Resolução - 040 - Substituição tributária. Serviço de transporte. Impossibilidade de crédito.
EMENTA: ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. PRESTAÇÕES DE SERVIÇO DE TRANSPORTE. IMPOSTO QUE NÃO É PAGO DE FORMA AUTÔNOMA PELO SUBSTITUTO. DÉBITO QUE É APENAS ABSORVIDO PELO VALOR DEVIDO NA OPERAÇÃO POSTERIOR REALIZADA PELO RESPONSÁVEL. SUBSUNÇÃO QUE NÃO ADMITE O CRÉDITO DO VALOR PAGO, SOB PENA DE REDUÇÃO DO IMPOSTO DEVIDO.
(Publicado no D.O.E
de 18.08.03)
CONSULTA Nº: 50/03
PROCESSO Nº:GR02 10.311/02-5
01. CONSULTA
A empresa acima
identificada dirige à COPAT consulta relativamente ao aproveitamento de
créditos do ICMS em razão de prestações de serviço de transporte de que é
tomadora.
Informa que em algumas
das vendas de mercadorias que realiza incumbe-se do pagamento do frete relativo
ao transporte até o estabelecimento do adquirente, ou seja, a venda é
contratada sob a cláusula CIF – Cost Insurance and Freight.
No período de 1993 a
1998, a legislação vigente atribuía à consulente a condição de responsável, por
substituição tributária, pelo pagamento do imposto devido naquelas prestações
de serviço de transporte.
Nesses casos, lembra a
consulente, a transportadora não efetuava o recolhimento do ICMS devido pela
prestação de serviço de transporte, em razão da transferência da
responsabilidade para o remetente da mercadoria, bem como não efetuava o
destaque do valor do imposto no documento fiscal.
Sendo a consulente
tomadora desses serviços de transporte, entende ter direito ao crédito do
imposto respectivo, tal como reconhecido em manifestações anteriores da COPAT.
Contudo, afirma, “embora
tenha sido a consulente quem suportou a carga tributária, na condição de
substituta tributária, fazendo o recolhimento do ICMS relativo à operação de
transporte, englobadamente e de forma ‘absorvida’ pelos seus débitos totais,
não aproveitou ela – consulente –, os créditos correspondentes à etapa
anterior”.
Diante desse quadro,
indaga a consulente:
a) se poderá creditar-se
do imposto incidente sobre o serviço de transporte de mercadorias remetidas sob
cláusula CIF, quando a própria consulente realiza a contratação do serviço de
transporte, ficando responsável por substituição pelo pagamento do ICMS
incidente sobre o serviço, “mesmo havendo ‘absorção’ de seu valor pela etapa
subseqüente e o pagamento” do imposto devido por responsabilidade dar-se
“englobadamente” no final do período de apuração;
b) se o não
creditamento, na forma sugerida no item anterior, estaria em desconformidade
com o princípio da não cumulatividade do imposto;
c) se seria compatível
com o mesmo princípio a instituição da substituição tributária sem a
possibilidade do aproveitamento do crédito do imposto incidente sobre as
prestações de serviço de transporte;
d) se em caso de
reconhecimento de seu direito ao creditamento pretendido poderia a consulente
realizar o aproveitamento retroativo de tais créditos, e ainda se tal
aproveitamento estaria sujeito a algum prazo decadencial ou prescricional.
Pergunta ainda qual o procedimento adotar e quais os índices de correção monetária
e demais encargos deve aplicar.
02. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
RICMS/89, aprovado pelo
Decreto no 3.017, de 28 de fevereiro de 1989, Anexo VII, arts. 71, I e II, e 74, parágrafo único;
RICMS/01, aprovado pelo
Decreto no 2.870, de 27 de agosto de 2001, Anexo 3, art. 1º, §§ 1º e 2º, III.
03. FUNDAMENTAÇÃO E
RESPOSTA
O ponto fundamental da
consulta formulada, e que serve de suporte para a conclusão da consulente, de
que teria direito ainda a algum crédito relativamente às prestações de serviço
que contrata, ficando responsável pelo recolhimento do imposto correspondente
na condição de substituto tributário, consiste na suposição de que estaria
havendo, na hipótese, cumulatividade do imposto.
