Consulta nº 106/07
EMENTA: ICMS. TRANSFERÊNCIA DE CRÉDITOS FISCAIS ENTRE
ESTABELECIMENTOS DA MESMA EMPRESA SITUADOS EM ESTADOS DIFERENTES. IMPOSSIBILIDADE.
DIFERENÇA ENTRE AS ALÍQUOTAS INTERNA E INTERESTADUAL NÃO REPRESENTA CRÉDITO
ACUMULADO PARA FINS DE TRANSFERÊNCIA.
A LEI COMPLEMENTAR FEDERAL SOMENTE PREVÊ TRANSFERÊNCIA DE CRÉDITOS ENTRE ESTABELECIMENTOS
SITUADOS NO MESMO ESTADO.
A LEI TRIBUTÁRIA CATARINENSE SOMENTE PRODUZ EFEITOS EXTRATERRITORIAIS SE RECONHECIDOS
PELOS CONVÊNIOS DE QUE PARTICIPE.
DOE de 11.04.08
01 - DA CONSULTA.
Noticia
a consulente que importa mercadorias do exterior, recolhendo o ICMS
correspondente no desembaraço aduaneiro. Tais mercadorias são posteriormente
enviadas para outro Estado, resultando em acumulação de créditos correspondente
à diferença entre as alíquotas de importação e interestadual.
Outra
situação relatada refere-se à aquisição de mercadorias no mercado interno, com
manutenção integral de créditos, e sua posterior comercialização, calculando o
imposto sobre base de cálculo reduzida. Neste caso, também resulta acumulação
de créditos do ICMS.
Ocorre
que, para atender à legislação federal específica (SISCOMEX/RADAR),
houve a necessidade de transferir a sua matriz de Santa Catarina para o Estado
de Minas Gerais. Inversamente, o estabelecimento filial deverá ser transferido
de Minas Gerais para Santa Catarina. O estoque existente no estabelecimento de
Santa Catarina foi integralmente transferido, a preço de custo, para o
estabelecimento de Minas Gerais. Entretanto, o saldo credor de ICMS existente
no estabelecimento de Santa Catarina fica ainda pendente de destino.
Do
exposto, consulta a esta Comissão sobre a possibilidade de transferência do
saldo credor do ICMS para o estabelecimento situado em Minas Gerais, por
aplicação extensiva da permissão contida no art. 40 do Decreto 2.870/01.
Argumenta que a responsabilidade prevista no § 5° do art. 5° do
RICMS (“respondem pelo crédito tributário todos os estabelecimentos do mesmo
titular”) deve igualmente aplicar-se aos direitos.
Acrescenta
ainda a consulente que parte do referido saldo credor é devido à redução da base
de cálculo que, conforme posicionamento do STF (RE 174478), equivale à isenção
parcial. Portanto, estaria entre as hipóteses de transferência permitida pelo
art. 40, II, do RICMS/SC.
A
autoridade fiscal, em suas informações a fls. 27-29, transcreve a legislação
pertinente e finaliza por manifestar-se contrariamente ao entendimento da
consulente.
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL.
Constituição
Federal, art. 155, II;
Lei
5.172, de 25 de outubro de 1996, art. 6°;
Lei
Complementar 87, de 13 de setembro de 1996, art. 3°, II, e art. 25, §§ 1°
e 2°;
RICMS-SC,
aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, art. 40; Anexo 2, art. 7°, VII, c.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA.
No
Estado federativo, os tributos podem ser de competência comum (taxas e
contribuição de melhoria) e privativa (impostos). É o caso do ICMS que é de
competência privativa dos Estados-membros, ou seja, somente eles podem
instituir e legislar sobre esta exação. A competência legislativa da União,
afora os impostos de sua própria competência, nos termos do art. 146 da
Constituição Federal, mediante lei complementar, limita-se a:
a)
dispor sobre conflitos de competência em matéria tributária;
b)
regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; e
c)
estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária.
Isto
quer dizer que, com exceção das matérias mencionadas, as leis tributárias da
União não tem aplicação sobre os tributos estaduais. O tratamento tributário
das importações, relativamente ao ICMS, em qualquer de suas modalidades,
rege-se pela legislação tributária estadual.
A
consulente questiona a possibilidade de transferência de créditos do ICMS
acumulados em estabelecimentos catarinenses para estabelecimento da mesma
empresa em Minas Gerais, em razão da transferência da matriz da empresa para
aquela unidade da Federação, para atender à legislação federal específica.
