EMENTA: ICMS. A NORMA TRIBUTÁRIA QUE INSTITUA OU
AUMENTE TRIBUTO SOMENTE ATINGE FATOS GERADORES POSTERIORES À SUA VIGÊNCIA. NO
CASO DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA DE OPERAÇÕES SUBSEQÜENTES, O RECOLHIMENTO
ANTECIPADO DO IMPOSTO REFERE-SE A FATOS GERADORES FUTUROS. PORTANTO É LEGÍTIMA
A RETENÇÃO DO IMPOSTO SOBRE BASE DE CÁLCULO ESTIMADA CONFORME AS REGRAS DO
CONVÊNIO ICMS 131/01, DESDE 1° DE JANEIRO DE 2002, PORQUE OS FATOS GERADORES
CORRESPONDENTES AINDA NÃO OCORRERAM.
CONSULTA Nº: 12/03
PROCESSO Nº: GR01 6622/02-0
01 - DA CONSULTA
A
consulente em epígrafe é empresa estabelecida neste Estado como distribuidora
de produtos derivados ou não de petróleo, combustíveis e lubrificantes líquidos
e gasosos. Noticia o seguinte:
“Em
31 de dezembro de 2001 foram publicados no Diário Oficial da União, dentre
outros relativos ao ICMS, o Convênio ICMS n° 131/2001. que definiu as margens
de valor agregado (MVA) a serem utilizadas para determinação da base de cálculo
do ICMS devido por substituição tributária no período de 1° a 9 de janeiro de
2002.
Em
9 de janeiro de 2002 foram publicadas no D. O. U. sob o título de retificação
novas tabelas do Convênio ICMS n° 131/2001. Em síntese, o efeito dessa
publicação foi o aumento das MVA’s, implicando em elevação da carga tributária incidente
sobre a gasolina automotiva e óleo diesel.
Por
volta de 21 de janeiro de 2002, o substituto tributário – Petrobrás Petróleo
Brasileiro S. A. – começou a emitir notas fiscais complementares contra seus
clientes com o objetivo de cobrar a diferença de ICMS-ST pela aplicação
retroativa a 1° de janeiro de 2002 da retificação das tabelas do Convênio ICMS
n° 131/2001. Ressalte-se que o substituto tributário calculou e recolheu os
ICMS- ST aos cofres do Estado considerando que as novas tabelas, levadas a
público somente em 9 de janeiro de 2002, seriam aplicáveis sobre as operações
mercantis realizadas desde a data de 1° de janeiro de 2002.
Considerando
o princípio da irretroatividade da norma tributária, consagrado no artigo 150,
III, ‘a’ da Constituição Federal e nos artigos 105 e 106 da Lei n° 5.172/66
(Código Tributário Nacional), pelo qual é vedado à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios cobrar tributos em relação a fatos geradores
ocorridos antes do início de vigência da norma que os houver instituído ou
aumentado, a Consulente não reconheceu tais cobranças complementares efetuadas
por seu fornecedor como devidas, não tendo efetuado o respectivo pagamento.”
Com
base nos fatos acima relatados, a consulente formula os seguintes questionamentos:
1. qual o início da vigência das tabelas introduzidas pela
republicação do Convênio ICMS n° 131/01, ocorrida em 9 de janeiro de 2002?
2. caso entenda como indevida a aplicação da tabela publicada em
9 de janeiro de 2002, retroativamente a 1° de janeiro de 2002, que procedimento
deverá adotar o substituto tributário para ressarcir-se dos valores
indevidamente recolhidos?
A
autoridade fiscal, em suas informações de estilo, manifesta-se favoravelmente
ao entendimento da consulente, expressando-se nos termos seguintes:
“Efetivamente,
analisando o Convênio ICMS n° 131/01 constatamos que o mesmo foi aprovado em 7
de dezembro de 2001 e publicado no DOU ainda no mesmo ano, ou seja, no dia 29
de dezembro de 2001.
No
seu artigo 6° consta que o Convênio teria vigência a partir de 1° de janeiro de
2002 o que estaria correto desde que tivesse havido a publicação correta e na
íntegra ainda em 2001.
Ocorre
que a retificação publicada no DOU em 9 de janeiro de 2002 alterava e
complementava os índices constantes do Convênio e que foram publicados em 2001,
aumentando os percentuais de margem de lucro a serem utilizados na apuração do
ICMS devido por substituição tributária.
Isto
posto, entendo que os percentuais fixados no Convênio e que forma publicados
sob a forma de retificação, no dia 9 de janeiro de 2002, não podem retroagir ao
dia 1 ° de janeiro, mas sim, passam a vigorar a partir da data de sua
publicação no DOU.”
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Constituição
Federal, art. 150, III, “a”, § 7°;
Código
Tributário Nacional, arts. 103, III, 105, 106, 116 e 128;
Lei
Complementar n° 87/96, art. 6°, § 1°;
Convênio
ICMS n° 131/01, cláusula sexta.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
A
questão levantada pela consulente reporta-se à aplicação da norma tributária
que, conforme disposição contida no art. 150, III, “a”, da Constituição
Federal, veda expressamente a cobrança de tributos “em relação a fatos
geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver
instituído ou aumentado”.