A consulente, conforme
se verifica em sua exposição, entende presente tal cumulação, e por isso
conclui que deveria creditar-se do imposto incidente sobre o transporte. Essa
conclusão, porém, é absolutamente equivocada, devendo-se tal equívoco ao fato
de que a análise realizada pela consulente não leva em consideração todos os
aspectos da questão.
Com efeito, a consulente
tenta interpretar a situação partindo do ponto em que realiza o pagamento do
imposto por responsabilidade, “englobadamente” com o imposto incidente na
própria operação relativa à circulação da mercadoria transportada. Como nesse
momento somente realiza um débito do imposto, pergunta-se onde estaria o
crédito que normalmente realiza, relativamente ao imposto pago pelo
contribuinte que realizou a operação anterior.
Esquece-se, porém, que
nessa operação anterior não houve qualquer pagamento do imposto. Esse o efeito
da substituição tributária na hipótese. Esse pagamento deve ser feito, isto
sim, pela própria consulente. Como pretender, assim, o crédito, pelo
contribuinte, do imposto por ele mesmo devido. Uma coisa é creditar-se do que
foi pago anteriormente por outro contribuinte. Com isso simplesmente evita-se
um duplo pagamento. Outra absolutamente diferente seria o próprio contribuinte
que paga o imposto creditar-se do seu valor, pois que neste caso haveria simplesmente
uma anulação do pagamento feito.
Quanto à compatibilidade
do princípio da não cumulatividade com a solução prevista na legislação para a
hipótese, consistente na subsunção do imposto devido por substituição no
imposto devido pelo substituto em razão da operação própria, é preciso lembrar
à consulente que para que se afirme a cumulatividade do imposto é preciso
identificar, na hipótese, a existência de um pagamento duplicado. Isso, como
adiante se verá, não ocorre no caso em tela. A solução proposta pela
consulente, ao contrário de evitar a duplicidade do pagamento do imposto, como
imagina, levaria à recuperação pelo contribuinte, sob a forma de crédito, do
imposto devido ao Estado, configurando assim pura e simples evasão fiscal,
punida pela legislação.
A consulente afirma, a
certa altura de sua exposição, que “embora tenha sido a consulente quem
suportou a carga tributária, na condição de substituta tributária, fazendo o
recolhimento do ICMS relativo à operação de transporte, englobadamente e de forma
‘absorvida’ pelos seus débitos totais, não aproveitou ela – consulente –, os
créditos correspondentes à etapa anterior”.
Aqui reside o equívoco
da consulente. Teria ela, sim, direito ao crédito do imposto relativo à etapa
anterior – no caso em tela, o serviço de transporte – caso esse imposto de fato
tivesse sido pago destacadamente, ainda que pela própria consulente, por
substituição.
No caso, porém, por
força das disposições legais vigentes à época, a consulente foi desobrigada
desse pagamento, de forma que o imposto que devia, relativamente ao serviço
contratado, ficava subsumido no imposto pago em razão da saída da mercadoria.
Ou seja, ao invés de efetuar dois pagamentos, creditando-se no segundo do valor
correspondente ao primeiro, a legislação autorizava a realização de um
pagamento único, realizado por ocasião da operação seguinte, englobando o
imposto correspondente aos dois fatos geradores.
É o que dizia o
parágrafo único do art. 74 do Anexo VII do RICMS/89, aprovado pelo Decreto nº
3.017, de 28 de fevereiro de 1989, que deixava claro que tal englobamento
somente seria possível nos casos em que ambas as operações fossem tributadas.
Eis o texto do dispositivo:
Art. 71. É responsável pela retenção e
recolhimento do ICMS devido na prestação de serviço de transporte de carga:
I - o alienante ou remetente da mercadoria,
inscrito como contribuinte neste Estado;
II - o depositário, a qualquer título,
estabelecido neste Estado, na saída de mercadoria ou bem depositado por pessoa
física ou jurídica;
Art. 74. Para escrituração fiscal e apuração
do imposto, o substituto tributário adotará os seguintes procedimentos:
(...)
Parágrafo único. Nas hipóteses de responsabilidade prevista nos incisos I e II do art.
71, quando a operação com a mercadoria transportada e prestação do serviço
forem tributadas, o imposto devido na condição de substituto tributário ficará
absorvido pelo débito da respectiva operação.
