EMENTA: ICMS.
TRANSFERÊNCIA DE CRÉDITO. PRODUTOR RURAL. SERVIÇOS DE TRANSPORTE.
POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE QUE O TOMADOR DO SERVIÇO SEJA O PRÓPRIO PRODUTOR
TRANSFERENTE, OBSERVADAS AS DEMAIS CONDIÇÕES IMPOSTAS PELA LEGISLAÇÃO.
PROCESSO Nº: GR08
46.449/01-9
01. CONSULTA
O contribuinte acima
identificado, produtor rural inscrito neste Estado, formula consulta a respeito
do aproveitamento de créditos do ICMS por produtor agropecuário.
Informa que adquire insumos para
uso na agricultura, previstos no art. 44 do RICMS, que lhe dariam direito ao
crédito do ICMS incidente na operação anterior.
Ao adquirir esses insumos, paga o
contribuinte também o frete do serviço de transporte respectivo, serviço esse
também onerado pelo imposto estadual.
Tais serviços, entende o
consulente, compõem os custos de seus produtos, sendo a eles agregado, em razão
do que indaga se o imposto incidente
pode ser apropriado como crédito para compensação com o imposto devido
em operações subseqüentes pelo produtor agropecuário.
Manifestando-se sobre a consulta,
a autoridade fiscal local expõe seu entendimento de que o serviço de transporte
é acessório da mercadoria, recebendo o mesmo tratamento previsto para esta.
Esse entendimento, a seu ver, teria sido o adotado na resposta à Consulta nº
16/01, em que se conclui que o direito ao creditamento do ICMS incidente sobre
o serviço de transporte de mercadoria está vinculado ao tratamento tributário
que a mercadoria transportada receberá na saída subseqüente promovida pelo tomador
do serviço de transporte.
02. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Lei Complementar nº 87/96, art.
20, § 6º, I;
RICMS/01,
arts. 4º, I, 41 a 44; Anexo 6, art. 28, III
03. FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
O consulente busca
esclarecimentos acerca da possibilidade de aproveitamento de créditos por
produtor rural, especificamente no que se refere às prestações de serviços de
que seja tomador. A respeito, necessária se faz uma ressalva inicial, tendo em
vista o regime peculiar a que sujeitos os produtores primários, inscritos no Registro
Sumário de Produtor, relativamente ao cumprimento de suas obrigações
acessórias.
Segundo esse regime diferenciado,
o produtor não está obrigado à escrituração de livros fiscais e, embora
obrigado à documentação fiscal das operações que realiza, não necessita, como
os contribuintes em geral, requerer autorização para a impressão de notas
fiscais. Utiliza-se, para a documentação de suas operações, da sistemática da
Nota Fiscal de Produtor, em que apenas necessita, posteriormente à utilização
dos documentos, demonstrar sua regular utilização. Para tanto, deve, após a
utilização ou em até 15 dias após o encerramento do prazo de validade para
emissão do documento, devolver as segundas vias das notas utilizadas, entregar
as contranotas emitidas pelos destinatários, devolver os jogos completos dos
documentos não utilizados e apresentar uma via dos documentos de arrecadação
relativos às operações tributadas, consignadas no talonário objeto da devolução
(RICMS/01, Anexo 6, art. 28, III).
Não realizando a escrituração de
suas operações, não promove o produtor rural, de regra, ao final de cada
período de operação, a apuração do imposto devido, mediante o confronto entre o
imposto que haja incidido em suas aquisições de mercadorias, matérias primas,
material secundário ou bens do ativo permanente, e o que tenha onerado as
operações que ele próprio tenha promovido.
Recorde-se que é nesse
procedimento, de confronto entre o imposto cobrado em operações anteriores de
que o contribuinte seja destinatário e o devido por suas próprias operações,
que tem lugar o denominado aproveitamento de créditos do imposto, sendo estes o
valor do imposto incidente nas operações anteriores, e que pode ser compensado
com o devido na operação seguinte.
