a Lei Complementar nº 87/96, em seu
artigo 19:
"Art. 19. O
imposto é não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação
relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas
anteriores pelo mesmo ou por outro Estado."
O mesmo diploma legal assegurou o crédito decorrente das aquisições de
bens imobilizados, segundo um critério de proporcionalidade:
"Art. 20.
Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito
passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações
de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no
estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo
permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal ou de comunicação."
Ainda, o artigo 39 do Regulamento do ICMS/SC - RICMS determina os
critérios de proporcionalidade a serem observados para fins de creditamento do
imposto relativo a aquisições de bens do ativo imobilizado:
"Art.
39. Na hipótese do art. 37, §§ 2º e 3º, a apropriação dos
créditos relativos a bens do ativo permanente (Lei Complementar nº
102/00):
I - será feita à
razão de 1/48 (um quarenta e oito avos) por mês, devendo a primeira fração ser
apropriada no mês em que ocorrer a entrada no estabelecimento;
II - em cada
período de apuração do imposto, não será admitido o creditamento de que trata o
inciso I, em relação à proporção das saídas ou prestações isentas ou não
tributadas sobre o total das saídas e prestações efetuadas no mesmo período.
§ 1º Para
aplicação do disposto nos incisos I e II do caput, o montante do crédito a ser
apropriado será o obtido multiplicando-se o valor total do respectivo crédito
pelo fator igual a 1/48 (um quarenta e oito avos) da relação entre o valor das
saídas e prestações tributadas e o total das saídas e prestações do período,
observado o seguinte:
I - as saídas e
prestações com destino ao exterior ou com fim específico de exportação, de que
tratam o art. 6º, II e seus §§ 1º e 2º, equiparam-se às tributadas;
II - na hipótese
de apuração decendial, o fator será de 1/144 (um cento e quarenta e quatro
avos)."
Sintetizando as disposições legais indicadas,
aduz-se que para a apropriação da parcela mensal do imposto que incidiu sobre a
aquisição de bem que integra o ativo imobilizado do estabelecimento
faz-se necessário, concomitantemente: a) que a entrada do bem tenha sido
onerada pelo imposto; b) que referido bem seja utilizado no processo
produtivo ou na comercialização das mercadorias, e; c) que hajam mercadorias
comercializadas com incidência do ICMS (ressalvadas as hipóteses legais de
manutenção do crédito), hipótese em que a parcela do crédito mensal será
proporcional às saídas tributadas.
Estabelecidas estas observações iniciais,
cabe então avaliar a primeira dúvida suscitada pela Consulente. Isso exige que
se proceda a uma delimitação do conteúdo da categoria "diferimento",
e dos termos "isenção" e "não tributadas" indicadas no
inciso II, do do artigo 39, do RICMS/SC.
A isenção, na forma como está inserida no
Código Tributário Nacional, permite tanto afirmar que se trata de uma dispensa
do pagamento do tributo, que já se formou pela ocorrência do fato gerador, como
entender que o crédito sequer chega a se constituir, porque a norma impositiva
estava suspensa. (TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e
Tributário. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 263). A despeito dessa
controvérsia, para os fins desta análise é suficiente compreendê-la como um
favor legal consubstanciado na dispensa de pagamento do tributo devido, como há
muito já se posicionou o Supremo Tribunal Federal (RE 113.711/SP, 1ª turma,
relator Min. Moreira Alves, D.J. 26.06.1987).
A expressão "não tributadas"
refere-se às operações que não caracterizadas como isentas, não se submetem à
incidência do tributo, a exemplo daquelas que se encontram fora do seu campo de
incidência ou contempladas com imunidade.
Por fim, o termo "diferimento"
deriva do verbo diferir, que segundo o vernáculo, significa adiar, retardar. É
nesta acepção que a palavra é utilizada na linguagem técnico-tributária para
designar a postergação do pagamento do tributo para etapa futura.
Nessa linha, para Celso Ribeiro Bastos
"o diferimento é o não recolhimento do ICMS em determinada operação
ficando adiado para etapa posterior. Por esta técnica, o pagamento do imposto
incidente sobre a saída de determinada mercadoria (no caso do ICMS) é transferido
para as etapas posteriores de sua circulação." (Lei Complementar -
Teoria e Comentários. 2. ed. São Paulo: Celso Bastos Editor,
1999.) Consoante o entendimento de Sacha Calmon Navarro Coelho é
"técnica de tributação estribada no feitio polifásico do ICMS. Não se
confunde com nenhum tipo de Benefício fiscal." (Curso de Direito
Tributário Brasileiro. 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 598.)
O diferimento
envolvendo a temática em discussão está disposto no inciso III, do artigo 8º,
do Anexo III, do RICMS/SC, nos seguintes termos:
"Art. 8º Nas seguintes operações, o imposto fica diferido para a etapa
seguinte de circulação:
III -
saída de mercadorias de estabelecimento de contribuinte para outro
estabelecimento da mesma empresa".
Apesar de, por vezes, ser utilizado o diferimento
com características diversas, neste caso, configura-se como uma
transferência da responsabilidade tributária para um contribuinte que participa
de uma das subsequentes etapas de circulação da mercadoria. Deste modo, não é
um benefício fiscal, pois não afasta propriamente a incidência do imposto,
apenas transfere para etapa futura da operação de circulação, o momento da sua
exigência, se houver.
Do exposto, é possível concluir que o
diferimento não se confunde com a isenção ou com operações não tributadas. Isto
porque o diferimento não retira a operação do campo da incidência do ICMS,
apenas transfere o momento da sua exigência para uma etapa posterior.