O
Código Tributário Nacional (art. 105), a seu turno, estabelece que “a
legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores
futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido
início mas não esteja completa nos termos do art. 116”. O dispositivo referido
diz que, “salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato
gerador e existentes os seus efeitos:
I
– tratando-se de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem as
circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente
lhe são próprios;
II
– tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja
definitivamente constituída, nos termos do direito aplicável”.
A
aplicação, pela autoridade judicial ou administrativa, da norma tributária ao
caso concreto permite ao Estado exigir do contribuinte o adimplemento do
tributo. Se houver perfeita correspondência entre a situação fática observada e
a descrição hipotética contida no antecedente endonormativo, o tributo poderá
ser exigido. Conforme abalizado magistério de Bernardo Ribeiro de Moraes
(Compêndio de Direito Tributário, vol. 2, 1994, p. 171):
“Tal
aplicação consiste numa operação lógica, assumindo a forma de um silogismo,
passando-se por dedução, do abstrato ao concreto, do geral ao particular. A premissa
maior é representada pela norma genérica que a lei estabelece; a premissa
menor, pelo caso concreto; e a conclusão, pela conseqüência jurídica
da decisão (decide se a norma encontrada é ou não aplicável à situação fática
concreta). Há, no caso, uma subsunção, ou melhor, uma sujeição de fato à norma
jurídica tributária.”
A
regra do art. 105 determina que a norma tributária aplica-se apenas ao fatos
geradores futuros e aos pendentes. Isto significa que a norma não poderá
retroagir para atingir fatos geradores já ocorridos (ou que já tenham se
completado) no momento da entrada em vigor da norma. A norma tributária somente
retroage, atingindo os fatos geradores passados (completos), nas hipóteses
elencadas no art. 106, a saber:
a)
lei expressamente interpretativa (o que não é o caso);
b)
lei que imponha sanção, se mais benéfica ao contribuinte (o que também não é o
caso).
Por
outro lado, leciona Valdir de Oliveira Rocha (Comentários ao Código Tributário
Nacional, vol. 2, coordenado por Ives Gandra S. Martins, 1998, p. 55):
“Regra
geral a lei dispõe para o futuro, até como decorrência do princípio da
irretroatividade da lei tributária. Todavia, não é qualquer lei que disponha
sobre matéria tributária que sofre a vedação da irretroatividade, mas apenas
aquela que institua ou aumente tributo. Já tive ocasião de afirmar que:
‘A
lei tributária pode retroagir, em certas circunstâncias; nem se poderia falar
de anistia ou de remissão, não fosse em relação a fatos ocorridos antes do
início da vigência da lei que as conceda. A Constituição de 1988 afasta
qualquer dúvida quanto à possibilidade de concessão de anistia ou remissão
tributárias, mas exige ‘lei específica, federal, estadual ou municipal (art.
150, § 6°)’.’
A
lei pode, portanto, em certas circunstâncias, voltar-se a atos ou fatos
passados.”
A
norma tributária em questão está contida no Convênio ICMS n° 131/01. Como
vimos, a norma, que institui ou aumenta tributos, aplica-se aos fatos geradores
que ocorrerem posteriormente ao início da sua vigência ou aos que não se
completaram, nos termos do art. 116. Ora, ao contrário das leis que, salvo
disposição em contrário, começam a vigorar 45 (quarenta e cinco) dias após a
publicação (Decreto-lei n° 4.657/42, art. 1°) ou dos atos administrativos, que
entram em vigor na data de sua publicação (CTN, art. 103, I), os convênios que entre si celebrarem a União, os Estados,
o distrito Federal e os Municípios entram em vigor na data neles prevista
(art. 103, III). A cláusula sexta do Convênio ICMS n° 131/01 dispõe que
“produzirá efeitos a partir de 1° de janeiro de 2002”. Esta data deve ser
entendida como o marco de início da vigência do convênio (vigência: ter
eficácia, ou seja, produzir efeitos).
O
Convênio ICMS n° 131/01 altera a base de cálculo do imposto retido por
substituição tributária. No caso de majoração do tributo, somente podem ser
alcançados os fatos geradores ocorridos posteriormente à entrada em vigor do
convênio ou aos fatos geradores que, nessa data, ainda não se tenham completado
nos termos do art. 116. Devemos portanto examinar o instituto da substituição
tributária para determinar quais os fatos geradores que podem ser atingidos
pela disposição convencional.
O
instituto da substituição tributária está previsto no § 7° do art. 150 da Lei
Maior. Com efeito, o dispositivo citado estabelece que “a lei poderá atribuir a
sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo
pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer
posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia
paga, caso não se realize o fato gerador presumido”.
Por
sua vez, o art. 128 do Código Tributário Nacional dispõe que “a lei pode
atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira
pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a
responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo
do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”.