Essa operação, como não poderia
deixar de ser, deve ser documentada, com a necessária demonstração da origem
dos valores levados a crédito, assim como dos débitos incorridos, como forma de
possibilitar o controle da regularidade da apuração do imposto promovida pelo
contribuinte. Para tanto, a legislação estabelece uma série de obrigações
acessórias, de que se destaca a obrigatoriedade de escrituração dos livros
fiscais, onde estará registrado, nos livros respectivos, o conjunto das
entradas e saídas verificadas em cada período de apuração e, finalmente, o
confronto dos saldos afinal apurados.
Os produtores rurais, quando
sujeitos à sistemática simplificada, inscritos que estejam no Registro Sumário,
ficam desobrigados da escrituração de tais livros. As operações que promovem,
como mencionado, não são registradas da forma sistemática como o são as
praticadas pelos demais contribuintes. Dessa forma, uma vez que não escrituram
suas entradas, com a indicação do valor do imposto que eventualmente lhes
corresponda, para ao final do período levar ao confronto com os débitos
apurados, seria impróprio falar, a respeito dos produtores primários em geral,
em apropriação de créditos do imposto, numa acepção bastante formal da
expressão, segundo a qual o creditamento seria precisamente a consideração de
tais valores na operação de confronto realizada e demonstrada por intermédio da
escrituração fiscal regular.
Essa afirmação deve ser
entendida, esclareça-se, tomando em consideração a circunstância de que o
confronto do conjunto de débitos e créditos apurados pelo contribuinte em
determinado período de tempo, ao contrário da apuração que considere o imposto
que onere cada item comercializado individualmente, constitui o instrumento
mais eficaz de realização do princípio da não cumulatividade do imposto.
Nada impede que o produtor
submeta-se à sistemática geral de escrituração e apuração periódica do imposto.
A regra, porém, é a adoção da sistemática simplificada, que deve assim ser
compatibilizada com a necessidade de que as incidências do imposto não se sobreponham
nas possíveis saídas tributadas. No caso dos produtores agropecuários, a
dificuldade é na prática anulada pelo fato de que as saídas que promovem em
geral não originam imposto a pagar. Nesse sentido, mencione-se que, além dos
diversos benefícios concedidos pela legislação para as operações com boa parte
das mercadorias produzidas pelos produtores primários, como regra o pagamento
do imposto incidente em suas operações fica diferido para a etapa seguinte de
circulação, atribuída a responsabilidade ao contribuinte destinatário. Nesse
sentido o que dispõe o art. 4º, I, do Anexo 3 do RICMS/01, aprovado pelo
Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, verbis:
Art. 4° O imposto fica diferido
para a etapa seguinte de circulação na saída, de estabelecimento agropecuário,
das seguintes mercadorias, quando destinadas à comercialização,
industrialização ou atividade agropecuária:
I - produto agropecuário em
estado natural, salvo quanto às operações em que o diferimento reja-se por
dispositivo próprio;
Ressalvado o fato de que o
produtor agropecuário não realiza efetivamente a escrituração a crédito dos
valores correspondentes ao imposto incidente em operações anteriores, cabe
analisar a matéria objeto da consulta à vista das disposições legislativas que
possibilitam a imputação de tais créditos ao contribuinte destinatário de suas
operações.
Nesse aspecto, deve-se observar
que a transferência admitida pela legislação, como forma de realizar tal
imputação, apenas abrange aqueles créditos que o produtor teria direito caso
tributasse normalmente suas próprias operações. Os critérios determinantes da
inclusão ou exclusão dos créditos relativos a determinada aquisição devem ser,
portanto, os mesmos aplicáveis aos contribuintes do imposto em geral,
pautando-se a análise pelos parâmetros estabelecidos pela Lei Complementar no
87, de 13 de setembro de 1996, bem como pela legislação estadual, no exercício
da tarefa de definir o regime de compensação do imposto.
