ESTADO DE SANTA CATARINA |
SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA |
COMISSÃO PERMANENTE DE ASSUNTOS TRIBUTÁRIOS |
RESPOSTA CONSULTA 102/2019 |
N° Processo | 1970000024063 |
ICMS. OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS. ENTREGA DE PRESENTES DIRETAMENTE
PELO FORNECEDOR. O REGULAMENTO DO ICMS
DE SANTA CATARINA NÃO TRATA DA EMISSÃO DE DOCUMENTO FISCAL EM OPERAÇÕES DE
SAÍDA DE MERCADORIA PAGA POR ADQUIRENTE E ENTREGUE A TERCEIRO (PRESENTEADO) EM
LOCAL DIVERSO, AMBOS NÃO-CONTRIBUINTES DO IMPOSTO ESTADUAL. ALÉM DISSO, NÃO
AUTORIZA A OCULTAÇÃO DO VALOR DO PRODUTO NA NOTA FISCAL. POR ISSO,
(1) A consulente,
com fulcro no art. 1º, do Anexo 6, do RICMS/SC, pode solicitar um regime
especial para tratar da obrigação acessória nas saídas de presentes;
(2) Não cabe o
diferencial de alíquota no caso de o comprador estar localizado em SC e o
presenteado em outra UF, haja vista que o presenteador é o consumidor final e o último, mero donatário.
A consulente é empresa do ramo varejista do comércio de móveis. Relata que efetua vendas de
forma presencial e por e-commerce e que uma das modalidades é a entrega de
presentes, em que o presenteado recebe o produto dado pelo comprador, porém o
comprador não deseja que o presenteado saiba os valores dos itens que recebe de
presente.
Informa que, pelos §§ 28 e 29 do Ajuste SINIEF nº 01/2014,
deve-se colocar o nome do presenteado e o endereço de entrega nas informações
complementares, para entrega em local diverso, todavia, sem omitir o valor da
operação.
Aduz que o Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo
prevê, em seu artigo 458, do Livro III, a internalização do Ajuste, o que não é
encontrado no Regulamento deste Estado.
Dito isto, indaga:
1) Se poderia
emitir uma NF de faturamento normal (CFOP 5102/6108) para o comprador e outra
nota (CFOP 5949/6949), indicando o presenteado, como destinatário da
mercadoria, sem o valor, referenciando em ambas as notas os dados da operações;
2) Se é devido o
diferencial de alíquotas quando o comprador for de SC e o presenteado esteja
localizado em outro estado;
3) Quais os
procedimentos devem ser adotados, caso não possa utilizar o descrito em (1).
É o relatório, passo à análise.
Ajuste SINIEF nº 01/2014;
RICMS-SC, aprovado pelo Decreto 2.870, de 27 de agosto de
2001, art. 26, § 4º; Anexo 6, art. 1º.
A consulta versa sobre o Ajuste SINIEF 1/2014, que alterou
o Convênio S/N de 1970 incluindo normas relativas ao procedimento de entrega de
mercadorias ao destinatário não-contribuinte do imposto em local diverso
(qualquer um de seus domicílios ou em domicílio de outra pessoa). Trata-se de
regramento ainda não internalizado em nosso ordenamento tributário. Dessa maneira, não cabe a aplicação dos
procedimentos dispostos nesse diploma legal, que resolveria, de pronto, o
questionamento em tela.
Vislumbra-se, assim, o uso da analogia como método de
integração, consoante o disposto no art. 108 do CTN.
Desponta, a princípio, o tratamento dado às operações de
venda triangular para contribuinte consumidor final pelo Regulamento, deitada
suas regras nos artigos 41 a 43 do Anexo
6. São as denominadas venda à ordem. Nessas situações, o fornecedor vende para
o adquirente originário, que manda entregar para outro agente, o destinatário
final.
A COPAT
010/2009 explica, de forma sucinta, esse tipo de operação:
Para que se caracterize venda à ordem, devem ser
atendidos três pressupostos básicos:
1 - a propriedade da mercadoria é da empresa A;
2 - a empresa B detém a posse da mercadoria;
3 - a empresa "A" promove a alienação da
mercadoria, sem que esta transite pelo seu estabelecimento, para a empresa
"C", sendo a entrega efetuada por quem detém a sua posse (empresa
"B"), por conta e ordem do detentor da sua propriedade (empresa
"A").
