Consulta nº 069/07 Pedido de Reconsideração da Consulta
50/07
EMENTA: ICMS.
PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO. O FORNECIMENTO DE PEÇAS DE REPOSIÇÃO A PRESTADORAS DE
SERVIÇO DE TRANSPORTE DE CARGAS OU DE PASSAGEIROS É CONSIDERADA SAÍDA COM
DESTINO A CONSUMIDOR FINAL. INAPLICÁVEL A REDUÇÃO DE BASE DE CÁLCULO PREVISTA
NO ART. 90 DO ANEXO 2 DO RICMS-SC. RESPOSTA RECONSIDERANDA CONFIRMADA.
01 - DA CONSULTA.
Cuida-se de pedido de reconsideração interposto contra
resposta desta Comissão, assim ementada:
ICMS. A
SAÍDA DE PEÇAS DE REPOSIÇÃO COM DESTINO A PRESTADOR DE SERVIÇO RODOVIÁRIO DE
CARGAS ESTÁ EXCLUÍDA DO TRATAMENTO PREVISTO NO ART. 90 DO ANEXO 2 DO
RICMS-SC/01, POR FORÇA DO DISPOSTO NO § 3° DO MESMO
ARTIGO.
Justifica o pedido de reconsideração, dizendo que a resposta
não se ateve ao questionamento formulado na consulta, “a conceituação de
consumidor final, para efeitos do disposto no § 3° do artigo 90 do Anexo 2 do RICMS,
expressamente nas saídas a empresas prestadoras de serviço de transporte de
cargas”.
Alega ainda que a resposta “limitou-se a expressar conceitos
genéricos, extraídos de textos de autores, sobre consumidor. Não se ateve ao
fato circunscrito ao teor da consulta que foi especificamente as saídas de
autopeças destinadas ao setor de serviços de transporte rodoviário de cargas”.
Finalmente, transcreve acórdão do Tribunal de Justiça de
Santa Catarina, na apelação Cível em Mandado de Segurança 200.025853-4 que
trata de aproveitamento de créditos, proporcionalmente à incidência do imposto
sobre base de cálculo reduzida.
A autoridade fiscal, em suas informações, fls. 43-44,
considera improcedente o pedido de reconsideração, já que o conceito de
consumidor final, ponto central da consulta, foi exaustivamente analisado na
resposta desta Comissão. Ressalta a referida autoridade:
O fato de a interpretação exarada da COPAT ser contrária aos interesses
da consulente não justificam a interposição do pedido de reconsideração.
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL.
RICMS-SC, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de
2001, Anexo 2, art. 90, §§ 1°, III, e 3°.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E
RESPOSTA.
Com efeito, os argumentos da recorrente não se sustentam. A
conceituação de “consumidor final” deve ser pesquisada necessariamente nos
autores de reconhecida competência na matéria. Não se pode pretender, como quer
a consulente, uma conceituação para aquela situação específica enfocada na
consulta. Isto porque a relação entre o “significado” e o “significante” é uma
questão de “acordo semântico” e não da vontade ou conveniência dos falantes
daquela linguagem. Nesse sentido, nos fica a lição preciosa de Ferdinand de
Sausure (Curso de Lingüística Geral.
São Paulo: Cultrix, 1995, p. 85):
“Se, com
relação à idéia que representa, o significante aparece como escolhido
livremente, em compensação, com relação à comunidade lingüística que o emprega,
não é livre: é imposto. Nunca se consulta a massa social nem o significante
escolhido pela língua poderia ser substituído por outro. Este fato, que parece
encerrar uma contradição, poderia ser chamado familiarmente de “a carta
forçada”. Diz-se à língua: “Escolhe!”; mas acrescenta-se: “O signo será este,
não outro.” Um indivíduo não somente seria incapaz, se quisesse, de modificar
em qualquer ponto a escolha feita, como também a própria massa não pode exercer
sua soberania sobre uma só palavra: está atada à língua tal qual é.”
O pedido de reconsideração, como bem intuiu a autoridade
fiscal em suas informações, toma como fundamento apenas o fato da resposta
desta Comissão ser contrária aos interesses da consulente. Neste contexto, tem
um caráter meramente protelatório. No entanto, o intérprete fica limitado ao
mundo de significações lingüísticas em que está situado. “O que está para além
do sentido literal lingüisticamente possível e é claramente excluído por ele,
já não pode ser entendido, por via da interpretação, como o significado aqui
decisivo deste termo” (Karl Larentz. Metodologia
da Ciência do Direito. 3ª ed. Lisboa: Gulbenkian, 1997, p. 453).
O homem, como ser-no-mundo, pertence a um lugar e a uma
época. O significado de uma palavra é aquele que é utilizado pela coletividade
onde situado, não podendo arbitrariamente ser atribuído outro conteúdo
semântico. A pesquisa desse significado deve ser feita entre os que o usam, na
linguagem comum ou na técnica, e que é reconhecido e aceito pela comunidade em
que vivem. “A intenção significativa cria um corpo para si e conhece a si mesma
ao procurar um equivalente seu no sistema de significações disponíveis,
representado pela língua que falo e pelo conjunto dos escritos e da cultura de
que sou herdeiro” (Maurice Merlau-Ponty. Signos.
São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 96).
Superado esse ponto, focalizemos uma vez mais o mérito da
consulta. O § 3°
do art. 90 do Anexo 2, exclui expressamente da redução de base de cálculo as
saídas de autopeças com destino a consumidor final. O dispositivo é redundante,
pois quaisquer saídas com destino a consumidor final já estavam excluídas do benefício,
pelo § 1°, III, do mesmo artigo.
