EMENTA: ICMS. CRÉDITO DO
IMPOSTO. INADMISSÍVEL A APLICAÇÃO RETROATIVA DA PERMISSÃO DO CRÉDITO NAS
ENTRADAS DE MERCADORIAS PARA USO OU CONSUMO E DE BENS PARA INCORPORAÇÃO AO
ATIVO PERMANENTE NO ESTABELECIMENTO PREVISTA PELA LEI COMPLEMENTAR Nº 87/96.
CONSULTA Nº: 44/97
PROCESSO Nº: GR01
2726/971
01 - DA CONSULTA
A consulente é empresa
estabelecida neste Estado, operando no ramo de supermercado.
O contribuinte questiona se é
correto seu entendimento de que as disposições da Lei Complementar nº 87/96,
permitindo o crédito do imposto nas aquisições de bens para o ativo permanente,
de energia elétrica e de mercadorias para uso e consumo no estabelecimento,
teriam aplicação retroativa à data da entrada em vigor da Constituição
Federal de 1988, tendo em vista ser a Lei Complementar norma meramente
interpretativa da Constituição Federal.
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
- Constituição Federal, art. 155, § 2º incisos I e
XII, “c”;
- Lei Complementar nº 87/96, arts. 19, 20 e 33.
- Lei nº 10.297/96, arts. 21, 22 e 103, inc. II e IV.
- RICMS-SC/97, arts. 28, 29 e 84.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
De início é necessário observar
que a consulta apresentada está em desacordo com a Portaria SEF nº 213/95, que
regulamenta o instituto: a consulente não especifica qualquer dispositivo da
legislação tributária estadual sobre o qual tenha dúvida quanto à interpretação
ou aplicação, um dos requisitos básicos para a caracterização da consulta (art.
4º, II).
Mais ainda, a questão proposta
relaciona-se não com a interpretação ou aplicação de dispositivos da legislação
tributária estadual, mas com a vigência no tempo de lei complementar federal,
especificamente da Lei Complementar nº 87/96.
A respeito, a própria Lei
Complementar é suficientemente clara ao prever o momento de sua entrada em vigor
e do início da produção de seus efeitos.
O que questiona o contribuinte é
a própria legalidade da Lei Complementar nº 87/96. Não se trata, portanto, de
matéria a ser discutida na esfera administrativa, não podendo a dúvida ser
dirimida pela COPAT. Assim, não se caracteriza a presente como consulta.
Se o que se pretende é ver
declarada a inconstitucionalidade de disposições expressas da Lei Complementar
nº 87/96, não é este o foro legítimo para a discussão.
Dessa forma, dada a não
caracterização da consulta, não se terão produzidos os efeitos próprios ao
instituto, previstos no art. 7º da Portaria SEF nº 213/95.
Não obstante, fazemos a seguir
algumas considerações acerca do posicionamento do contribuinte.
A Lei Complementar como Norma
Interpretativa da Constituição Federal
O entendimento do contribuinte,
em relação ao qual solicita a manifestação desta Comissão Permanente de
Assuntos Tributários, de que as disposições da Lei Complementar nº 87/96 teriam
aplicação retroativa, produzindo efeitos a partir da entrada em vigor da
Constituição Federal de 1988, baseia-se no argumento de que referida Lei
Complementar teria o caráter de norma meramente interpretativa dos desígnios
constitucionais.
Nesse sentido entende deva ser
aplicado ao caso a regra insculpida pelo art. 106 do Código Tributário
Nacional, que prevê:
Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a
aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;
II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:
a) quando deixe de defini-lo como infração;
Totalmente descabido é esse
entendimento.
A interpretação das disposições
de uma norma legal por outra, dita por isso interpretativa, é o que a doutrina
chama de interpretação autêntica.
Porém, não há falar-se em norma
interpretativa quando esta não parte do mesmo ente político do qual se origina
o ato interpretado. Tampouco será interpretativa a norma se hierarquicamente
inferior àquela que se diz interpretada.
A vingar essa tese, ter-se-ia
ferido o princípio da hierarquia das normas, consagrado constitucionalmente.
Demonstrando o descabimento do
argumento da consulente, lembramos o que ensina Bernardo Ribeiro de Morais (in
Compêndio de Direito Tributário, Forense, 1984, pp. 455 e 456):
A interpretação autêntica, também denominada
legislativa ou legal, é a emanada do próprio órgão (Poder Legislativo) que
estabeleceu a norma interpretada, declarando-lhe o sentido e alcance, por meio
de outra norma jurídica. O “intérprete”, no caso, é o mesmo legislador da lei
interpretada.