Em outras palavras, na venda à ordem o adquirente original
compra a mercadoria do fornecedor remetente, ambos contribuintes do ICMS, e
manda entregar ao cliente final, não-contribuinte.
De igual maneira, na situação descrita pela consulente, a
mercadoria transita direto do estabelecimento fornecedor ao destinatário final. Todavia, diferenciam-se por dois motivos: (1) o cliente final
(presenteado) e o adquirente são
não-contribuintes; (2) ocorre somente uma operação de compra e venda, entre a
empresa vendedora e o adquirente (quem dará o presente).
Diante disso, e por falta de substrato jurídico que atenda
ao Ajuste SINIEF 01/2014, cabe perquirir o ordenamento jurídico fiscal de Santa
Catarina. O próprio Regulamento do ICMS de Santa Catarina permite, em seu art.
1º, do Anexo 6, que a consulente
solicite um regime especial, para casos especiais em que o tipo de operação
realizado impossibilite o cumprimento da obrigação acessória. In verbis:
Art. 1° Nos casos
em que as peculiaridades da organização do contribuinte possam suprir
plenamente as exigências fiscais e nos casos em que a modalidade das operações
realizadas impossibilite o cumprimento de obrigação tributária acessória,
poder-se-á adotar regime especial que concilie os interesses do fisco com os do
contribuinte.
§ 1° O regime especial poderá versar sobre:
I - disposições relativas a obrigações acessórias
previstas na legislação;
II - situações específicas previstas expressamente neste
regulamento.
§ 2° Os regimes especiais serão concedidos:
I - pelo Gerente Regional da Fazenda Estadual, nos casos
expressamente previstos na legislação;
II pelo Gerente de Fiscalização, quando se tratar de
obrigação acessória cujo objeto for atividade relacionada ao uso do equipamento
Emissor de Cupom Fiscal - ECF;
III pelo Diretor de Administração Tributária ou pelo
Secretário de Estado da Fazenda, nos demais casos.
Quanto à segunda questão suscitada, impende destacar que a circulação de
mercadorias, no âmbito do ICMS, é a jurídica. Desta sorte, somente incide o
imposto estadual na transferência de domínio da mercadoria do vendedor para o
adquirente.
PAULO DE BARROS
CARVALHO (Direito Tributário, Linguagem e Método. Ed. Noeses : São Paulo, 5ª
ed., p. 736), ao densificar o critério material da regra-matriz de incidência
do principal tributo estadual´, deixa claro que:
O direito, ao criar suas próprias realidades, atribui à
expressão operações de circulação de mercadorias o significado de
transferência de sua titularidade. Do mesmo modo, ao tributar as operações
de importação de mercadorias refere-se à aquisição de tais bens por sujeito
estabelecido ou domiciliado no país, não sendo seu ingresso físico bastante, em si mesmo, para a caracterização
do fato jurídico tributário.
E, na lição lapidar de ROQUE ANTONIO CARRAZA (ICMS, 15ª
ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2011, p. 53-54):
Deveras, só quando há transferência da titularidade das mercadorias (o domínio ou a posse indireta, como exteriorização da propriedade é que o fato imponível do ICMS se verifica. Do contrário inocorre alteração da titularidade da res, verifica-se apenas a saída física da mercadoria.
[...]
Em suma, o dever de pagar ICMS só nasce com a mudança de titularidade do domínio ou da posse ostentatória da propriedade (posse autonôma, despida de título de domínio hábil) da mercadoria, que, como já escrevemos, é um bem móvel preordenado à prática dos atos de comércio.
Quer dizer, estando o comprador em SC e a pessoa que
receberá o presente em outro ente, ocorrerá o fato gerador jurígeno somente na
transferência dominial do objeto entre o fornecedor e o adquirente, pois o ato
seguinte (dar o presente) não ocorre mais com uma mercadoria, mas, pela
natureza jurídica do presente, com um bem fora de comércio, não sujeito ao
ICMS.