Tratando-se de créditos oriundos
de serviços de transportes prestados ao contribuinte, a possibilidade de
inclusão dos créditos respectivos na transferência aos destinatários dos
produtos remetidos pelo produtor agropecuário, depende da presença de algumas
condições, a saber:
a) a prestação de serviço de
transporte deve, naturalmente, ser daquelas incluídas no campo de incidência do
ICMS – transporte intermunicipal ou interestadual;
b) a prestação específica de que
se cuide deve ter sido efetivamente onerada pela incidência do imposto, eis que
não há falar no aproveitamento de crédito em relação à operação ou prestação
realizada ao abrigo de isenção ou outra espécie de benefício fiscal;
c) a prestação deve ter por
tomador o próprio produtor agropecuário, é dizer, o preço do serviço deve ter
sido pago por este, não sendo possível atribuir-se-lhe o crédito do imposto
correspondente quando, embora sendo feita a entrega do bem transportado ao
produtor, o contratante do serviço e responsável pelo seu pagamento seja
terceira pessoa, como o próprio remetente do produto transportado. Neste caso,
o aproveitamento do crédito cabe não ao produtor, destinatário da remessa, mas
ao próprio remetente, contratante e por isso destinatário da prestação de
serviço considerada em si mesma, eis que este é que suportou diretamente o ônus
do imposto incidente na operação.
Também deve ser destacado, na
hipótese da consulta, que o efetivo aproveitamento do crédito transferido pelo
destinatário da produção agropecuária somente terá lugar quando, nos termos do
art. 20, § 6o, da Lei Complementar 87/96, venha ele a realizar nova
saída tributada desses produtos. Diz o dispositivo, verbis:
§ 6º Operações tributadas
posteriores às saídas de que trata o § 3º, dão ao estabelecimento que as
praticar direito a creditar- se do imposto cobrado nas operações anteriores às
isentas ou não tributadas sempre que a saída isenta ou não tributada seja
relativa a:
I - produtos agropecuários;
Portanto, após concretizada a
transferência ainda deverá ser verificado se efetivamente houve, com aquelas
mercadorias remetidas pelo produtor agropecuário, nova operação tributada,
promovida pelo destinatário da saída promovida pelo produtor, assim como da
transferência de créditos. Somente essa nova operação tributada é que
legitimará não só a transferência, mas a utilização dos créditos pelo
contribuinte destinatário.
Nesse ponto, vale recordar as
observações feitas pela autoridade fiscal que prestou informações no processo,
no que respeita à aplicação, à hipótese, das conclusões firmadas na resposta à
Consulta 16/01, em cuja ementa se lê:
ICMS. O DIREITO AO CRÉDITO DO
IMPOSTO INCIDENTE NO SERVIÇO DE TRANSPORTE UTILIZADO NA AQUISIÇÃO DE
MERCADORIAS É DETERMINADO, FACE AO PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE, PELO TRATAMENTO TRIBUTÁRIO A QUE ESTARÃO
SUJEITAS - NAS SAÍDAS - AS MERCADORIAS ADQUIRIDAS. ENTRETANTO, SE A LEGISLAÇÃO
TRIBUTÁRIA, SOB CERTAS CONDIÇÕES, ASSEGURAR A MANUTENÇÃO INTEGRAL DOS CRÉDITOS
DO IMPOSTO DO MILHO REVENDIDO COM ISENÇÃO, SEM ESPECIFICAR QUE TAIS CRÉDITOS
SEJAM EXCLUSIVAMENTE DA OPERAÇÃO DE ENTRADA DO MILHO NO ESTABELECIMENTO, ESSE
DIREITO À MANUTENÇÃO DO CRÉDITO COMPREENDE O IMPOSTO INCIDENTE NO SERVIÇO DE
TRANSPORTE UTILIZADO NA AQUISIÇÃO.
Às afirmações contidas na
informação fiscal fazemos, contudo uma ressalva, visando apenas prevenir
equívocos no entendimento do exposto na consulta referida. Referimo-nos à
conclusão de que a prestação de serviço de transporte seja operação acessória à
relativa à circulação de mercadoria, devendo ter o mesmo tributário a esta
dispensado.
É necessário ter bastante clara a
distinção que existe entre o imposto incidente sobre a prestação de serviço de transporte, e o
eventual direito ao creditamento desse mesmo imposto que tenha o tomador do
serviço. São questões que merecem análise distinta, e que deverão ser
enfrentadas por pessoas distintas.