Ora, se a consulente não
efetuou o pagamento do imposto devido por responsabilidade, não há qualquer
legitimidade em sua pretensão de creditar-se do valor correspondente.
Para melhor
esclarecimento da questão, figure-se um exemplo.
Imagine-se, tomando as
operações como sujeitas à alíquota de 17%, uma venda de mercadoria ou prestação
de serviço de transporte pelo contribuinte substituído ao substituto no valor
de R$ 100,00.
Não houvesse a
substituição, deveria o contribuinte recolher, em razão dessa operação, R$
17,00 de ICMS. Esse mesmo valor, então, seria utilizado como crédito, pelo
destinatário, para compensação com o montante do imposto por ele devido na
operação seguinte. Supondo que o destinatário revenda a mercadoria adquirida –
ou de cujo transporte se trata – por R$ 200,00, o ICMS incidente sobre esta
última operação será de R$ 34,00. Aplicando a regra da compensação, contudo, o
destinatário estará obrigado ao recolhimento de apenas R$ 17,00, ou seja, R$
34,00 menos R$ 17,00 já pagos por ocasião da operação anterior.
Voltando a aplicar à
hipótese a sistemática da substituição tributária na modalidade para trás ou
diferimento, incidindo esta na primeira operação, tem-se que o primeiro
contribuinte nada recolheria de imposto, eis que a responsabilidade por esse
recolhimento fora transferida para o destinatário da mercadoria ou serviço.
Nesse ponto, duas
soluções seriam possíveis, a critério do legislador. Na primeira, o
contribuinte substituto, destinatário da primeira operação, ficaria desde logo
obrigado ao recolhimento do imposto devido por substituição, até mesmo antes de
realizar nova operação com a mercadoria. Nesse caso, recolheria a importância
de R$ 17,00, correspondente ao imposto cujo recolhimento pelo substituído fora
dispensado.
Quando revendida a
mercadoria por R$ 200,00, conforme o exemplo, o contribuinte se creditaria do
imposto pago em razão da operação anterior, recolhendo o saldo, ou seja, mais
R$ 17,00. No total recolheria, portanto, R$ 34,00.
A outra possibilidade
consiste na dispensa do recolhimento imediato do tributo devido por
responsabilidade pelo contribuinte substituto, incidente na operação anterior.
Ao invés disso, esse montante será todo recolhido quando da realização de nova
operação tributada com a mesma mercadoria ou com aquela em que empregado o bem
adquirido ou a que se refira o serviço de transporte.
Assim, ao adquirir a
mercadoria por R$ 100,00, nenhum pagamento de imposto será realizado, seja pelo
remetente, seja pelo destinatário. Por outro lado, quando da revenda do bem,
por R$ 200,00, o contribuinte substituto estará obrigado ao recolhimento tanto
do imposto correspondente a sua própria operação quanto daquele relativo à
operação anterior, devido por responsabilidade.
O substituto, porém, não
efetuará o recolhimento distinguindo as parcelas em função da causa do
recolhimento – imposto por substituição e imposto próprio, com a demonstração
conseqüente de que faz um recolhimento de R$ 17,00 por substituição tributária,
mais R$ 17,00 em razão da própria operação, correspondente esta parcela à
diferença entre R$ 34,00, que é o total do débito do ICMS por sua própria
operação, e o crédito de R$ 17,00 relativo à primeira parcela, que estará
recolhendo na mesma oportunidade.
Ao contrário, a
legislação exige apenas que o contribuinte recolha os R$ 34,00 devidos, sem
qualquer demonstração. O valor recolhido, como se vê, é equivalente em qualquer
hipótese, apenas neste último caso sendo dispensada qualquer indicação de que
parte do imposto devido o é pela operação própria, e que o restante decorre da
responsabilidade por substituição.
Tem-se aqui o que se
denomina subsunção do imposto devido por responsabilidade no imposto devido
pela operação tributada subseqüente promovida pelo substituto. Nesse sentido o
disposto no RICMS/01, Anexo 3, art. 1º, § 1º, verbis:
Art. 1° Nas operações abrangidas por
diferimento, fica atribuído ao destinatário da mercadoria a responsabilidade
pelo recolhimento do imposto na condição de substituto tributário.
