CONSULTA 22/2019
EMENTA: ICMS. OPERAÇÃO INTERESTADUAL DE VENDA DE SUCATA METÁLICA DE FERRO. REDUÇÃO DO PREÇO ORIGINAL DEVIDO À PRESENÇA DE IMPUREZAS AGREGADAS À SUCATA. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL EM QUE O VALOR DA MERCADORIA SÓ PODE SER CONHECIDO COM EXATIDÃO APÓS A SUA CHEGADA À USINA SIDERÚRGICA, SITUAÇÃO EM QUE TORNA POSSÍVEL A SUA AFERIÇÃO MAIS DETALHADA. A REDUÇÃO DO PREÇO DO PRODUTO NO ATO DE DESCARGA E DE INSPEÇÃO DE RECEBIMENTO DO PRODUTO PELA CONSTATAÇÃO DE IMPUREZAS É CONSIDERADO DESCONTO CONDICIONAL, DEVENDO INTEGRAR A BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO, NÃO DANDO, PORTANTO, DIREITO AO CRÉDITO. INCABÍVEL O USO DO INSTITUTO DA RESTITUIÇÃO PARA PERMITIR O CREDITAMENTO DO MONTANTE REDUZIDO DO PREÇO DA MERCADORIAS. A FINALIDADE DA RESTITUIÇÃO É DEVOLVER OS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS PAGOS INDEVIDAMENTE PELA OCORRÊNCIA DE ERRO, POR PARTE DO FISCO OU POR CONTA DO SUJEITO PASSIVO.
Pe/SEF em 17.04.19
Da Consulta
A consulente desenvolve atividade de comércio atacadista
de sucata metálica ferrosa, que é vendida para usinas siderúrgicas situadas
fora de Santa Catarina. Hipótese em que é emitida nota fiscal com destaque de
ICMS pela alíquota interestadual.
No ato
de descarga e de inspeção de recebimento do produto, no pátio das usinas,
normalmente, dos produtos enviados são descontados do preço percentuais
variados por conta de impurezas agregadas na sucata, sem que seja emitida nota
fiscal de devolução dos valores, para permitir o crédito parcial do ICMS
incidente sobre as mercadorias. Algumas usinas emitem um documento próprio, sem
valor fiscal, de Declaração de Restituição de Imposto (DRI), consignando que
não se aproveitaram do crédito do imposto referente ao montante de redução de
preço e autorizam a sua restituição.
Assim,
questiona sobre o correto procedimento para aproveitamento do crédito de ICMS
incidente sobre as operações que foram objeto de desconto.
Adicionalmente,
foi realizada intimação à consulente para que informasse, com maiores detalhes,
como, no pátio da usina siderúrgica, é feita a verificação da presença de
impurezas na sucata metálica ferrosa e se ela não poderia identificá-las antes
do seu envio.
Na oportunidade, foi dito que, no ato de descarga da sucata metálica ferrosa nas usinas siderúrgicas, o equipamento denominado garras/unhas sucateiras acopladas a escavadeiras hidráulicas amassa a sucata e, consequentemente, muito material, tal como terra, ferrugem, tintas, madeiras, borrachas etc., é dela desagregado; nesse momento é realizada uma inspeção visual. Conclui que seria impossível enviar material totalmente limpo, exceto se adquirissem um triturador industrial Shredder, que as usinas siderúrgicas possuem, efetuando a completa limpeza da sucata, mas implica, conforme histórico das usinas, uma perda de 25% (vinte e cinco por cento) a 28% (vinte e oito por cento) no processo, o que, além do alto custo desse tipo de equipamento – cerca de quinze milhões de reais o de menor valor –, inviabilizaria a sua operação e comercialização.
Legislação
Arts. 109, 165 e 166 do Código Tributário Nacional (CTN). Arts. 104, 121, 481 e 489 do Código Civil (CC). Alínea “a” do § 1º do art. 13 e inc. I do art. 12 da Lei Complementar (LC) nº 87/1996. Art. 73 da Lei nº 3.938/1966. Arts. 25 e 33 da Parte Geral do RICMS/SC. Inc. II do art. 26 do Anexo 5 do RICMS/SC.
Fundamentação
A princípio, existe a presunção juris tantum de
que o remetente da mercadoria tenha pleno conhecimento do custo e dos preços
envolvidos na sua atividade, fazendo com que, na emissão dos documentos
fiscais, sejam neles consignados o real valor da operação ou prestação.
Entretanto, há situações excepcionais que, devido às características inerentes
ao negócio, há apenas uma estimativa razoável dos valores ou quantidades
envolvidas, só sendo conhecidos com exatidão após a sua chegada ao destino,
situação em que se torna possível a sua aferição mais detalhada.
