EMENTA: ICMS. IMUNIDADE.
SINDICATOS. NÃO ESTÁ AO ABRIGO DA IMUNIDADE CONSTITUCIONAL A REALIZAÇÃO DE
OPERAÇÕES MERCANTIS POR ENTIDADES SINDICAIS. INCIDÊNCIA DO ICMS.
CONSULTA Nº: 38/2000
PROCESSO Nº: GR02
12.795/98-4
01. CONSULTA
A consulente é entidade sindical
de empregados, sediada neste Estado. Noticia seu interesse em estabelecer uma
"filial", para explorar a atividade de farmácia, "para vender a
preço de custo medicamentos aos seus associados". Lembra que o art. 592 da
Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, inclui dentre os objetivos a serem
visados na aplicação da receita da contribuição sindical pelos sindicatos de
empregados, em seu inciso II, letra b, a prestação de assistência médica,
dentária, hospitalar e farmacêutica.
Face a essa disposição, e tendo
em vista a imunidade constitucional assegurada às entidades sindicais dos
trabalhadores pelo art. 150, VI, c, da Constituição Federal, pergunta:
a) se tal imunidade alcança
também o ICMS incidente sobre os medicamentos que vier a comercializar, e se
uma resposta positiva a essa pergunta im-plica a inaplicabilidade, na hipótese,
do regime de substituição tributária, de forma a que suas aquisições de
produtos sujeitos a esse regime sejam desoneradas do tributo;
b) se será devido o ICMS nas
saídas que promover de produtos não sujeitos à substituição tributária;
c) se deverá calcular e recolher
o imposto nas aquisições de produtos sujeitos à substituição tributária cujo
imposto não houver sido retido e recolhido pelo remetente.
02. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Constituição Federal, art. 150,
VI, c.
RICMS/97,
Anexo 3, art. 11, § 2°.
03. FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
A solução das questões
apresentadas exige inicialmente uma análise do alcance dado pela Constituição à
imunidade que concede às entidades sindicais dos trabalhadores, nos termos do
art. 150, VI, c. Diz o dispositivo constitucional:
Art. 150. Sem prejuízo de outras
garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI - instituir impostos sobre:
(...)
c) patrimônio, renda ou serviços
dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos
trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins
lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
d) livros, jornais, periódicos e
o papel destinado a sua impressão.
(...)
§ 4º As vedações expressas no
inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o
patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais
das entidades nelas mencionadas.
Como se pode desde logo perceber,
o abrigo oferecido pelo texto constitucional às entidades sindicais dos
trabalhadores tem sua abrangência delimitada pela própria Constituição. Não se
trata, portanto, como é evidente, de um privilégio absoluto, que torne inatingível
pela tributação tudo aquilo que for tocado pela entidade sindical.
O fim visado pelo constituinte
com a outorga da imunidade a essas entidades sindicais, como bem lembra
Carrazza, foi o de assegurar sua viabilidade, de forma a que sua instituição e
funcionamento não encontrasse obstáculos na tributação, especialmente tendo em
vista o princípio da liberdade sindical, que institui o art. 8o da Lei Maior.
Assim se pronuncia o autor citado:
"O que a Carta Magna
pretendeu, sem dúvida, foi favorecer a sindicalização dos trabalhadores, máxime
daqueles que exercem misteres economicamente mais humildes (v.g., barbeiros,
empregados no comércio varejista, padeiros etc.).
"Se estes pequenos
sindicatos tivessem, ainda por cima, que suportar impostos, em pouco tempo ficariam
inviáveis.
"Assim, merece aplausos o
constituinte ao estender sobre eles a proteção da imunidade dos impostos.
"Um sindicato de empregados
não pode ser compelido a pagar IPTU (sobre o imóvel onde tem sede), IR (sobre
os rendimentos que aufere), ISS (sobre os serviços que presta aos seus
filiados) etc." (Curso de Direito Constitucional Tributário, 9. ed., São
Paulo: Malheiros, 1997, p. 415)
É nesse sentido que a imunidade,
segundo o próprio texto constitucional, atinge apenas o patrimônio, a renda e os
serviços, e desde que estes relacionem-se às finalidades essenciais das
entidades. A noção do que sejam tais finalidades essenciais vamos buscá-las no
art. 511 da CLT , que estabelece ser fim da associação em sindicato o estudo,
defesa e coordenação dos interesses econômicos ou profissionais de determinada
categoria econômica. A propósito, não se pode deixar de recordar ainda o inciso
III do art. 8° da Constituição Federal, que diz caber ao sindicato a defesa dos
direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em
questões judiciais ou administrativas.
Dessa forma, tendo por parâmetro
um dos exemplos mencionados por Carrazza de situações em que se tem afastada a
possibilidade de tributação, pode-se com firmeza concluir, também a título de
exemplo, que nenhum obstáculo há à incidência do IPTU relativamente a um imóvel
de propriedade do sindicato que não esteja ligado a suas finalidades
institucionais de defesa dos direitos e interes-ses da categoria que
representa. Será este o caso de um imóvel adquirido apenas como forma de
investimento. Esse raciocínio aplica-se igualmente em relação a todos os
tributos, que somente não atingirão o sindicato naquilo que estiver diretamente
vinculado à realização de suas finalidades institucionais essenciais.
Importa ainda observar que a
Constituição, ao estabelecer a imunidade, não se refere a todas as espécies
tributárias, mas apenas aos impostos. Tem-se ainda que atentar para o fato de
que claramente não atingiu, com a vedação, todo e qualquer imposto, mas tão
somente aqueles incidentes sobre o patrimônio, a renda ou os serviços do
sindicato. Com efeito, não se pode ignorar essa qualificação que fez o
constituinte dos impostos de cuja incidência quis por a salvo os sindicatos,
especialmente tendo em conta que mesmo em relação a estes essa proteção não é
ilimitada e irrestrita, estendendo-se apenas até onde se estendem as
finalidades essenciais da instituição.