...
Para que uma lei seja considerada do tipo de lei interpretativa alguns
elementos devem estar presentes. De fato, a lei interpretativa deve atender as
seguintes características:
a) é necessário que a nova norma seja emanada do mesmo poder político. Assim,
uma lei ordinária somente pode ser esclarecida por outra lei, também ordinária;
uma lei federal, por outra lei, também federal. Não se concebe que uma lei
estadual venha esclarecer o alcance de uma lei federal e vice-versa. A lei
interpretativa deve ser da mesma natureza da norma interpretada, no mesmo plano
de hierarquia das leis.
Também oportuna é a lição de
Ricardo Lobo Torres a respeito da possibilidade da existência de normas
infraconstitucionais interpretativas da Constituição Federal (in Normas
de Interpretação e Integração do Direito Tributário, Forense, 1991, pp. 92 e
93):
2. Normas Infraconstitucionais para a Interpretação da
Constituição
Pode a Constituição sofrer limitações por parte das leis de grau inferior?
Estaria respeitado o princípio da supremacia da Constituição se normas da lei
complementar pudessem dispor sobre a sua interpretação?
Parece-nos que não. Se fossem válidas as normas sobre interpretação, as que
tivessem por objeto a Constituição teriam que se incluir no próprio texto
maior.
Sobre a relação entre a
Constituição e a lei complementar escreve Hugo de Brito Machado, em artigo
publicado na Revista Dialética de Direito Tributário, nº 16, pag. 16:
Como ensina Kelsen, a relação entre Constituição e
lei, ou lei e sentença judicial, é uma relação de determinação ou vinculação: a
norma do escalão superior regula o ato através do qual é produzida a norma de
escalão inferior. Não só o processo de produção da norma inferior, mas também,
eventualmente, o seu conteúdo. “Essa vinculação nunca é, porém, completa. A
norma do escalão superior não pode vincular em todas as direcções (sob todos os
aspectos) o acto através do qual é aplicada. Tem sempre de ficar uma margem,
ora maior ora menor, de livre apreciação, de tal forma que a norma do escalão
superior tem sempre em relação ao acto de produção normativa ou de execução que
a aplica o caráter de quadro ou moldura a preencher por este acto.”
O legislador complementar, no caso, opera dentro do quadro
ou moldura de possibilidades deixadas pelas normas da Constituição. E estando,
como está, expressamente autorizado pela norma constitucional a dispor sobre
regime de compensação do imposto, pode validamente optar entre o regime do
crédito físico, ou o do crédito financeiro, assim como pode adotar um regime
misto, com características de um e do outro.
Destarte, não é a lei
complementar norma interpretativa da Constituição Federal. Ao contrário, o
legislador complementar age fazendo uso de competência própria delegada pela
Lei Maior. Tem, portanto, legitimidade para, inclusive, “legislar
substantivamente” sobre a não-cumulatividade do imposto, desde que dela não se
afaste.
Conseqüentemente, não são
aplicáveis ao caso as disposições do art. 106 do Código Tributário Nacional.
Com efeito, a própria lei
complementar encarrega-se de estabelecer o momento de sua entrada em vigor,
fixando, ainda, no que respeita às disposições relativas ao crédito do imposto
contidas em seu art. 20, o momento a partir do qual irão produzir efeitos,
conforme dispõe seu art. 33:
Art. 33. Na aplicação do art. 20 observar-se-á o
seguinte:
I - somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso e consumo
do estabelecimento, nele entradas a partir de 1º de janeiro de 1998;
II - a energia elétrica usada ou consumida no estabelecimento dará direito de
crédito a partir da data da entrada desta Lei Complementar em vigor;
III - somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao ativo
permanente, nele entradas a partir da data da entrada desta Lei Complementar em
vigor.
Da Não-Cumulatividade do ICMS
A Constituição Federal, conquanto
estabeleça que o ICMS é um imposto não cumulativo, compensando-se o que for
devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de
serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou
pelo Distrito Federal, não determina a forma como deve ser alcançada essa
não-cumulatividade.
