CONSULTA N°
140/2011
EMENTA: EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. AS DEBÊNTURES EMITIDAS PELA INVESC NÃO CONSTITUEM FORMA VÁLIDA DE LIQUIDAÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO, SEJA NA MODALIDADE DE COMPENSAÇÃO (CTN, ART. 156, II), SEJA NA DE DAÇÃO EM PAGAMENTO (INCISO XI). A ATRIBUIÇÃO DE PODER LIBERATÓRIO PELA ASSEMBLÉIA GERAL DA COMPANHIA, NA FORMA DO ART. 8°, II, DA LEI 9.940/1995, NÃO AFASTA A NECESSIDADE DE LEI QUE AUTORIZE A COMPENSAÇÃO.
Disponibilizado na página da SEF em 08.11.11
01 - DA CONSULTA
A
interessada, identificando-se como empresa dedicada ao comércio varejista de gêneros
alimentícios em geral (supermercado), relata o seguinte:
a)
conforme art. 8° da Lei 9.940/95, os títulos emitidos pela Santa Catarina
Participações e Investimentos S/A – INVESC, teriam poder liberatório para pagamento
de dívidas tributárias;
b)
a consulente adquiriu 393 (trezentas e noventa e três) debêntures emitidos pela
INVESC;
c)
que, em 10 de janeiro de 2008, a consulente firmou protocolo de intenções com o
Governo do Estado, com vistas a liquidar até 50% do ICMS devido mensalmente
“mediante apresentação da correspondente guia de arrecadação, com a informação
do valor que será pago através de debêntures”.
Diante
do exposto, formula consulta sobre a utilização do poder liberatório das debêntures
para pagamento do ICMS normal, inclusive o devido por substituição tributária,
quando atribuída a responsabilidade pelo pagamento ao destinatário da
mercadoria.
Não
houve manifestação da Gereg de origem.
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Lei
5.172, de 25 de outubro de 1966, arts. 156, II, e 170;
Lei
3.938, de 26 de dezembro de 1966, arts. 59 e 81;
Lei
9.940, de 19 de outubro de 1995, arts. 2° e 8°.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E
RESPOSTA
A
consulente pretende utilizar debêntures, emitidas por Santa Catarina Participações
e Investimentos S/A – INVESC, para o pagamento de tributos devidos ao Erário.
Inicialmente
devemos considerar que o crédito tributário, devidamente constituído, somente
pode ser extinto nas formas e hipóteses previstas no art. 156 do Código Tributário
Nacional: pagamento, compensação, transação, remissão, prescrição e decadência,
conversão de depósito em renda, pagamento antecipado e sua homologação,
consignação em pagamento, decisão administrativa irreformável, decisão judicial
passada em julgado, dação em pagamento de bens imóveis.
Tributo
é dívida em dinheiro (obrigação pecuniária) e, conforme art. 162 do CTN, somente
pode ser liquidado (i) em moeda corrente, cheque ou vale postal; (ii) nos casos previstos em lei, em estampilha, em papel
selado, ou por processo mecânico.
A
Lei Complementar 104/2001 acrescentou o inciso XI ao art. 156 do CTN, admitindo
a dação em pagamento como modalidade de extinção do crédito tributário.
Contudo, a nova modalidade somente abrange “bens imóveis” o que exclui de plano
qualquer título, público ou privado, como forma válida de liquidação de
tributos, aí incluídas as debêntures.
Outra
modalidade de extinção do crédito tributário é a compensação (prevista no
inciso II do mesmo artigo). A compensação rege-se pelo disposto no art. 170 do
CTN, nos seguintes termos: “A lei pode, nas condições e sob as garantias que
estipular, ou cuja estipulação, em cada caso atribuir à autoridade
administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos
líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública”.
Duas, portanto, são as condições para que o instituto possa ser utilizado: (i)
autorização legal expressa e (ii) que os créditos do
sujeito passivo contra a Fazenda Pública sejam líquidos e certos.
Segundo
Otacílio Dantas Cartaxo (Natureza Jurídica na Norma Contida no art. 170-a do CTN. In:
TORRES, Heleno Taveira et al. Direito Tributário e Processo
Administrativo Aplicados. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 186), a compensação “constitui um direito
subjetivo que pode ser exercitado por quem se encontre em situação hábil a
pleiteá-la exigindo que sua obrigação tributária seja extinta em procedimento
de compensação, conquanto que estejam preenchidos os requisitos legais exigidos”.
O autor identifica os seguintes requisitos para que a compensação possa ser
pleiteada:
a)
especificidade, isto é, a existência de lei autorizativa
específica;
b)
a estipulação de condições e garantias na lei autorizativa
específica;
c)
reciprocidade, ou seja, o sujeito passivo deve ser portador de créditos
próprios oponíveis a outros créditos da Fazenda Pública;
d)
liquidez, implica os créditos devidamente quantificados e expressos em unidades
monetárias;
e)
certeza, diz respeito a sua constituição fundada na existência de uma relação
jurídico tributária completamente definida;
f)
exigibilidade irrestrita relativamente aos créditos vendidos e também aos
vincendos passíveis de compensação.
