EMENTA: ICMS. ISENÇÃO E
REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. RAÇÕES PARA ANIMAIS. BENEFÍCIO RESTRITO AOS
PRODUTOS DE USO EXCLUSIVO NA PECUÁRIA. DESCABIMENTO DA EXTENSÃO DO FAVOR,
CONTRA A DISPOSIÇÃO EXPRESSA DA LEGISLAÇÃO, A RAÇÕES PARA CÃES E GATOS.
PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TRANSPORTE. FATO GERADOR DISTINTO DA OPERAÇÃO RELATIVA
À CIRCULAÇÃO DA MERCADORIA EVENTUALMENTE TRANSPORTADA. IMPOSSIBILIDADE DE
APLICAÇÃO A UMA HIPÓTESE DO TRATAMENTO TRIBUTÁRIO PREVISTO PARA A OUTRA.
PROCESSO Nº: GR08 45.590/01-0
01. CONSULTA
A consulente é empresa
estabelecida neste Estado, cuja atividade principal é a fabricação de rações
para animais e que, segundo informa, possui registro no órgão competente do
Ministério da Agricultura e do Abastecimento.
Dá notícia de que fabrica e
comercializa rações para cães e gatos, tendo
entre seus clientes “lojas de rações, pets e lojas agropecuárias” (sic),
supermercados e outras casas do ramo, bem como “produtores equiparados a
comerciantes”, situados neste e em outros Estados.
Expõe a consulente seu
entendimento de que tais operações estão ao abrigo dos benefícios previstos nos
arts. 29, III, e 30, do Anexo 2 do RICMS/97, aprovado pelo Decreto nº 1.790, de
29 de abril de 1997, consistentes, respectivamente, em isenção do imposto,
quando interna a operação, e redução da base de cálculo em 60%, quando
interestadual.
Apresenta como fundamentos dessa
sua conclusão as seguintes alegações:
a) que nessas operações “a
característica de insumos agropecuários com destinação exclusiva ainda não se
interrompeu”;
b) que “as pessoas que
comercializarem os insumos agropecuários intrinsecamente pertencem a este setor
produtivo e todos os produtos adquiridos por estes tem destinação à alimentação
animal”;
c) que somente quando tais
produtos destinarem-se a “produtores não equiparados a comerciantes” ou a
pessoas físicas é que se encerra “o ciclo do diferimento e da base de cálculo
reduzida”.
Com base nesses mesmos
fundamentos, a consulente afirma ainda entender que também os serviços de
transporte, “por ser matéria conexa”, devem receber o mesmo tratamento
tributário previsto para as rações. Invoca, para reforçar essa posição, o
“princípio tributário de que o acessório acompanha o principal”.
02. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
RICMS/97, arts. 29, III e § 1º; e
30;
RICMS/01, arts. 29, III e § 1º; e
30.
03. FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
A consulente demonstra, na
exposição de sua interpretação do alcance dos benefícios fiscais sobre que
versa a consulta, uma grande preocupação com a situação do adquirente de seus
produtos no âmbito do ciclo de circulação destes. Discute, assim, se
representam ou não a última etapa do percurso seguido pelas rações para animais
que produz até seu destino final.
Pouca atenção dedica, por outro
lado, à análise da natureza da
atividade na qual serão empregados os seus produtos, não obstante seja esse um
dos aspectos determinantes da aplicação do benefício.
Com efeito, o benefício de
isenção do ICMS nas operações internas, bem como o de redução da base de
cálculo do imposto nas operações interestaduais, nos termos do art. 30 do Anexo
2 do RICMS/97, no que respeita à ração animal, condiciona-se a uma série de
exigências. Estabelece o art. 29 do Anexo 2 do RICMS/97, verbis:
Art. 29. Até 31 de julho de 2001, ficam isentas as saídas
internas dos seguintes produtos (Convênios ICMS 05/99 e 10/01):
(...)