Quanto à incidência do imposto
sobre o serviço, a análise deve ser feita com absoluta independência do objeto
transportado. Não importa, na determinação da obrigação de pagar tributo que
tenha o prestador de serviço, saber se o que deve ser transportado é ou não
mercadoria, e muito mesmo se é isenta, não tributada ou, se tributada, por qual
alíquota.
Basta ver que haverá incidência
do ICMS sobre a prestação de serviço de transporte ainda que o objeto de
transporte não seja mercadoria. Assim, por exemplo, o transporte de móveis e
utensílios domésticos realizado por ocasião da mudança de residência do
proprietário desses bens. Figure-se, igualmente, que será tributado normalmente
o serviço de transporte intermunicipal ou interestadual ainda que seu objeto
seja uma mercadoria isenta. De outro lado, sendo, por hipótese, de 17% a
alíquota do ICMS sobre o serviço de transporte, não se alterará esse percentual
em função de a mercadoria transportada ter sido objeto de saída sujeita a
alíquota diversa, maior ou menor.
Questão absolutamente diversa diz
respeito à discussão sobre se, tributado o serviço de transporte, será possível
ao destinatário o aproveitamento, como crédito, do imposto respectivo. Nesse
ponto, sim, deverá o tomador do serviço tomar em consideração o tratamento
tributário da mercadoria transportada. Isso porque, tal como afirmado na
Consulta 16/01, o tomador do serviço de transporte somente poderá creditar-se
do imposto que onere o serviço caso a mercadoria seja tributada na saída que
ele próprio promover, em conformidade com o disposto no art. 155, § 2º, II, b,
da Constituição Federal.
Estabelecido este princípio,
basta determinar a quem cabe o crédito. Observe-se, em primeiro lugar, que
somente poderá creditar-se do imposto incidente sobre o serviço de transporte o
próprio tomador do serviço, que não necessariamente será o destinatário da
mercadoria. Com efeito, o contratante do serviço, responsável pelo seu
pagamento, pode ser o remetente da mercadoria, e nesse caso seu será o direito
ao crédito do imposto incidente sobre o serviço de transporte, cujo
aproveitamento está condicionado, como visto, a que a saída da mercadoria sofra
a incidência do imposto.
Caso o tomador do serviço seja o
adquirente da mercadoria transportada, a este caberá o crédito do imposto sobre
o transporte, bem como do que tenha incidido sobre a saída da mercadoria. Ambos
esses créditos estarão, neste caso, condicionados a que o tomador do
serviço/destinatário da mercadoria promova nova saída tributada do produto.
Face ao exposto, responda-se ao
consulente que em relação aos serviços de transporte tributados pelo ICMS de
que seja ele próprio o tomador, é possível a transferência do crédito
respectivo aos destinatários de seus produtos, que realizem novas operações
sujeitas à incidência do imposto com as mesmas mercadorias, caso preenchidas as
condições estabelecidas nos arts. 41 a 44 do RICMS/01.
É o parecer. À consideração da
Comissão.
Gerência de Tributação, em
Florianópolis, 4 de junho de 2003
Laudenir Fernando Petroncini
FTE - Matr. 301.275-1
De acordo. Responda-se a consulta
nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 4 de agosto
de 2003, acrescentando-se, conforme deliberado pela comissão, a observação de
que com a edição do Decreto no 444, de 10 de julho de 2003, que
introduziu a alteração no 297 no RICMS/01, acrescendo o art. 30-A ao
seu Anexo 6, criou-se a possibilidade de que o produtor primário que realize
predominantemente operações sujeitas ao recolhimento do imposto por ocasião da
saída, ainda que inscrito no Registro Sumário de Produtor, mediante Regime
Especial, ser autorizado a apurar e recolher o imposto na forma prevista para
os contribuintes em geral, inscritos no Cadastro de Contribuintes do ICMS –
CCICMS, inclusive realizando a escrituração de livros fiscais. Dessa forma, o
produtor primário realizará a apuração do imposto de forma periódica, pelo
confronto de débitos e créditos do ICMS, podendo submeter-se, por igual, às
regras comuns relativas à transferência de saldos credores acumulados.
Laudenir Fernando Petroncini Anastácio Martins
Secretário
Executivo
Presidente da COPAT