Nesse
sentido, apesar de o momento da ocorrência do fato gerador ser o da saída da
mercadoria do estabelecimento do contribuinte (inc. I do art. 12 da Lei
Complementar nº 87/1996), a legislação tributária prevê, de forma expressa, que
caso ocorra aumento do valor da operação depois da remessa das mercadorias ou
da prestação do serviço, deverá ser emitida uma Nota Fiscal Complementar com
destaque do imposto sobre a diferença a maior, inteligência do art. 25 da Parte
Geral do RICMS, combinado com o inc. II do art. 26 do Anexo 5 do regulamento:
Art. 25. Nas operações e prestações praticadas entre
estabelecimentos de contribuintes diferentes, caso haja reajuste do
valor depois da remessa ou da prestação, a diferença fica
sujeita ao imposto no estabelecimento do remetente ou do prestador.
Art. 26. Além das demais hipóteses previstas neste
Anexo, o documento fiscal será emitido:
[...]
I - no reajustamento
de preço em virtude de contrato, quando ocorrer acréscimo do valor do
serviço ou da mercadoria;
II - na regularização
em virtude de diferença de preço ou quantidade da mercadoria, quando
efetuada no período de apuração do imposto em que tenha sido
emitido o documento original;
[...]
§ 2º O documento fiscal também será emitido:
I - se nas hipóteses
previstas nos incisos II e III, a regularização não se efetuar dentro dos
prazos mencionados, devendo o imposto ser recolhido em documento de
arrecadação específico com as informações relativas à regularização e
constar no documento fiscal o número e a data do documento de arrecadação;
[...] (Grifos nossos)
Com base
nessas premissas, caminhou a Resposta à Consulta nº 151/2016, cuja ementa é
trazida abaixo:
ICMS. OCORRENDO REAJUSTAMENTO DE PREÇO EM MOMENTO
POSTERIOR À SAÍDA DA MERCADORIA, DEVERÁ SER EMITIDO DOCUMENTO FISCAL
COMPLEMENTAR PARA INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE A DIFERENÇA VERIFICADA.
Por sua
vez, foi vedada a redução do valor da mercadoria ou do serviço após a
concretização da operação ou prestação, porquanto, de acordo com a alínea “a”
do § 1º do art. 13 da LC nº 87/1996, os descontos concedidos sob condição,
também denominados de descontos condicionais, não devem implicar diminuição da
base de cálculo do ICMS, integrando-a:
Art. 13. A base de cálculo do
imposto é:
I - na saída de mercadoria
prevista nos incisos I, III e IV do art. 12, o valor da operação;
[...]
§ 1º Integra a base de cálculo do imposto,
inclusive na hipótese do inciso V do caput deste artigo:
[...]
II - o valor
correspondente a:
a) seguros, juros e demais importâncias pagas,
recebidas ou debitadas, bem como descontos concedidos sob condição;
[...] (Grifo nossos)
Tendo em
vista que a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos, dos conceitos e
das formas de direito privado devam ser preservadas quando, sobre estas, o
direito tributário não disponha de modo diverso (art. 109 do CTN), o
significado de condição pode ser extraído do art. 121 do Código Civil:
“Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das
partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto”
(Grifos nossos). Por ser deveras elucidativa, colaciona-se excerto da ementa de
acordão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em sede da Apelação
Civil nº 2004.001.14241:
ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. BASE DE CÁLCULO.
DESCONTO CONCEDIDO. CONDIÇÃO. INEXISTÊNCIA.
[...]
3- [...] o sistema normativo considera o
desconto concedido sob condição como parcela integrante da base de cálculo
desse tributo.
[...]
5- A finalidade dessa norma [...] é de preservar
o princípio de que a base de cálculo do ICMS determina-se no momento da
operação e de naturalmente evitar a sua subordinação a evento futuro e ainda
incerto.
[...] (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro. Apelação Civil nº 2004.001.14241. Relator: Desembargador
Milton Fernandes de Souza. Julgamento em: 26 out. 2004) (Grifos nossos)
Deste
modo, os descontos condicionais são os pendentes, na realização de algum
negócio jurídico, de algum acontecimento (evento) futuro e que traz consequências
incertas para o seu completo adimplemento, isto é, para que ocorra alteração de
sua eficácia. Eles se contrapõem aos descontos incondicionais, que são aqueles
completamente definidos antes da ocorrência do fato gerador e segundo critérios
que independam de modificação posterior. Esses últimos, não integram a base de
cálculo do ICMS, conforme pacificado pela Súmula nº 457 do STJ: “Os descontos
incondicionais nas operações mercantis não se incluem na base de cálculo do
ICMS”.