III - rações para animais, concentrados e suplementos,
fabricados por indústria devidamente registrada no Ministério da Agricultura e
da Reforma Agrária como fabricante desses produtos, observado o seguinte:
a) os produtos devem estar registrados no Ministério da
Agricultura e da Reforma Agrária e o número do registro deve ser indicado no
documento fiscal;
b) quando acondicionado em embalagens de até 60
(sessenta) quilogramas, o produto deve ser identificado através de rótulo ou
etiqueta;
c) os produtos se destinem exclusivamente ao uso na
pecuária;
d) o benefício aplica-se, ainda, à ração animal preparada
em estabelecimento produtor, na transferência a estabelecimento produtor do
mesmo titular ou na remessa a outro estabelecimento produtor em relação ao qual
o titular remetente mantiver contrato de produção integrada;
(...)
§ 1° O benefício previsto neste artigo, concedido às
saídas dos produtos destinados à pecuária, estende-se às remessas com destino à
apicultura, aquicultura, avicultura, cunicultura, ranicultura e sericicultura.
§ 2° Para fins do inciso III, entende-se por:
I - ração animal: qualquer mistura de ingredientes capaz
de suprir as necessidades nutritivas para manutenção, desenvolvimento e
produtividade dos animais a que se destina;
II - concentrado: a mistura de ingredientes que,
adicionada a um ou mais elementos em proporção adequada e devidamente
especificada pelo seu fabricante, constitua uma ração animal;
III - suplemento: a mistura de ingredientes capaz de
suprir a ração ou concentrado, em vitaminas, aminoácidos ou minerais, permitida
a inclusão de aditivos.
Regra idêntica é prevista,
atualmente, no art. 29 do RICMS/01, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de
agosto de 2001.
Destacam-se, inicialmente, as
exigências relativas à natureza do produto, que deve ser “capaz de suprir as
necessidades nutritivas para manutenção, desenvolvimento e produtividade dos
animais a que se destina” (art. 29, § 2º, I, do Anexo 2 do RICMS/97).
Somente produtos com essas
características é que são beneficiados. Mas o preenchimento dessa condição,
apenas, não é suficiente. A ela aduz-se a exigência de que o produto seja
registrado no Ministério da Agricultura e da Reforma Agrária, exigência que se
estende, ainda, ao próprio estabelecimento produtor (art. 29, III, a, do
Anexo 2 do RICMS/97).
Preenchidos esses requisitos,
deve-se verificar se a hipótese conforma-se com a exigência estabelecida na
alínea c do inciso III do art. 29 do Anexo 2 do RICMS/97, que condiciona a
aplicação do benefício a que “os produtos se destinem exclusivamente ao uso
na pecuária”.
A consulente, ao expor seu
entendimento, toma por incontroverso o preenchimento dessa condição na
hipótese. Afirma, mesmo, que os produtos que fabrica teriam a característica de
insumos agropecuários.
Contudo, a questão exige análise
mais detida, de modo a evitar que a precipitação conduza a um entendimento
equivocado.
Conforme informa, a consulente
produz e comercializa rações para cães e gatos. Estes são animais domésticos,
que podem eventualmente ser treinados para desenvolver pequenos trabalhos,
como, no caso dos cães, a guarda de residências ou a caça, dentre outros, mas
que em geral são criados para simplesmente servir de companhia a seus donos,
como “animais de estimação”. Em nenhuma circunstância, porém, poder-se-á
qualificar a criação dessas espécies como atividade pecuária.
De fato, a pecuária é definida
pelo dicionário Michaelis como sendo a atividade de criação de gado (MICHAELIS:
moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos,
1998). Ainda segundo esse dicionário, gado são “animais, geralmente criados no
campo, para serviços agrícolas e consumo doméstico, ou para fins industriais e
comerciais”.
Segundo o Dicionário Aurélio
Básico da Língua Portuguesa (Aurélio Buarque de Holanda. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1988), pecuária é a “arte e indústria do tratamento e criação do
gado”. Gado, segundo a mesma obra, são as reses em geral, sendo uma rês, por
seu turno, “qualquer quadrúpede usado na alimentação humana”.