Como
não poderia deixar de ser, também em sede jurisprudencial é reconhecida a necessidade
de expressa autorização legislativa, como pode ser visto no seguinte trecho da ementa
da decisão da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso
Especial 1.253.258 PR, em que foi relator o Min. Humberto Martins (DJe 01-07-2011):
3. A compensação constitui modalidade extintiva do crédito tributário, assim como o pagamento e a conversão de depósito em renda, entre outras elencadas no art. 156 do CTN, sendo que o art. 170 do Codex Tributário exige autorização legal expressa para que o contribuinte possa lhe fazer jus. Ausente a referida autorização, fica obstada a compensação, visto que este instituto jurídico, no âmbito do Direito Público, tem contornos próprios.
A
Lei 9.940/1995 criou a INVESC (extinta pela Lei 13.335/2005) com o objetivo de
gerar “recursos para alocação em investimentos públicos no território catarinense
captados pela emissão de obrigações” (art. 2°). O art. 8°, II,
dessa Lei, autorizou que a Assembléia Geral atribuísse “aos títulos de sua
emissão as características de permutabilidade e de poder liberatório para quitação de dividas tributárias”.
Conforme
Arthur Seldon & F.G. Pennance
(Dicionário de Economia), as debêntures são “títulos emitidos por empresas
comerciais para o lançamento de empréstimo a longo prazo ..... representam uma
forma adequada de financiamento às companhias que arrecadam lucros regulares e
possuem grandes ativos fixos que podem ser, no total ou em parte, penhoradas
como garantia”.
Por
sua vez, De Plácido e Silva (Vocabulário Jurídico) registra que o termo “debêntures”
designa “a obrigação ao portador, ou título ao portador, representativo de
empréstimo em dinheiro feito por uma sociedade comercial” e que “se distingue
de qualquer outra espécie de título de crédito, visto que resulta de empréstimo
que é feito pela entidade comercial, que se entende devedora da obrigação que
nela se contém”.
Portanto,
as debêntures emitidas pela INVESC e adquiridas pela consulente, por serem representativas
de empréstimo, ou seja, constituem-se em crédito exigível pela consulente.
Resta saber se podem ser compensadas com créditos tributários. Inicialmente,
devemos observar que a dívida é da INVESC, entidade privada que não se confunde
com o Estado. Nos termos do art. 170 do CTN, a compensação de créditos
tributários somente pode ser autorizada com “créditos líquidos e certos,
vendidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública”. Assim, para
falarmos em compensação com créditos tributários, é necessário que o Estado tenha
assumido expressamente a dívida, colocando-se no pólo passivo da relação obrigacional.
Além
disso, mesmo o Estado assumindo a dívida, é necessária a existência de lei que
autorize a compensação, “nas condições e sob as garantias que estipular, ou
cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa” (ibidem).
Ora,
o art. 8°, II, da Lei 9.940/1995, não fez nem uma coisa nem outra: ela deu
poder discricionário à Assembléia Geral da companhia para atribuir a esses
títulos “poder liberatório para quitação de dividas
tributárias”. Mas, se a competência para autorizar a compensação é da
lei, ela não pode ser delegada à Assembléia Geral que, à evidência, não constitui
corpo legislativo. Do mesmo modo, a estipulação de condições e garantias
somente pode ser atribuída a “autoridade administrativa” (i. e. pela administração
direta), conceito este que também não se aplica à Assembléia Geral da companhia.
Infere-se
daí que, para se proceder à compensação de créditos tributários é necessária a
edição de lei (em sentido formal) autorizando a compensação e, se tal for previsto
na mesma lei, ato formal da autoridade administrativa. Na sua falta, torna-se
inviável a compensação de créditos tributários com debêntures emitidas pela
INVESC, ainda que dotados de poder liberatório pela Assembléia Geral. O
princípio da legalidade estrita, que informa o direito tributário, não admite a
delegação de atribuições privativas da lei à resolução de órgãos colegiados,
mormente do setor privado.
Por
conseguinte, o referido art. 8°, II, padece de ineficácia técnica sintática,
já que depende de lei específica que autorize a compensação.
Então,
se as debêntures da INVESC não constituem meio válido de liquidar o crédito tributário,
seja na modalidade de compensação, seja como dação em
pagamento, não se prestam para a extinção de dívidas tributárias tanto
próprias como as devidas por responsabilidade.
Posto
isto, responda-se à consulente que as debêntures emitidas pela INVESC não constituem
forma válida de liquidação do crédito tributário:
a)
seja na modalidade de compensação, prevista pelo art. 156, II, do CTN;
b)
seja na modalidade de dação em pagamento, prevista no inciso XI do mesmo
artigo.
À superior consideração da Comissão.
Copat, em Florianópolis, 11 de outubro de 2011.
Velocino Pacheco
Filho
AFRE – matr. 184244-7
De
acordo. Responda-se à interessada nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat
na Sessão do dia 27 de outubro de 2011.
A
resposta à presente consulta poderá, nos termos do
art. 11 da Portaria SEF 226/2001, ser modificada a qualquer tempo, por
deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em
decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução
Normativa que adote diverso entendimento.
Marise Beatriz Kempa Francisco de Assis Martins
Secretária Executiva
Presidente da Copat