Todo
negócio jurídico possui, necessariamente, elementos essenciais que lhe dá
existência e validade, podendo, outrossim, possuir elementos acidentais, quais
sejam, condição, termo e encargo, que lhe alteram a eficácia. Nesse diapasão,
para que ocorra a operação de compra de venda, são necessários os elementos
essenciais insculpidos no art. 104 do CC, bem como no art. 481 do mesmo diploma
legal: “Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a
transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo
preço em dinheiro” (Grifos nossos). Assim, o preço e a coisa devem ser
certos e determinados ou determináveis, não podendo o último ser estabelecido
pelo arbítrio de qualquer uma das partes, nos termos do art. 489 do CC, sob
pena de nulidade.
Vale
dizer que preço determinado é aquele que não requer qualquer critério ou método
para sua determinação, enquanto que preço determinável corresponde ao preço
passível de definição objetiva mediante aplicação de critério de fixação
previsto no negócio jurídico “compra e venda”. Assim, enquanto o preço não
estiver devidamente estabelecido (estar certo e determinado), há existência e
validade, mas não eficácia da compra e venda.
No caso
em questão, a consulente vende para usinas siderúrgicas situadas fora de Santa
Catarina sucata metálica ferrosa, emitindo nota fiscal com destaque de ICMS,
tendo por base de cálculo uma estimativa de preço, desconsiderando-se, nesse
momento, a possível presença de impurezas agregadas ao produto, como terra,
ferrugem, tintas, madeiras, borrachas etc.
Entretanto,
no ato de descarga e de inspeção de recebimento do produto, no pátio da
destinatária, há redução do preço original devido à constatação pelos
inspetores da presença das impurezas, que só puderam ser devidamente
identificadas e aferidas no momento da sua chegada ao destino, já que a
consulente não conseguiria enviar a sucata totalmente limpa a não ser que
adquirisse um equipamento denominado triturador Shredder,
que as usinas possuem, capaz de limpar 100% (cem por cento) da sucata. Todavia,
além de seu alto valor (em torno de quinze milhões de reais), provoca uma perda
no processo da ordem de 25% (vinte e cinco por cento) a 28% (vinte e oito por
cento), o que tornaria a operação e comercialização do produto inviável do
ponto de vista econômico-operacional.
Nesse
passo, o negócio jurídico “compra e venda” de sucata ferrosa metálica somente
se aperfeiçoa com o correto estabelecimento do preço, pois é seu elemento
essencial. Até esse momento, a sua eficácia está suspensa por um evento futuro
com resultado incerto, que é a determinação da quantidade de impurezas na
sucata ferrosa metálica pelos inspetores, nas dependências da usina
siderúrgica, a qual leva à real determinação do valor de operação. Com efeito,
a consequente redução do preço é um desconto concedido sob condição, devendo
integrar a base de cálculo do imposto. Isto é, não pode ser retirado da base de
cálculo do ICMS.
Ademais,
com fundamento no art. 165 do CTN, reproduzido no ordenamento jurídico
catarinense de forma semelhante no art. 73 da Lei nº 3.938/1966, as hipóteses
de cabimento de restituição se resumem em erro praticado pelo sujeito passivo
(contribuinte ou responsável) ou pela Administração Tributária, seja ele de
direito e de fato. Enquanto esse se refere ao engano quanto à situação fática
quanto à ocorrência do fato gerador, aquele diz respeito ao equívoco atinente à
existência, ou não, da norma jurídica ou à sua interpretação ou aplicação:
Art. 165. O sujeito passivo tem direito,
independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do
tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no
§ 4º do artigo 162, nos seguintes casos:
I - cobrança ou pagamento
espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face
da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais
do fato gerador efetivamente ocorrido;
II - erro na identificação
do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do
montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento
relativo ao pagamento;
III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de
decisão condenatória. (Grifos nossos)
Nessa medida, mesmo que a consulente fizesse jus à redução de base de cálculo do ICMS em decorrência da diminuição de preço da sucata verificada no ato de descarga e de inspeção de recebimento do produto, não seria cabível a utilização do instituto da restituição, porque não houve erro no destaque do imposto na nota fiscal.
Resposta
Diante dos fatos e argumentos trazidos a lume, a diminuição do preço da sucata metálica ferrosa, verificada após a ocorrência do fato gerador (circulação da mercadoria), é um desconto condicional, porque o negócio jurídico “compra e venda” somente se aperfeiçoa com o ajuste do preço decorrente da verificação de impurezas nela presentes, no ato de descarga e de inspeção de recebimento do produto, no pátio da usina siderúrgica. Deste modo, tal redução do valor da sucata não pode ser retirado da base de cálculo do imposto.
À superior consideração da Comissão.
ENILSON DA SILVA SOUZA
AFRE III - Matrícula: 9506314
De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 03/04/2019.
A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.
Nome Cargo
ROGERIO DE MELLO MACEDO DA SILVA Presidente COPAT
CAMILA CEREZER SEGATTO Secretário(a) Executivo(a)