ESTADO DE SANTA CATARINA |
SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA |
COMISSÃO PERMANENTE DE ASSUNTOS TRIBUTÁRIOS |
RESPOSTA CONSULTA 49/2020 |
N° Processo | 1970000038068 |
ICMS. ALÍQUOTA. AS MISTURAS PARA PÃES COMPOSTAS POR GRÃOS
ESPECIAIS, COMO LINHAÇA, AMÊNDOAS E QUINOA, NÃO PODEM SER CONSIDERADAS
MERCADORIAS DE CONSUMO POPULAR. POR ISSO, OPERAÇÕES INTERNAS COM ESSES PRODUTOS
SUBMETEM-SE À ALÍQUOTA GENÉRICA DE 17%.
Trata-se de consulta formulada por empresa inscrita no Cadastro de Contribuintes do Estado de Santa Catarina, no ramo de comércio varejista de mercadorias em geral, com predominância de produtos alimentícios.
Informa que recebe mistura para pães composta por vários grãos (linhaça,
amêndoas, quinoa), de código NCM 1901.20.00, com a alíquota de 12% de ICMS.
Questiona se está correta a aplicação dessa alíquota, uma vez que o produto, apesar de estar posicionado na mesma classificação NCM de
mercadoria listada como de consumo popular, é mais elaborado.
É o breve relatório. Passo à análise.
RICMS-SC/01, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de
agosto de 2001, art. 26, III, d.
Daniel Sarmento considera, como imunidade tributária implícita, a vedação ao Estado de privar as pessoas, por meio dos tributos, dos elementos indispensáveis para que se tenha uma vida digna. Em suas palavras, um dos mais importantes limites ético-jurídicos para a sua atividade fiscal é a necessidade de não subtrair das pessoas aqueles recursos sem os quais elas não conseguem subsistir com dignidade (O mínimo existencial / The right to basic conditions of life, In: Revista de Direito da Cidade, v. 8, nº 4, pp. 1644-1689, nov. 2016). À luz do princípio da dignidade da pessoa humana, a solução desta consulta revisita a doutrina e o entendimento sedimentado da Comissão Permanente de Assuntos Tributários, estribado na Resolução Normativa nº 61/2008.
Segundo o filósofo positivista H. L. A. Hart, idealizador da Teoria da Textura Aberta, podemos dizer que as leis são incuravelmente incompletas e nós devemos decidir os casos de penumbra racionalmente pela referência aos objetivos sociais (Positivism and The Separation of Law and Morals, Harvard Law Review, v. 71, p. 614, 1958). Hart cita, como exemplo de região de penumbra, a proibição de levar veículo ao parque: abrangeria o vocábulo as bicicletas e os carrinhos de brinquedo? Por isso, de acordo com o ilustre positivista, o ideal de fidelidade à lei (ideal of fidelity to law) deve ser visto pela diferenciação entre o núcleo, composto por casos fáceis (easy cases) e a penumbra (hard cases): o legislador estabelece o core, e cabe ao intérprete da lei diminuir a penumbra, criando o direito ao fazer uma escolha que equilibre os interesses conflitantes.
Nesse sentido, a Resolução Normativa nº 61/2008 foi publicada com o intuito de diminuir a penumbra da expressão cesta básica do revogado art. 11, I, Anexo 2, do RICMS, ao considerar o princípio da dignidade da pessoa humana em sentido amplo como razão subjacente da redução de base de cálculo dos produtos elencados e reconhecer a finalidade social da norma como baliza para a interpretação teleológica do benefício fiscal, como se denota do trecho abaixo:
Considera-se o direito como uma ciência primariamente
normativa ou finalística; por isso mesmo a sua interpretação há de ser, na
essência, teleológica. O hermeneuta sempre terá em vista o fim da lei, o
resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática. A norma enfeixa
um conjunto de providências protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a
certas exigências econômicas e sociais; será interpretada de modo que melhor
corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesses para
a qual foi regida. (in Hermenêutica e Interpretação do Direito. Forense:
1998, pág. 151):
Por outro lado, Jean-Louis Bergel (Teoria Geral do
Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2001, pg. 332) acrescenta que o método
teleológico fundamentado na análise da finalidade da regra, no seu objetivo
social, faz seu espírito prevalecer sobre sua letra, ainda que sacrificando o
sentido terminológico das palavras.
Ora, qual seria a finalidade perseguida pelo legislador
ao instituir uma redução na base de cálculo do ICMS incidente sobre os produtos
da cesta básica?
Registre-se que o conceito de cesta básica, segundo o
Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos -
DIEESE é aquela suficiente para o
sustento e bem estar de um trabalhador em idade adulta, composta dos produtos
básicos que contêm as proteínas, calorias, ferro cálcio e fósforo necessárias
ao corpo humano.
Apura-se, teleologicamente, que o legislador (RICMS/SC,
Anexo 2, art., 11, I) não visou os produtos que compõem a cesta básica em si,
mas sim o consumidor destes produtos (o contribuinte de fato) que é o
verdadeiro destinatário da norma exonerativa.
O legislador pretendeu favorecer o consumidor,
principalmente o de baixa renda, reduzindo, via exoneração tributária, o preço
dos gêneros de primeira necessidade. É essa a finalidade social almejada pela
norma, é esse o resultado pretendido pelo legislador. Todos os que se encontrem
dentro de uma mesma situação devem ser tributados da mesma maneira porque
revelam a mesma manifestação de riqueza (Luiz Emygdio da Rosa Jr. Manual de
Direito Financeiro & Direito Tributário. 17ª ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2003, pg. 348).