Um esclarecimento mais abrangente
a respeito é fornecido pela Grande Enciclopédia Larousse Cultural (São Paulo:
Nova Cultural, 1998):
A pecuária compreende as diversas operações da criação
dos animais domésticos (alimentação, seleção, reprodução, higiene), visando
obter certos produtos, destinados principalmente para o consumo humano. Nos
países de nível de vida elevado ou médio, os produtos fornecidos pela pecuária
possuem um papel essencial no atendimento das necessidades de alimentos
nitrogenados (leite, carne, ovos). A produção de lã e de peles é também
relevante. A utilização das espécies domésticas para tração e transporte, ao
contrário, está em regressão. (...)
Mesmo os que fazem da criação de
cães e gatos uma atividade econômica não desenvolvem atividade pecuária, termo
cuja significação está evidentemente vinculada à destinação dada aos animais,
com especial destaque para a alimentação humana. Várias são as espécies animais
que podem ser objeto da atividade pecuária – bovinos, caprinos, asininos, etc.
Porém, é absolutamente impróprio chamar assim à criação de cães ou gatos.
Evidencia-se, pois, a incorreção
do entendimento defendido pela consulente, não se aplicando às operações com
rações para cães e gatos o benefício fiscal previsto para as operações com
rações animais de uso na pecuária, mesmo diante do disposto no § 1º do art. 29,
que estende o benefício às saídas com destino “à apicultura, aqüicultura,
avicultura, cunicultura, ranicultura e sericicultura”.
Diante da conclusão de que as
rações produzidas pela consulente não gozam do benefício fiscal previsto no
art. 29, III, do Anexo 2 do RICMS/97, a
dúvida exposta ao final da consulta fica, a rigor, prejudicada, uma vez que
versava sobre a possibilidade de que tal benefício fosse estendido ao serviço
de transporte daqueles produtos.
De qualquer maneira, a “conexão”
afirmada pela consulente entre a prestação de serviço de transporte e a
operação de que decorre a circulação da mercadoria transportada não autoriza,
em nenhuma hipótese, a confusão dessas situações. Cuida-se de fatos geradores
distintos, com sujeitos passivos, alíquotas, e bases de cálculo próprias, cujos
aspectos espacial e temporal também não se confundem.
A incidência do imposto no
serviço de transporte não está condicionada à tributação do objeto
transportado. Tributa-se o serviço de transporte intermunicipal ou
interestadual ainda que o objeto transportado não seja mercadoria. Tampouco
está a tributação da mercadoria vinculada à tributação do transporte
respectivo.
A matéria já foi analisada pela
COPAT em mais de uma oportunidade. Numa delas, apreciando a Consulta 10/96,
manifestou-se a Comissão em resposta assim ementada:
ICMS. O PRODUTO "PALLET", CLASSIFICADO NO
CÓDIGO 4415.20.9900, DA NBM-SH, NÃO É CONSIDERADO PRODUTO INDUSTRIALIZADO
SEMI-ELABORADO, PARA FINS TRIBUTÁRIOS, POR NÃO FIGURAR ESSE CÓDIGO NA LISTA
INCLUSA NO RICMS-SC/89, ANEXO IV, ART. 6°, XII. A SUA EXPORTAÇÃO ESTÁ AO ABRIGO
DA IMUNIDADE PREVISTA NA C.F. ART. 155 § 2°, X,"a". - JÁ O
TRANSPORTE CONSTITUI FATO GERADOR DISTINTO, NÃO ABRANGIDO PELA IMUNIDADE,
INCIDINDO O TRIBUTO SOBRE O MESMO.
Destaca-se do corpo do parecer que fundamenta a
resposta à consulta:
Quanto ao frete, este não está abrangido pela
imunidade, por constituir fato gerador distinto. A prestação do serviço de
transporte ocorre no território nacional e sobre o mesmo incide ICMS. O
dispositivo constitucional prevê imunidade na exportação de produtos
industrializados. A prestação de serviço de transporte não está incluída na
norma de imunidade. Não é aplicável, no caso, a regra de que o acessório segue
o principal. A exportação de mercadoria e a prestação de serviço de transporte
constituem dois fatos geradores distintos, cada qual com o seu tratamento
tributário.