Como base nessas observações, a resposta à
primeira pergunta é de que as saídas de mercadorias amparadas pelo
diferimento previsto no inciso III, do artigo 8º, do Anexo III, do RICMS/SC,
equiparam-se a operações tributadas, para efeitos de cálculo da proporção de
crédito de ICMS decorrente da entrada no estabelecimento de bens destinados ao
ativo imobilizado, o qual deve ser apropriado segundo as regras definidas
no artigo 39, do RICMS/SC.
Para o deslinde da segunda questão,
envolvendo a dúvida acerca das saídas que devem ser consideradas para o cálculo
do crédito relativo a bens do ativo imobilizado, necessita-se examinar a
abrangência do campo de incidência do ICMS, segundo a delimitação definida naConstituição Federal e cujas suas hipóteses de incidência
foram detalhadas na Lei Complementar nº 87/96.
Do
texto constitucional extrai-se do seu artigo 155, inciso II, que compete aos
Estados e Distrito Federal instituir imposto sobre "operações relativas à
circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as
prestações se iniciem no exterior".
A Lei
Complementar nº 87/96 elenca em seu artigo 2º as hipóteses suscetíveis de
incidência pelo ICMS, dentre as quais se destaca apenas a prevista no seu
inciso I, em razão da pertinência com a matéria:
"Art. 2° O imposto incide sobre:
I - operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o
fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos
similares;
II - prestações de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou
valores".
Evidencia-se que o ICMS incide sobre operações de
circulação de mercadorias, prestações de serviço de transporte e prestações de
serviço de comunicação.
Interpretando o conteúdo da expressão
"circulação de mercadorias" Roque Antonio Carrazza assevera que
"a circulação só pode ser jurídica (e, não, meramente física). A
circulação jurídica pressupõe a transferência (de uma pessoa para outra) da
posse ou da propriedade da mercadoria. Sem mudança de titularidade da
mercadoria, não há falar em tributação por meio de ICMS." Nessa linha, a mercadoria somente se caracteriza como tal
pela sua destinação ao comércio, o que exige intermediação, habitualidade e
intuito de lucro. Do mesmo modo, ao comentar sobre as prestações de
serviços no âmbito do ICMS destaca o mesmo autor que "o serviço sobre o
qual pode vir a incidir o imposto em exame é o colocado 'in commercium' (vale
dizer, no mundo dos negócios)". (ICMS, 4. ed. rev. e ampl. São
Paulo: Malheiros, 1997, p. 32, 108).
Disto se depreende que as saídas
do estabelecimento que podem compor os valores para fins de obtenção da
proporção do crédito do ativo imobilizado são aquelas compreendidas no campo de
incidência do ICMS. Neste sentido, devem ser excluídas para fins de aplicação
da legislação tributária, por exemplo, as saídas de bens do ativo imobilizado a
título de aluguel ou comodato, por não se configurarem como operações de
circulação de mercadorias.
Ademais, atendida essa premissa,
não são todas as saídas que devem ser computadas no cálculo da referida
proporção, a exemplo das saídas a título de devolução de compras e vendas de
imobilizado, porque são situações desvinculadas do processo produtivo do
contribuinte.
Explicando
melhor, e tomando por base o presente caso, o direito ao crédito é reflexo do
imposto que incidiu anteriormente sobre os insumos, máquinas, equipamentos,
etc., utilizados no processo produtivo realizado pelo estabelecimento da
Consulente, visando a produção de produtos a serem comercializados. Nessa
senda, é oportuno resgatar excerto que integra decisão desta Comissão na
Consulta COPAT nº 160/2011:
"Nas
situações aventadas pela consulente - remessas para conserto e remessas para
industrialização -, não há deslocamento de bens em direção ao consumo (uma
movimentação econômica, quero dizer), que justifique sua inserção no total das
saídas do período, porque não temos operações de circulação de mercadorias.
[...] O caminho que se impõe à mercadoria, numa seqüência de transmissões
sucessivas entre uma pessoa e outra, impulsionando-a em direção ao seu consumo,
é que chamamos de circulação. Isso equivale afirmar que qualquer negócio
correspondente a uma etapa do circuito que ela percorre da produção até o
consumo constituirá situação potencial de incidência do imposto (não é o caso
das remessas para conserto ou industrialização, por exemplo)."
Assim, em relação à segunda pergunta,
conclui-se que a lógica-jurídica conduz à resposta de que as saídas
desvinculadas do processo produtivo, não se incluem no total das saídas e
prestações do período, para fins de cálculo da proporção estabelecida
no §1º, do artigo 39, do RICMS/SC.
Resposta
Isto posto, responda-se à Consulente que as
saídas de mercadorias amparadas pelo diferimento previsto no inciso
III, do artigo 8º, do Anexo III, do RICMS/SC, equiparam-se a operações
tributadas, para efeitos de cálculo da proporção de crédito de ICMS
decorrente da entrada no estabelecimento de bens destinados ao ativo
imobilizado, a ser apropriado em cada mês, observadas as regras definidas
no artigo 39 do RICMS/SC. Ademais, as
saídas desvinculadas do processo produtivo, a exemplo das devoluções de compras
e vendas de imobilizado, não se incluem no total das saídas e prestações do
período, para fins de cálculo da referida proporção.
JOACIR SEVEGNANI
AFRE IV - Matrícula: 1849336
De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela
COPAT na Sessão do dia 27/03/2014.
A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do
Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo
Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por
deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em
decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução
Normativa que adote diverso entendimento.
Nome |
Cargo |
CARLOS ROBERTO MOLIM |
Presidente COPAT |
MARISE BEATRIZ KEMPA |
Secretário(a) Executivo(a) |