O regime de créditos
financeiros, adotados pela Lei Complementar 87/96 em substituição ao regime
de créditos físicos, passou a
reconhecer “o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em
operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no
estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços
de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação” (art. 20), além
dos insumos que integrassem fisicamente a mercadoria fabricada ou que fossem
integralmente consumidos no processo de fabricação.
Entretanto, o legislador complementar optou pela adoção
gradual do regime de créditos financeiros.
Assim, enquanto o crédito relativo aos bens destinados à integração ao ativo
permanente entrou em vigor a partir da publicação da Lei Complementar 87/96, as
mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento somente darão
direito ao crédito a partir de 1° de janeiro de 2011, conforme
redação do inciso I do art. 33, dada pela Lei Complementar 122, de 2006.
De qualquer modo, as peças de
reposição são efetivamente consideradas “consumo do estabelecimento”,
enquadrando-se na situação a que se refere o inciso I do art. 20 da Lei Complementar
87/96. Este tem sido o entendimento desta Comissão, como na resposta à Consulta
n° 68/06
que diz expressamente: “a partir de primeiro de setembro de 2006, poderá
creditar-se também ..... peças de
reposição, para prestar serviço de transporte rodoviário intermunicipal ou
interestadual de cargas, iniciado exclusivamente neste estado, conforme prevê o
art. 265, § 1º, do anexo 6 do RICMS/SC”.
No mesmo sentido, foi respondida a
Consulta n° 57/05: “até a data fixada pela LC nº 87/96, não geram direito ao
crédito de ICMS as entradas das mercadorias destinadas ao uso ou consumo do
estabelecimento, incluídas nesta classificação, as mercadorias destinadas à reposição de peças e partes das máquinas e
equipamentos, bem como aquelas destinadas à manutenção em geral do ativo
imobilizado”.
Da mesma forma, esta Comissão
respondeu à Consulta n° 73/05 que: “pneus, lubrificantes e peças de reposição e manutenção são bens de uso e consumo. O
crédito relativo às suas aquisições não é permitido segundo a legislação
tributária vigente”.
Não é diferente a resposta dada à
Consulta n° 23/01: “as partes e peças adquiridas para manutenção de bens integrados
ao ativo imobilizado são consideradas consumo do estabelecimento, somente dando
direito a crédito fiscal quando da plena entrada em vigor da LC 87/96”.
O mesmo entendimento encontramos nos
tribunais superiores, contra os quais não pode prevalecer decisão de tribunal
estadual:
O Supremo Tribunal Federal, no
julgamento do Recurso Extraordinário n° 195.894 RS, em 14 de novembro de
2000, decidiu:
“IMPOSTO
DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS - PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE -
OBJETO. O princípio da não- cumulatividade visa a afastar o recolhimento duplo
do tributo, alcançando hipótese de aquisição de matéria-prima e outros
elementos relativos ao fenômeno produtivo. A evocação é imprópria em se tratando
de obtenção de peças de máquinas, aparelhos, equipamentos industriais e
material para a manutenção.”
O Superior Tribunal de Justiça, por
sua vez, no julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Especial n° 101.797 SP, em 14 de agosto de
1997, manteve o mesmo entendimento:
TRIBUTARIO
- ICMS - CREDITAMENTO - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE RODOVIARIO - PEÇAS
E ACESSORIOS. PEÇAS DE REPOSIÇÃO, DE CONSERTO, DE CONSERVAÇÃO OU ACESSORIOS QUE
GUARNECEM VEICULOS NÃO SE CONFUNDEM COM INSUMOS EXAURIDOS NA PRESTAÇÃO DO
SERVIÇO. INEXISTENCIA DO DIREITO AO CREDITO DO ICMS.
A Lei 13.790, de 2006, ao contrário
do que pretende a consulente, não modificou o tratamento, nem em relação ao
direito ao crédito, nem em relação à caracterização das peças de reposição como
consumo do estabelecimento. O Pró-Cargas (Programa de Revigoramento do Setor de
Transporte Rodoviário de Cargas de Santa Catarina) foi instituído com o escopo
declarado de fomentar a atividade no Estado. Deste modo, o crédito do imposto,
relativo à aquisição de peças de reposição, a que se refere o art. 2°, I, “d”,
nada mais é que benefício fiscal, concedido como forma de estimular a referida
atividade econômica. O seu caráter de incentivo torna-se evidente por abranger
apenas o transporte de carga, não se estendendo ao transporte de passageiros ou
à indústria em geral.
As peças
de reposição não se integram fisicamente à mercadoria, nem são consumidos
integralmente na prestação do serviço (regime de créditos físicos). Também não se destinam à integração ao ativo
permanente do adquirente, mas apenas à sua conservação. São contabilizadas no
ativo circulante (estoque) e, quando substituídas, como despesa ou custo. Por
exclusão, devem ser consideradas como destinadas ao uso ou consumo do
estabelecimento.
Isto posto, responda-se à consulente que a saída de peças de
reposição com destino a empresa de transporte, por disposição expressa da
legislação, está excluída do tratamento previsto no art. 90 do Anexo 2 do
RICMS-SC/01.
À superior consideração da Comissão.
Getri, em Florianópolis, 23 de julho de 2007.
Velocino
Pacheco Filho
AFRE – matr. 184244-7
De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer
acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 6 de setembro de 2007.
A consulente deverá adequar seus procedimentos à resposta a
esta consulta no prazo de trinta dias, contados do seu recebimento, conforme
dispõe o inciso I do art. 212 da Lei n° 3.938, de 26 de dezembro de 1966, ao
final dos quais o crédito tributário respectivo poderá ser constituído e cobrado
de ofício, acrescido de multa e de juros moratórios, se for o caso.
Alda Rosa da Rocha
Almir José Gorges
Secretária Executiva Presidente da Copat