A matéria já foi analisada pela COPAT que expediu as
seguintes resoluções, transcritas na informação fiscal, fls. 9/10.
043 - ICMS - Não-incidência do imposto nas operações
que destinem ao exterior produtos industrializados, não abrange a prestação de
serviço de transporte correspondente. (D.O.E. de 18/05/90).
045 - ICMS - INCIDÊNCIA - Há incidência do ICMS na
prestação de serviço de transporte com produtos isentos ou não tributados, por
se constituir fato gerador diverso. (D.O.E. de 08/08/90)
Em outra ocasião, apreciando a Consulta no
34/98, assim manifestou-se a Comissão.
ICMS. INCIDÊNCIA SOBRE PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS DE
TRANSPORTE INTERESTADUAL E INTERMUNICIPAL, AINDA QUE AS MERCADORIAS
TRANSPORTADAS SEJAM DESTINADAS À EXPORTAÇÃO. CONFIGURAÇÃO DE FATOS GERADORES
DISTINTOS.
Afirma a consulente ser o serviço
de transporte da mercadoria atividade acessória à operação de que a circulação
da mercadoria decorre, razão por que, a seu ver, deva receber o mesmo
tratamento previsto para esta. A afirmação, contudo, somente será válida na
hipótese de o próprio contribuinte, que promove a operação de circulação de
mercadoria, realizar o seu transporte.
Nesse caso, cabe efetivamente
falar em relação de acessoriedade. O transporte realizado constitui
atividade-meio, realizada pelo mesmo contribuinte, com o único objetivo de
tornar possível a circulação da mercadoria. Na hipótese, porém, não há uma
prestação de serviço de transporte autônoma, destacada da circulação da
mercadoria, e que deva ser submetida, independentemente, à tributação.
Tributada, na hipótese, é apenas operação que promove a circulação da
mercadoria, nela integradas, por absorção, todas as atividades-meio
desenvolvidas com esse objetivo, inclusive o transporte. Desnecessário,
portanto, neste caso, perquirir sobre o tratamento tributário dessa atividade
específica do contribuinte.
Diferente é, contudo, a situação
do transporte realizado por terceira pessoa, contratada para esse fim
específico. Neste caso, a prestação desse serviço assume posição de total
autonomia em face da mercadoria que eventualmente seja o objeto a ser
transportado. A configuração do fato gerador, relativamente à prestação do
serviço, não depende ou sofre qualquer influência do tratamento tributário a
que sujeito o objeto transportado.
Nessas circunstâncias,
considerado o transporte do ponto de vista do prestador do serviço, sujeito
passivo do tributo, não há falar em qualquer relação de acessoriedade a
qualquer outra operação. O transporte, na hipótese, é verdadeiramente a
atividade principal, cujo tratamento tributário não encontra qualquer
vinculação à natureza ou ao tratamento tributário do objeto que se deva
transportar.
Face ao exposto, responda-se à
consulente:
a) que não está correto seu
entendimento quanto ao alcance do benefício fiscal objeto da consulta. As
rações animais beneficiadas com isenção em operações internas e redução da base
de cálculo nas interestaduais são apenas aquelas destinadas ao uso exclusivo na
pecuária. Não gozam do mesmo favor as rações para cães e gatos.
b) que também não está correto
seu entendimento de que o serviço de transporte deva receber o mesmo tratamento
fiscal previsto para as mercadorias que eventualmente sejam transportas. A
operação de que decorre a circulação da mercadoria e a prestação de serviço de
transporte constituem fatos geradores distintos, com tratamentos tributários
próprios, que não se podem confundir.
É o parecer. À consideração da
Comissão.
Gerência de Tributação, em
Florianópolis, 9 de dezembro de 2002.
Laudenir Fernando Petroncini
FTE - Matr. 301.275-1
De acordo. Responda-se a consulta
nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 18 de
dezembro de 2002.
Laudenir Fernando Petroncini João Paulo Mosena
Secretário
Executivo Presidente
da COPAT