Embora pudesse o legislador
constituinte ter esgotado a disciplina do princípio da não-cumulatividade do
ICMS, absteve-se de fazê-lo, deixando essa tarefa a cargo da lei complementar
(art. 155, § 2º, XII, “c”).
Nesse sentido, em nenhum momento
a Constituição Federal de 1988 inova em relação à anterior, onde já encontramos
o antigo ICM caracterizado pela não-cumulatividade, cuja disciplina era
igualmente remetida à lei complementar. Assim era o que dispunha o art. 23 da
Constituição Federal de 1967, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº
01/69:
Art. 23. Compete aos Estados e ao Distrito Federal
instituir impostos sobre:
...
II - operações relativas à circulação de mercadorias, realizadas por
produtores, industriais e comerciantes, impostos que não serão cumulativos e
dos quais se abaterá, nos termos do disposto em lei complementar, o montante
cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado.
Sobre a matéria dispõe o art. 155
da Constituição Federal de 1988:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal
instituir impostos sobre:
...
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de
serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda
que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
...
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação
relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante
cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;
...
XII - cabe à lei complementar:
...
c) disciplinar o regime de compensação do imposto;
Como se vê, o texto
constitucional limita-se a dizer que o imposto, embora plurifásico, não deve
incidir em cascata, vale dizer, não deve haver superposição de incidências do
ICMS sobre uma mesma mercadoria.
Contudo, tanto a Constituição
Federal de 1967 quanto a de 1988 não deixam claro qual deve ser a natureza do
crédito compensável, remetendo essa tarefa à lei complementar.
Como é cediço, o princípio da
não-cumulatividade pode ser efetivado pela adoção de dois sistemas de crédito:
os denominados crédito físico e crédito financeiro.
A sistemática de crédito físico
consiste em que somente é permitido o crédito relativo a mercadorias que,
entradas no estabelecimento, serão objeto de novas saídas tributadas, vale
dizer, seguirão fisicamente circulando, seja na mesma condição em que entraram,
sem sofrer qualquer modificação (comércio), seja incorporadas em outras
mercadorias produzidas pelo contribuinte (indústria). Assim, não são permitidos
nesse sistema os créditos relativos a mercadorias entradas no estabelecimento
para incorporação ao ativo permanente ou para seu uso ou consumo.
Já na sistemática de crédito
financeiro é permitido também o crédito relativo às demais mercadorias entradas
no estabelecimento, que mesmo não sendo fisicamente incorporadas às mercadorias
produzidas, constituam custo financeiro do estabelecimento, considerando-se,
assim, financeiramente incorporadas.
Repita-se que o constituinte,
soberano que é, poderia, já no texto constitucional, ter disposto acerca de
qual dos dois sistemas deveria ser o adotado pelo legislador complementar na
disciplina da não-cumulatividade do imposto. Contudo, não o fez, tanto em
relação ao ICMS quanto ao IPI, ambos impostos plurifásicos e não cumulativos,
delegando essa tarefa ao legislador complementar, que goza, portanto, de ampla
liberdade para a adoção do crédito físico ou do crédito financeiro, ou mesmo de
um sistema misto, que tenha características de ambos.
Essa delegação de competência ao
legislador complementar para regular a forma como se dará a não-cumulatividade
do imposto, já existente na Carta de 1967, permanece na Constituição de 1988
(art. 155, § 2º, XII, “c”).
A respeito, Alcides Jorge Costa,
comentando as alterações sofridas pelo ICMS na Constituição de 1988 em artigo
publicado na Revista de Direito Tributário (nº 46 - out. a dez./88, pp.164 e
165), assevera:
Mas não paramos aí. O imposto continua dominado pelo
princípio da não-cumulatividade que está expresso no § 2º , inc. I , que diz :
O imposto ‘será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada
operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o
montante cobrado nas anteriores tendo o mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito
Federal’.
...
Mas o problema da compensação nos leva ao tipo de imposto que vamos ter: se
vamos ter um ICM do tipo bruto; um ICM do tipo renda ou um ICM do tipo consumo.
A Constituição deixa ampla margem ao legislador para escolher que tipo prefere;
caberá à lei complementar dispor sobre essa matéria, porque lhe cabe
disciplinar o regime de compensação do imposto. É claro que a lei complementar
poderá ser estruturada de tal forma que os Estados tenham liberdade de escolha
do tipo. Poderá ser estruturada de tal forma que essa escolha esteja predeterminada
e que os Estados não tenham outra saída senão
adotar o tipo de imposto prescrito na lei complementar. Isso vai
realmente depender do legislador complementar.