Os impostos sobre o patrimônio e
a renda integram a categoria dos impostos diretos, que "são aqueles cuja
carga econômica é suportada pelo contribuinte, isto é, pelo realizador do fato
imponível" (Roque A. Carrazza, op. cit., p.309). Dentre esses encontramos
o Imposto de Renda, o IPVA, o IPTU e o ITR.
De outro lado, os impostos que
gravam os serviços classificam-se como impostos indiretos, que se caracterizam
por ser sua carga econômica "suportada não pelo contribuinte, mas por
terceira pessoa, que não realizou o fato imponível" (Carrazza, idem,
ibidem). Nessa categoria de impostos indiretos, encontramos o IPI, o ICMS e o
ISS, todos caracterizados pelo fato de que o contribuinte respecti-vo acaba por
transferir o ônus da tributação, via preço, ao adquirente do produto
industrializado ou da mercadoria ou ao usuário do serviço.
Com relação aos impostos diretos,
a razão de sua exoneração tributária como meio para o alcance de certos
objetivos, como ocorre in casu quanto à reali-zação do princípio da liberdade
sindical, fica bastante evidente, dado que o ônus tributário acabará por
repercutir diretamente sobre a instituição que se visa proteger.
Já no que respeita aos impostos
indiretos, justamente porque não será a entidade beneficiada quem sofrerá o
ônus da incidência, visto que os efeitos desta são de regra transferidos a
terceiro, sua inclusão na regra imunizante não se mostra tão necessária aos
objetivos visados com a imunidade. Exceção deve ser feita, contudo, aos
serviços que presta a entidade sindical no exercício de suas finalidades
essenciais aos seus próprios afiliados. Com efeito, neste caso não há como
negar a prejudicialidade da tributação desses serviços, razão porque
estabeleceu-se a impossibilidade de sobre estes instituir-se impostos.
Mas serão apenas esses serviços,
essenciais ao atingimento dos fins institucionais peculiares às entidades
sindicais dos trabalhadores, que não poderão ser atingidos por impostos da
categoria dos indiretos. Serviços de outra natureza que sejam prestados pelos
sindicatos, diferentemente, estarão sujeitos normal-mente ao ônus tributário.
Tampouco cabe falar que outros impostos indiretos, como IPI e ICMS, que não
incidem sobre serviços - salvo, naturalmente, no caso do ICMS, os serviços de
transporte e de comunicação, que não obstante são matéria estranha ao caso ora
sob análise -, mas, respectivamente, sobre produtos industrializados e
mercadorias em geral, estão limitados pela regra imunizante do art. 150, VI, c.
De fato, dificilmente as
situações eleitas como hipótese de incidência do ICMS, se enquadrariam no
conceito de "serviço relacionado às finalidades essenciais da entidade
sindical". E no que diz respeito à circulação de mercadorias, a
possibilidade desse enquadramento é, por óbvio, absolutamente inexistente. Com
efeito, é bastante evidente que a revenda de medicamentos não constitui
situação protegida pela imunidade constitucional, que somente abrange a
tributação do pa-trimônio, da renda e dos serviços.
A circunstância de que o art. 192
da CLT estabelece que parte da re-ceita das entidades sindicais oriunda da
arrecadação da contribuição sindical deva ter como destino a prestação de
assistência farmacêutica aos seus filiados não é suficiente para afastar essas
conclusões. Trata-se de uma obrigação relativa ao destino daquela verba, que
nem por isso transforma as atividades mencionadas em atividades típicas das
entidades sindicais. A esse respeito convém transcrever nova lição de Roque
Antônio Carrazza:
"Evidentemente, para fins de
imunidade, os serviços presta-dos por estas instituições devem estar relacionados, de modo direto com
seus objetivos institucionais, apontados nos respectivos estatutos ou atos
constitutivos. É, diga-se de passagem, o que estipula o já mencionado § 4° do
art. 150 da Constituição Federal.
Logo, se, por exemplo, um partido
político abrir uma loja, vendendo, ao público em geral, mercadorias, deverá
pagar ICMS, ainda que os lucros revertam em benefício das suas atividades. Por
quê? Porque a prática de operações mercantis não se relaciona, nem mesmo
indiretamente, com as finalidades de um partido político." (Op. cit., p. 413)
As afirmações acima aplicam-se,
integralmente, à prática de operações mercantis por entidades sindicais.
Face ao exposto, responda-se à
consulente:
a) que não se poderá deixar de
aplicar o regime de substituição tributária, nas hipótese previstas na
legislação, às aquisições que realizar;
b) que deverá sim recolher
normalmente o ICMS nas operações que realizar com mercadorias não sujeitas à
substituição tributária; e
c) que no caso de recebimento de
mercadoria sujeita à substituição tributária sem a devida retenção do imposto
aplicar-se-á a regra do § 2° do art. 11 do Anexo 3 do RICMS/97, que prescreve
que "o estabelecimento recebedor de mercadoria sujeita à substituição
tributária fica solidariamente responsável pelo imposto devido nas operações
seguintes".
É o parecer. À consideração da
Comissão.
Gerência de Tributação, em
Florianópolis, 3 de agosto de 2000.
Laudenir Fernando Petroncini
AFRE IV - Matr. 301.275-1
De acordo. Responda-se a consulta
nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 24 de
novembro de 2000.
Laudenir Fernando Petroncini João Paulo Mosena
Secretário Executivo Presidente da COPAT