O critério de discrímem nos fornece o próprio constituinte, ao eleger a essencialidade das mercadorias e serviços como critério para a graduação da incidência do ICMS (art. 155, § 2°, III). Mercadorias de consumo mais essencial para a população devem ser tributadas com alíquotas menores, enquanto mercadorias de consumo suntuário devem ser gravadas com alíquotas mais altas.
A aplicabilidade ao caso em tela pode ser questionada, haja
vista que a norma trata do conceito da cesta básica, para fins de aplicação da redução de base de cálculo do revogado dispositivo. Todavia, a própria resolução relaciona,
indistintamente, a expressão consumo popular como característica dos produtos
integrantes da cesta básica, conforme se observa da ementa:
ICMS. O tratamento tributário previsto para os produtos
da cesta básica visa beneficiar o consumidor de baixa renda. Assim, os produtos
que estão albergados pela redução na base de cálculo prevista no art. 11, l do
Anexo 2 do RICMS-SC, são aqueles cujos preços os tornam acessíveis à população
de baixa renda, restando, portanto, excluídos do benefício fiscal àqueles
produtos que, apesar de ostentarem comercialmente o mesmo nome, tratam-se de
produtos mais requintados, em cuja elaboração foi-lhes adicionado outras
características que lhe retiram o rótulo de "consumo popular".
Ademais, é entendimento remansoso desta Comissão (consultas 019/2020, 069/2019, 059/2019, 055/2018, 024/2018, 082/2017, 081/2017, 077/2015, 021/2007, 032/2006, 071/2006) de que o art. 26, III, d do RICMS, deve ser visto sob a ótica da vulnerabilidade social, ou seja, as mercadorias de consumo popular, para este órgão colegiado, são aquelas destinadas à população em situação de insegurança alimentar.
Por essa razão, a mistura para pães (NCM 1901.20.00) que contenha grãos como linhaça, quinoa e amêndoas não pode ser considerada mercadoria de consumo popular, pois o público alvo do produto "mais elaborado", nas palavras da consulente, não é o consumidor de baixa renda.
Corrobora essa visão a mesma Resolução Normativa nº 61/2008, ao afirmar que o
pão multigrão não está na cesta básica, como se observa abaixo:
7 Art
11, I, g do pão.
Compõem a Cesta Básica:
O pão como resultado da cocção de
farinha (de qualquer cereal), sal, fermento e leite, adicionado ou não de
outras substâncias; cujo preço não seja superior ao preço médio do chamado pão
francês ou de trigo, obtido mediante pesquisa de preços de mercado.
Não compõem a Cesta Básica:
O pão, sob qualquer forma, que
contenha outros produtos, tais como passas, nozes, açúcar, presunto, calabresa,
frutas cristalizadas ou secas, essências, especiarias, queijo, etc.
Além disso, utilizando os mesmos fundamentos deste parecer, a Resposta à Consulta COPAT nº 082/2017 não considera os pães que contenham grãos especiais como mercadorias de consumo popular, consoante ementa transcrita abaixo:
ICMS. CONSUMO POPULAR E CESTA BÁSICA. AS DUAS EXPRESSÕES,
APESAR DE NÃO SE CONFUNDIREM, DEVEM SER INTERPRETADAS A PARTIR DA MESMA
PREMISSA, ISTO É, REFEREM-SE AOS PRODUTOS DESTINADOS AO CONSUMO DAS FAMÍLIAS DE
BAIXA RENDA. (I) A SIMPLES ADIÇÃO DE AIPIM, BATATA OU MILHO À MASSA DO PÃO DE TRIGO,
SEM ALTERAÇÃO DE SEU PREÇO ORIGINAL, PERMITE A SUA MANUTENÇÃO COMO PRODUTO
INTEGRANTE DA CESTA BÁSICA E POR CONSEGUINTE TAMBÉM POSSIBILITA A SUA
CLASSIFICAÇÃO COMO UM PRODUTO DE CONSUMO POPULAR. (II) A ADIÇÃO DE GRÃOS
ESPECIAIS (CHIA, QUINO E OUTROS CEREAIS) AOS PÃES MULTIGRÃOS , DE MODO A
RESULTAR EM PREÇO MAIOR DO QUE O PREÇO NORMAL COBRADO PELO PÃO DE TRIGO
IMPEDE-OS DE SER TIDOS COMO UM PRODUTO DA CESTA BÁSICA, E CONSEQUENTEMENTE NÃO
PODERÃO SER CLASSIFICADOS COMO PRODUTO DE CONSUMO POPULAR, FATO QUE IMPÕE A
APLICAÇÃO DA ALIQUOTA NORMAL DE 17% ÀS OPERAÇÕES A ELES CORRESPONDENTES.
Diante do exposto, responda-se à
consulente que as misturas para pães compostas de grãos especiais estão
sujeitas à alíquota de 17%, porquanto não podem ser consideradas mercadorias de
consumo popular, pela inteligência da Resolução Normativa nº 61/2008 e
posicionamento sedimentado pela COPAT.
É o parecer que submeto à elevada apreciação da Comissão
Permanente de Assuntos Tributários.
Nome | Cargo |
LENAI MICHELS | Presidente COPAT |
CAMILA CEREZER SEGATTO | Secretário(a) Executivo(a) |
Data e Hora Emissão | 10/09/2020 13:46:56 |