Usando dessa competência, o
legislador complementar adotou no sistema tributário pátrio a sistemática do
crédito físico, como a encontramos, ainda na vigência da Constituição de 1967,
no Decreto-Lei nº 406/68 (art. 3º, § 1º) e, após a Constituição de 1988, no
Convênio ICM nº 66/88 (art. 31), com força de lei complementar de acordo com o
art. 34 do ADCT.
Assim dispõe o art. 3º, § 1º do
Decreto-Lei nº 406/68:
Art. 3º O imposto sobre Circulação de Mercadorias é
não-cumulativo, abatendo-se, em cada operação, o montante cobrado nas
anteriores, pelo mesmo ou por outro Estado.
§ 1º A lei estadual disporá de forma que o montante devido resulte da diferença
a maior, em determinado período, entre o imposto referente às mercadorias
saídas do estabelecimento e o pago relativamente às mercadorias nele
entradas. O saldo verificado em determinado período a favor do contribuinte
transfere-se para o período ou períodos seguintes. (grifamos)
Também o art. 31 do Convênio ICM
nº 66/88 deixa clara a natureza do crédito do ICMS:
Art. 31. Não implicará crédito para compensação com o
montante do imposto devido nas operações ou prestações seguintes:
...
II - a entrada de bens destinados a consumo ou à integração no ativo fixo do
estabelecimento;
III - a entrada de mercadorias ou produtos que, utilizados no processo
industrial, não sejam nele consumidos ou não integrem o produto final na
condição de elemento indispensável a sua composição;
Dispondo dessa forma, não estão
tais dispositivos estabelecendo exceções ao princípio da não-cumulatividade,
mas consagrando a adoção, relativamente ao regime de compensação do ICMS, da
sistemática do crédito físico.
Contudo, a adoção do crédito
físico não implica tornar o imposto cumulativo.
Como dito, a não-cumulatividade
visa evitar que a mercadoria, durante seu ciclo de circulação, sofra múltiplas
incidências do imposto.
Esse objetivo é plenamente
atendido pelo critério do crédito físico, uma vez que é assegurado o crédito do
imposto pago nas etapas anteriores da circulação da mercadoria. Quanto aos bens
incorporados ao ativo permanente e aos usados ou consumidos no estabelecimento,
uma vez entrados no estabelecimento não serão mais objeto de operação tributada
pelo ICMS. Daí não ser permitido o crédito em relação a estes.
Não há falar-se, portanto, em
inconstitucionalidade na adoção do crédito físico pela lei complementar ao
disciplinar o regime de compensação do imposto.
Bastante esclarecedora é a lição
de Ruy Barbosa Nogueira, estabelecendo a distinção entre crédito físico e
crédito financeiro e dizendo da compatibilidade de ambos com o princípio da
não-cumulatividade (in Direito Tributário, 1ª ed., SP, 1969, Ed. José
Bushatsky, pp. 32 e 33):
O princípio geral da não cumulatividade expresso na
Constituição e complementado pelo art. 49 do C.T.N. que remete à lei ordinária a faculdade de estabelecer a
forma de diferença a maior através do sistema de créditos e débitos
comporta dois critérios distintos, que se podem resumir como sendo os do
crédito físico e do crédito financeiro.
Como o preceito constitucional não fez aí qualquer opção, exigindo apenas
genericamente o princípio da não-cumulatividade, tendo por sua vez a lei
complementar cometido à lei ordinária a faculdade de estabelecer a forma, a
legislação ordinária instituiu a forma ou sistema do crédito físico.
Porisso que ao iniciarmos esta exposição, nos referimos exclusivamente ao
problema do direito de crédito do imposto pago nas matérias primas, produtos
intermediários e embalagens, que integram o produto ou são consumidos no
processo industrial. Este é o sistema de crédito físico que admite apenas o
crédito dos produtos que fisicamente se incorporam ao produto ou se consomem no
curso do processo de industrialização.
Já o crédito financeiro admite também o aproveitamento do imposto pago na
aquisição de bens necessários ao processo produtivo como máquinas e
equipamentos. Por esse segundo critério, todos os bens de exploração adquiridos
dão direito a crédito.