Já
o art. 6° da Lei complementar n° 87/96 dá o seguinte tratamento à substituição
tributária em matéria de ICMS: “a lei estadual poderá atribuir a contribuinte
do imposto ou a depositário a qualquer título a responsabilidade pelo seu
pagamento, hipótese em que o contribuinte assumirá a condição de substituto
tributário”. Acrescenta ainda o § 1° do mesmo artigo que “a
responsabilidade poderá ser atribuída em relação ao imposto incidente sobre uma
ou mais operações ou prestações, sejam antecedentes, concomitantes ou subseqüentes,
inclusive ao valor decorrente da diferença entre alíquotas interna e
interestadual nas operações e prestações que destinem bens e serviços a
consumidor final localizado em outro Estado, que seja contribuinte do imposto”.
O
Convênio ICMS n° 131/01 trata precisamente da estimativa da base de cálculo do
fato gerador presumido, nas operações com combustíveis e lubrificantes,
derivados ou não de petróleo. A substituição tributária nas operações
subseqüentes, diferentemente das operações antecedentes e concomitantes,
envolve a antecipação do recolhimento do imposto relativo a fato gerador que a
lei presume que irá ocorrer em dado momento no futuro. A esse respeito leciona
Marco Aurélio Greco (Substituição Tributária: antecipação do fato gerador,
2001, pp. 25 e 26):
“O
dispositivo constitucional mencionado, ao contemplar a cláusula de
vinculação a um fato gerador de ocorrência posterior, prevê uma figura que
já mereceu análise da doutrina no Direito Tributário sob a denominação de
‘antecipação do fato gerador’. Neste sentido cabe lembrar o estudo de A. R.
Sampaio Dória, que, embora afirme tratar-se de técnica legislativa esdrúxula,
conclui pela sua constitucionalidade ao dizer que ‘trata-se, antes, de opção
válida do legislador’. Essa figura, no dizer desse autor, tem por
característica ser ‘resultante de opção legislativa, que selecionou como
tributável uma fase preliminar de exteriorização de um dado fenômeno
econômico.”
“Sublinhe-se
que o fato qualificado para fins de deflagrar o recolhimento deve ser fase
preliminar do fenômeno, econômico ou jurídico, que compõe a materialidade
da competência tributária constitucional prevista, e não necessariamente do
fato gerador do tributo.”
“Neste
ponto é fundamental a distinção entre pressuposto de fato e fato gerador.
O primeiro consistente na parcela da realidade, econômica ou jurídica, que o
tributo visa a alcançar; enquanto o segundo corresponde apenas ao evento
concreto, denotador do pressuposto de fato, que a lei escolheu como deflagrador
da exigência fiscal. A Constituição Federal, ao discriminar as competências
tributárias, está efetivamente, descrevendo a materialidade dos pressupostos
de fato que podem ensejar a exigência fiscal.”
“O
pressuposto de fato tem características próprias, distintas do fato gerador,
embora um deva ser compatível como o outro. Assim, por exemplo, o pressuposto
de fato deve corresponder a certa manifestação de capacidade contributiva. Por
outro lado, somente poderá ser escolhido como fato gerador um evento que
indique a existência do pressuposto de fato.”
A
substituição tributária é modalidade de responsabilidade em que o contribuinte,
ou seja, aquele que “tenha relação pessoal e direta com a situação que
constitua o respectivo fato gerador “ (C. T. N., art. 121, parágrafo único, I),
é substituído por “terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da
respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou
atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da
referida obrigação” (art. 128). É importante salientar que, ao contrário da
responsabilidade por transferência, no caso de substituição tributária a
relação jurídica tributária já nasce em relação ao substituto. Embora o
fato gerador se refira ao substituído, o imposto é obrigação
originária do substituto.
No
caso do Convênio n° 131/01 a substituição tributária se dá em relação a fato
gerador ainda não ocorrido (operação subseqüente) que a lei presume que vai
ocorrer. Trata-se de antecipação de imposto, calculado sobre base de
cálculo estimada. Portanto, não há que se falar em retroatividade do
aludido convênio, uma vez que, tratando-se de retenção de imposto devido por
substituição tributária (i. e. antecipação do imposto), refere-se a fato
gerador futuro (presumido), ou seja, posterior ao início da vigência do
convênio.
Isto
posto, responda-se à consulente:
a)
a norma tributária que institua ou majore tributos somente pode atingir fatos
geradores posteriores ao início da sua vigência (CF, art. 150, III, a);
b)
os convênios entram em vigor na data neles prevista (CTN, art. 103,
III);
c)
o Convênio ICMS n° 131/01 trata de substituição tributária de operações
subseqüentes, ou seja, de antecipação de recolhimento do imposto
relativo a fato gerador futuro;
d)
é legítima a exigência do imposto sobre a base de cálculo estimada segundo as
regras do Convênio ICMS n° 131/01 porque o imposto retido antecipadamente
refere-se a fatos geradores presumidos e, portanto, posteriores à vigência do
convênio.
À superior consideração da
Comissão.
Getri,
em Florianópolis, 7 de janeiro de 2003.
Velocino Pacheco Filho
FTE - matr. 184244-7
De
acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat
na Sessão do dia 7 de abril de 2003.
Laudenir Fernando Petroncini
Anastácio Martins
Secretário Executivo
Presidente da Copat