Ora,
para responder ao questionamento, devemos examinar a natureza do assim chamado
“crédito fiscal” do ICMS. O crédito fiscal decorre do princípio da não-cumulatividade, insculpido no
art. 155, § 2°, I, da Constituição Federal, que assegura ao sujeito
passivo o direito de compensar o imposto devido em cada operação com o montante
cobrado nas operações anteriores. Isto significa que o crédito fiscal não é um
“crédito” no sentido de uma dívida que o sujeito passivo possa exigir do
Estado. Pelo contrário, cuida-se apenas
de um “crédito” exclusivamente vocacionado à
compensação do imposto devido.
Geraldo
Ataliba e Cléber Giardino, em artigo já clássico (ICM – Abatimento constitucional – Princípio
da não cumulatividade. RDT 29/30: 110-126)
esclareceram que “o abatimento constitucional é mera figura financeira,
operante no instante da liquidação do tributo, com a função de cobrir parte do
seu pagamento, por compensação. Funciona como ‘moeda de pagamento’. Tem sua operacionalidade limitada à função de atender à dedução
constitucionalmente prevista”. No mesmo sentido lecionava Ricardo Lobo Torres
(Sistemas Constitucionais Tributários. In: Tratado de Direito Tributário
Brasileiro (coord. Aliomar
Baleeiro & Flávio Bauer Novelli) v.II, t. II, Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 297):
“O que conta para o Direito Tributário é que o
tributo incide sobre o valor total de
cada operação. Posteriormente, para garantir a não-cumulatividade
do tributo, atua o mecanismo da compensação
financeira, pelo qual se abate do débito correspondente à alíquota aplicada
sobre o valor da saída do estabelecimento o crédito gerado na entrada da mercadoria”.
A
vinculação do crédito fiscal ao débito fica mais clara na dicção da alínea “b”
do inciso II do já mencionado § 2° do art. 155 da Lei Maior: “a isenção
ou não-incidência, salvo disposição da legislação em contrário, acarretará a
anulação do crédito relativo às operações anteriores”. Deste modo, se não
houver débito, frustrando, desta forma, a vocação do crédito fiscal, este deverá
ser estornado.
O
crédito somente será mantido na escrita fiscal se houver “disposição da
legislação em contrário”. Neste caso, teremos um crédito que não corresponde a
um débito e, por isso, será necessariamente acumulado. A disposição do art. 40
do RICMS/SC reveste-se de um caráter didático e não
dispositivo ao conceituar: “consideram-se acumulados os saldos credores
decorrentes de manutenção expressamente autorizada de créditos fiscais
relativos a operações ou prestações subseqüentes isentas ou não tributadas”.
Ressalte-se,
entretanto, que a disposição que autoriza a manutenção de crédito não implica
necessariamente o direito a transferi-lo a terceiro. Para tanto, é necessária
disposição legal específica.
Sucede
que a Lei Complementar 87/96, que dispõe sobre normas gerais de direito
tributário aplicáveis ao ICMS, garante apenas a transferência de saldos
credores acumulados decorrentes de exportações para o exterior do País, “na
proporção que estas saídas representem do total das saídas realizadas pelo estabelecimento”,
para (art. 25, § 1°):
a)
qualquer estabelecimento do sujeito passivo no Estado; ou
b)
havendo saldo remanescente, a outros contribuintes do mesmo Estado.
Nos
demais casos de saldo credor acumulado, a transferência depende de previsão em
lei estadual, conforme § 2° do mesmo artigo, e, mesmo assim, apenas para
destinatário localizado no mesmo Estado.
No
caso em pauta, parte dos créditos “acumulados” pretendidos decorre da diferença
entre as alíquotas interna (17%) e interestadual (12%). Ora, do exposto,
depreende-se que a diferença de alíquota não constitui “acumulação” de crédito,
para fins de transferência. Existe débito correspondente à saída da mercadoria,
apenas a incidência do imposto numa e noutra operação não tem a mesma
intensidade.
Posto
isto, responda-se à consulente que o saldo credor existente em conta gráfica no
estabelecimento catarinense não pode ser transferido para o estabelecimento da mesma empresa localizado em Minas Gerais, porque:
a)
diferença de alíquotas não representa saldo credor acumulado para fins de
transferência de crédito;
b)
a Lei Complementar 87/96 somente autoriza transferência de crédito entre
estabelecimentos localizados no mesmo Estado; e
c)
o Estado de Santa Catarina não pode impor ao Estado de Minas Gerais a aceitação
dos créditos transferidos, porque a lei tributária catarinense somente produz
efeitos extraterritoriais, na medida em que forem reconhecidos por convênios
celebrados entre os Estados (CTN, art. 102).
À superior
consideração da Comissão.
Getri, em
Florianópolis, 23 de novembro de 2007.
Velocino
Pacheco Filho
AFRE – matr. 184244-7
De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer
acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 13 de
dezembro de 2007.
Alda Rosa da Rocha
Almir José Gorges
Secretária Executiva
Presidente da Copat