§ 1° O imposto devido por substituição
tributária subsumir-se-á na operação tributada subseqüente promovida pelo
substituto.
Resta evidente que,
neste caso, não há falar em “crédito” do imposto correspondente ao imposto
devido por substituição. Crédito haveria caso o imposto devido por
responsabilidade tivesse sido pago separada e antecipadamente, como antes
referido, como forma de se evitar a cumulatividade do imposto. Do contrário, se
pago o valor correspondente à substituição em um primeiro momento, e após o
devido pela operação própria, sem compensação daquele, haveria um recolhimento
total de 51,00. Não é este, porém, o caso da situação objeto da consulta.
Deve-se observar, a
propósito, que permanecem válidas as afirmações, lembradas pela consulente, de
que ainda quando pague o imposto por substituição tem direito o contribuinte ao
crédito do valor respectivo caso realize nova operação tributada. Isso ocorre,
porém, como já se referiu, apenas nos casos em que o substituto já tenha
efetuado tal pagamento antes dessa nova operação, sem aplicação, portanto, da
regra da subsunção. Tais são as situações, tratando-se de responsabilidade pelo
imposto incidente em operações anteriores, em que a legislação exija o
pagamento do imposto diferido já por ocasião da entrada ou recebimento da
mercadoria ou serviço pelo destinatário. A estes casos refere-se o inciso III
do § 2º do art. 1º do Anexo 3 RICMS/01:
§ 2° O contribuinte substituto deverá
recolher o imposto diferido:
I - quando não promover nova operação
tributada ou a promover sob regime de isenção ou não-incidência, salvo quanto
às operações que destinem mercadorias diretamente para o exterior do país;
II - proporcionalmente à parcela
não-tributada, no caso de operação subseqüente beneficiada por redução da base
de cálculo do imposto;
III - por ocasião da entrada ou recebimento
da mercadoria, nas hipóteses expressamente previstas neste Regulamento;
IV - se ocorrer qualquer evento que
impossibilite a ocorrência do fato gerador do imposto.
Note-se que o
dispositivo prevê outras situações em que o substituto fica obrigado ao
recolhimento do imposto devido por responsabilidade. Esses casos, porém, são
estranhos ao objeto da consulta, uma vez que se referem à hipótese de
inocorrência de operação subseqüente tributada, quando não há falar em
subsunção no imposto devido na operação seguinte.
Em casos como o da
consulta, em que tal subsunção efetivamente se realiza, com o total devido –
por substituição ou pela operação própria – sendo pago de uma só vez, a
“compensação”, necessária para evitar a cumulatividade do imposto, como que se
processa automaticamente: os R$ 34,00 pagos correspondem exatamente ao imposto
devido por responsabilidade (R$ 17,00) mais o devido pela operação própria
diminuído daquele valor (R$ 34,00 – R$ 17,00 = R$ 17,00). Não há, como se vê,
cumulatividade. Falar em novo “crédito”, na hipótese, implica a absurda e
indevida conseqüência de deduzir pela segunda vez o valor do imposto
correspondente à operação anterior, devido por substituição. Haveria assim
redução do imposto devido, posto que realizar o novo crédito, segundo o
entendimento da consulente, ou por outra creditar-se o contribuinte do imposto
devido por ele próprio, significa pura e simplesmente nada pagar.
Face ao exposto,
responda-se à consulente que não está correto seu entendimento, não havendo
falar em creditamento do valor devido por substituição tributária relativa às
operações antecedentes quando esse imposto não é pago de forma autônoma pelo
responsável, simplesmente subsumindo-se no imposto devido na operação
subseqüente praticada pelo substituto. Tal creditamento, se realizado,
conduzirá à redução indevida do imposto a pagar, configurando-se claramente
hipótese de evasão fiscal. Essa conclusão, como visto é perfeitamente
compatível com o princípio da não cumulatividade do ICMS.
Ficaram prejudicados os
quesitos formulados sob a letra “d”, a fls. 14 dos autos.
É o parecer. À consideração
da Comissão.
Gerência de Tributação,
em Florianópolis, 5 de junho de 2003.
Laudenir Fernando
Petroncini
FTE - Matr. 301.275-1
COPAT, em Florianópolis,
4 de agosto de 2003.
Anastácio Martins
Presidente da Copat