RESOLUÇÃO
NORMATIVA N° 68
ICMS. TRATAMENTO TRIBUTÁRIO DIFERENCIADO PREVISTO PARA AS IMPORTAÇÕES REALIZADAS POR PORTOS, AEROPORTOS OU PONTOS DE FRONTEIRA ALFANDEGADOS, SITUADOS NESTE ESTADO NÃO PODE SER ESTENDIDO A IMPORTAÇÕES EM QUE O DESEMBARQUE FÍSICO DA MERCADORIA SE DÊ EM PORTOS DE OUTROS ESTADOS. A LEGISLAÇÃO FEDERAL SOBRE TRÂNSITO ADUANEIRO NÃO SE SOBREPÕE À LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA DO ESTADO. NÃO SE TRATANDO DE MATÉRIA DE NORMAS GERAIS, VEICULADA POR LEI COMPLEMENTAR, A LEGISLAÇÃO DA UNIÃO NÃO SE APLICA AOS ESTADOS-MEMBROS. A COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA DOS ESTADOS É ATRIBUIÇÃO DA CONSTITUIÇÃO, O QUE AFASTA QUALQUER SUBORDINAÇÃO HIERÁRQUICA ENTRE LEIS FEDERAIS E ESTADUAIS.
DOE de 03.08.11
Fundamentação:
Com
efeito, o regime especial previsto no art. 10 do Anexo 3 do RICMS está condicionado a que a importação tenha sido realizada por
“intermédio de portos, aeroportos ou pontos de fronteira
alfandegados, situados neste Estado”. O § 1° do mesmo artigo dispõe que
o importador deverá obter a liberação da mercadoria por meio eletrônico ou
junto às Gerências Regionais, mediante “visto prévio na Guia para Liberação de
Mercadoria Estrangeira sem Comprovação do Recolhimento do ICMS – GLME”.
O
§ 2° admite que as mercadorias originárias de países membros ou associados
do Mercosul possam entrar no território nacional por
outra unidade da Federação, “desde que realizada exclusivamente por via
terrestre”. A contrario sensu, nos
demais casos não é admitido, para a utilização do benefício, que as mercadorias
importadas adentrem o território nacional por outra unidade da Federação.
O
Programa Pró-Emprego (Lei 13.992/2007), por sua vez, também restringe o tratamento
tributário diferenciado às importações realizadas “por
intermédio de portos, aeroportos ou pontos de fronteira alfandegados, situados
neste Estado”, excepcionando apenas as mercadorias provenientes do Mercosul, “cuja entrada no território nacional ocorra por
outra unidade da Federação, desde que realizada exclusivamente por via terrestre”.
A
questão discutida envolve as relações entre a União e o Estado-membro. Trata-se
de saber se a legislação federal sobre regime aduaneiro – mais particularmente
a que trata do trânsito aduaneiro – se sobrepõe à legislação tributária
estadual. Para tanto, impõe-se o estudo da própria Federação. Uma das principais teorizações sobre a natureza jurídica do estado
federal devemos a Hans Kelsen (Teoria Geral do Direito e do Estado. São
Paulo: Martins Fontes; Brasília: UnB, 1990, pg. 309). Leciona este autor:
As normas centrais formam uma ordem jurídica
central por meio da qual é constituída uma comunidade jurídica central parcial
que abarca todos os indivíduos residentes dentro do Estado federal. Essa
comunidade parcial constituída pela ordem jurídica central é a “federação”. Ela
é parte do Estado federal total, assim como a ordem jurídica central é parte da
ordem jurídica total do Estado federal. As normas locais, válidas apenas para
partes definidas do território inteiro, formam ordens jurídicas locais por meio
das quais são constituídas comunidades jurídicas parciais. Cada comunidade
jurídica parcial abrange os indivíduos residentes dentro de um desses
territórios parciais. Essas unidades jurídicas parciais são os “Estados componentes”.
Desse modo, cada indivíduo pertence simultaneamente a um Estado componente e à
federação. O Estado federal,
a comunidade jurídica total, consiste, assim, na federação, uma
comunidade jurídica central, e nos Estados componentes, várias comunidades
jurídicas locais. A teoria tradicional identifica, erroneamente, a federação
com o Estado federal total.
A
teoria da federação, como concebida por Kelsen, teve
a mais ampla recepção nos meios jurídicos nacionais, como no magistério de
Gilmar Ferreira Mendes (Curso de Direito
Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, pg. 754)
de que “se perceba no Estado Federal uma dúplice esfera de poder normativo
sobre um mesmo território; sobre um mesmo território e sobre as pessoas que
nele se encontram, há a incidência de duas ordens legais: a da União e a do
Estado-membro”.
Ora,
dispõe a Constituição da República (art. 24, I) que “compete à União, aos Estados
e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre direito tributário”,
contudo, acrescenta o § 1°, “a competência da União limitar-se-á a
estabelecer normas gerais”. A competência da União, para legislar sobre normas
gerais em matéria de legislação tributária, na conformidade do disposto no art.
146, III, deve ser exercida por lei complementar. Entre as matérias que
constituem normas gerais de direito tributário, a própria Constituição
relaciona a definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos
impostos nelas discriminados, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo
e contribuintes; obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência.
Não
se tratando de matéria de normas gerais, veiculada por lei complementar, a
legislação da União não se aplica aos Estados-membros. Nesse sentido, adverte o
lúcido escólio de Roque Antonio Carrazza (Curso de Direito Constitucional. 21ª
ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 139): “Laboram em erro os que vêem uma
relação hierárquica entre o governo central e os governos locais. O que há, na
verdade, são, para cada uma destas entidades políticas, campos de ação autônomos
e exclusivos, estritamente traçados na Carta Suprema, que lei alguma pode
alterar”. Ao que acrescenta Sacha Calmon Navarro Coelho (Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense,
2005, p. 506): “a competência tributária das pessoas políticas que convivem na
Federação é atribuição constitucional, dimana da Lei Maior, sede do poder de tributar”.
Sala
das Sessões, em Florianópolis, 28 de Julho de 2011.
Marise Beatriz Kempa
Carlos Roberto Molim
Secretária
Executiva
Presidente
João Carlos Von Hohendorf
Lintney Nazareno da Veiga
Membro Membro