Destarte, estar-se-ia violando o
princípio da não-cumulatividade somente se o Estado estivesse estabelecendo
vedação ao crédito relativamente às mercadorias que serão objeto de nova
operação tributada.
Nesse sentido é a lição de
Fernando A Brockstedt (in ICM - Comentários Interpretativos e Críticos,
Porto Alegre, 1972, Serviços Gráficos Rotermund S/A-RS, pp. 83, 245 e 246):
Parece-nos, assim, que os Estados quebrariam o princípio
da não-cumulatividade do imposto apenas se não reconhecessem o direito a
crédito fiscal relativo a entradas de mercadorias cujas saídas se derem com
sujeição do imposto, isto é, relativo a mercadorias que, na mesma espécie ou
transformadas em outras, saindo fisicamente, determinassem um débito fiscal ao
contribuinte: é o sistema do crédito físico, de imposto sobre valor acrescido
bruto, de que nos fala Ruy B. Nogueira no trabalho citado, embora o seu estudo
- referindo-se ao IPI - chegue a conclusões naturalmente mais amplas.
...
De abordar-se, ainda, neste passo, que, como afirmam Ruy Barbosa Nogueira (“Direito Tributário” cit., pp. 30 e sgts.)
e Heron Arzua (“Estudos Tributários”,
Ed. do Professor, Curitiba, 1968, p.46), a lei tributária nacional sobre o ICM
cogitou de créditos fiscais físicos, e não financeiros; de valor
acrescido (sic) bruto, e não líquido.
Com o crédito físico (ou valor acrescido bruto), a lei admite a dedução do
imposto apenas em relação às entradas físicas de mercadorias que, fisicamente,
irão sair do estabelecimento, mesmo que integradas a outras mercadorias.
Cogita, assim, apenas, dos créditos da própria mercadoria que irá sair, de suas
matérias-primas e componentes (“mercadorias entradas para utilização, como
matéria-prima ou material secundário, na fabricação ou embalagem dos produtos”,
diz o § 3º do art. 3º do D.L. nº 406).
Com o crédito financeiro (ou valor acrescido líquido), admitir-se-ia (e, como
vimos no item 7/10, supra, já se admitiu parcialmente, em relação a certos equipamentos
industriais, o que depois foi revogado) o crédito fiscal de todos os bens
entrados no estabelecimento, inclusive de ativo fixo e de consumo que, embora
não sejam fisicamente incorporados ao produto obtido, são considerados como
despesas financeiras incorporadas.
Assim, independente do sistema de
crédito que se adote, restará inviolado o princípio da não cumulatividade.
Crédito do ICMS na Lei
Complementar 87/96
Como dito, a não cumulatividade
do imposto comporta perfeitamente a adoção da sistemática do crédito físico,
como, aliás, se fez, no sistema tributário pátrio, tanto em relação ao ICMS
quanto ao IPI.
Assim, não há cumulatividade do
imposto pelo fato de que somente dará direito ao crédito do ICMS pago nas
operações anteriores a mercadoria que fisicamente irá sair do estabelecimento,
sendo essa operação onerada pelo imposto.
Essa foi a opção do legislador
complementar até a edição da Lei Complementar nº 87/96, não havendo no fato
qualquer inconstitucionalidade.
Não obstante, a competência
atribuída ao legislador complementar pela Constituição Federal lhe permite a
qualquer tempo alterar essa sistemática, abandonando o crédito físico para
adotar a não-cumulatividade financeira em relação ao ICMS, optando pela
sistemática do crédito financeiro ou mesmo implementando um sistema misto onde
se vislumbrem características tanto do sistema de créditos físicos quanto do
sistema de créditos financeiros.
Assim se fez ao permitir a Lei
Complementar nº 87/96 que os contribuintes do imposto se creditem, a partir de
01.11.96, do imposto relativo às aquisições de bens para incorporação ao ativo
permanente do estabelecimento, bem como em relação à energia elétrica nele
consumida. Indo além, permite que, a partir de 01.01.98, o contribuinte
aproveite para compensação também o imposto relativo às aquisições de
mercadorias destinadas ao uso e consumo no estabelecimento, admitindo, assim, o
chamado crédito financeiro. Assim dispõem os arts. 20 e 33 da referida Lei
Complementar, verbis:
Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo
anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto
anteriormente cobrado em operações de que tenham resultado a entrada de
mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu
uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de
transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação
Art. 33. Na aplicação do art. 20 observar-se-á o
seguinte:
I - somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo
no estabelecimento, nele entradas a partir de 1º de janeiro de 1998;
II - a energia elétrica usada ou consumida no estabelecimento, dará direito de
crédito a partir da data da entrada desta Lei Complementar em vigor;
III - somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao ativo
permanente, nele entradas a partir da data da entrada desta Lei Complementar em
vigor.
Isso, no entanto, é uma alteração
do regime de compensação do imposto que faz o legislador complementar usando da
competência que lhe é conferida pelo art. 155, § 2º XII, “c” da Constituição
Federal, admitindo o critério do crédito financeiro no regime de compensação do
ICMS.
Todavia, poderia não tê-lo feito,
mantendo a sistemática do crédito físico, e nem por isso o imposto passaria a
ser cumulativo, como de fato nunca foi.
Nesse sentido, destacamos a lição
de Hugo de Brito Machado, manifestada no já citado artigo publicado na Revista
Dialética de Direito Tributário (nº 16, p. 17):
Relevante, e por isto vale a insistência neste ponto,
é notar que a Constituição diz caber à Lei Complementar ‘disciplinar o regime de compensação do imposto’.
Em sendo assim, pode o legislador complementar adotar o regime de crédito
financeiro, ou o regime de crédito físico, bem assim adotar um regime com
características de um e de outro.
Pelo regime do crédito financeiro é assegurado o crédito do imposto pago em
todas as operações de circulação de bens, e em todas as prestações de serviços,
que constituam custo do estabelecimento. Não importa se o bem, ou o serviço,
compõem o bem a ser vendido. Importa é que o bem vendido teve como custo aquele
bem, ou aquele serviço, já tributado anteriormente.
É um regime de não cumulatividade absoluta. Não cumulatividade que leva em
conta o elemento financeiro, por isso mesmo denominado de crédito
financeiro.
Pelo regime de crédito físico, diversamente, só o imposto relativo a entrada
de bens que são vendidos pelo estabelecimento, ou que, no caso de indústria,
integram fisicamente o produto industrializado a ser vendido, enseja crédito
para compensação com o imposto devido na saída dos bens.
É um regime de não cumulatividade relativa. Não cumulatividade que desconsidera
o elemento financeiro, e toma em consideração apenas o elemento físico do bem,
por isso mesmo denominado regime de crédito físico.
E conclui dizendo:
Pelas razões expostas vê-se que a norma que assegura o direito ao crédito
relativamente às entradas de bens destinados ao consumo, ou ao ativo permanente
do estabelecimento, não tem aplicação a fatos anteriores ao início de sua
vigência. Em outras palavras, não há como se possa considerar tal norma
meramente interpretativa do Constituição, conferindo-lhe eficácia retroativa.
E, pelas mesmas razões, é válido o adiamento do início de vigência dessa norma,
como está no art. 33, da Lei Complementar nº 87/96.
Destarte, responda-se à
consulente:
a) que a presente não se
caracteriza como consulta, não produzindo os efeitos próprios ao instituto;
b) que é equivocado seu
entendimento de que a Lei Complementar nº 87/96 cumpre unicamente o papel de
norma interpretativa da Constituição Federal, tendo, dessa forma, aplicação
retroativa ao início da vigência desta.
A competência do legislador
complementar é delegada de maneira clara pelo constituinte, que se abstém da
disciplina do sistema de crédito do ICMS. Portanto, posto que a atribuição
dessa competência implica poder o legislador complementar tanto manter o
crédito físico, já consagrado pela legislação anterior, quanto, a qualquer
tempo, adotar o crédito financeiro ou mesmo um sistema misto, também lhe é
facultado fixar no tempo o instante a partir do qual características de um ou
de outro sistema iniciarão ou deixarão de existir.
Dessa forma, haja vista a
legitimidade da Lei Complementar, as disposições no sentido da admissão do
crédito financeiro no regime de compensação do ICMS somente produzem efeitos a
partir do momento por ela própria fixado em seu art. 33.
É o parecer que submeto à
Comissão.
Gerência de Tributação, em
Florianópolis, 30 de setembro de 1997.
Laudenir Fernando Petroncini
FTE - Matr. 301.275-1
De acordo. Responda-se a consulta
nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 02/10/1997.
Pedro Mendes Isaura Maria
Seibel
Presidente da COPAT Secretária Executiva