A propósito, presente pode ser considerado uma doação, pois
atende aos seguintes requisitos, explicitados por PABLO STOLZE GAGLIANO (O
contrato de doação: análise crítica do atual sistema jurídico e os seus efeitos
no Direito da Família e das Sucessões, 4ª ed. São Paulo : Saraiva, 2014, pp. 35-47):
1. Unilateralidade,
pelo fato de não haver uma contraprestação de quem recebe o presente;
2. Formalismo
excepcionado, pelo fato de a consulente, empresa de comércio eletrônico,
provavelmente negociar bens móveis, de pequeno valor;
3. Ânimo de doar,
pela vontade de beneficiar patrimonialmente o presenteado;
4. Gratuidade,
porquanto o presenteado experimenta o aumento patrimonial apenas em virtude de
liberalidade da outra parte.
Destarte, o que ocorre é uma compra e venda seguida de uma
doação, com entrega direta ao destinatário final. No primeiro caso, envolve uma
mercadoria, pois a coisa é um objeto de comércio, que deixa de sê-la com o ato
de presenteamento (doação) pelo adquirente.
Em relação ao conceito de mercadoria, recorremos novamente
aos ensinamentos de PAULO DE BARROS CARVALHO (Direito Tributário, Linguagem e
Método, 7ª ed., São Paulo : Ed. Noeses, p. 756):
O étimo do termo mercadoria está no latim mercatura,
significando tudo aquilo susceptível de ser objeto de compra e venda, isto é, o
que se comprou para pôr à venda. Evoluiu de merx, mercis (sobretudo no plural:
merces, mercium), referindo-se ao que é objeto de comércio, adquirindo, na
atualidade, o sentido de qualquer objeto natural ou manufaturado que se possa
trocar e que, além dos requisitos comuns a qualquer bem econômico, reúna outro
requisito extrínseco, a destinação ao comércio. Não se presta ao vocábulo para
designar, nas províncias do direito, senão coisa móvel, corpórea, que está no
comércio
Dessa forma, a doação retira o atributo de mercadoria da coisa
doada.
Sobre o tema, JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO (ICMS: Teoria e
Prática, 8ª ed. São Paulo : Dialética, 2005, p. 33) sinteticamente explica que
há fundamento para desconsiderar as doações da hipótese de incidência do
ICMS, em razão desse negócio implicar manifesta ausência de capacidade
contributiva, além do fato de não se tratar de efetiva mercadoria, diante da ausência de transação
mercantil.
Conclui-se, então, que a consulente deve remeter duas
notas: a primeira, para o consumidor final, isto é, ao adquirente da
mercadoria, com o ICMS destacado, e a segunda para o presenteado, sem o
destaque do tributo. O tratamento em relação aos CFOPs deve ser especificado no
pedido de concessão de TTD, e a aplicação da alíquota independe da localização
do presenteado.
Tão evidente esse raciocínio que, não por outra razão, foi
a solução dada por vários estados (RJ: art. 48, Anexo III da Parte II da
Resolução SEFAZ nº 720/14; SP: art. 458 do RICMS/SP; ES: art. 416 do RICMS/ES;
SE: art. 529 do RICMS/SE; etc) ao regulamentar os procedimentos especiais de
obrigação acessória em relação aos brindes e presentes. Não estamos lidando com
silêncio eloquente do administrador ou legislador catarinense, mas de mero
lapso na incorporação das normas complementares do art. 96 do Código Tributário
Nacional à legislação tributária estadual.
Ressalte-se, mais uma vez, que para efetuar esse
procedimento, deve primeiramente requerer autorização de regime especial de
obrigação acessória.
Diante do exposto, proponho que se responda à consulente
que, na ausência de regramento quanto à emissão de nota fiscal para entrega de
presentes:
(1) A consulente,
com fulcro no art. 1º, do Anexo 6, do RICMS/SC, pode solicitar um regime
especial para tratar da obrigação acessória nas saídas de presentes por conta e
ordem de terceiro;
(2) Não cabe o
diferencial de alíquota no caso de o comprador estar localizado em SC e o
presenteado em outra UF, haja vista que o presenteador é o consumidor final e o último, mero donatário.
É o parecer que submeto à elevada apreciação da Comissão
Permanente de Assuntos Tributários.
Nome | Cargo |
FRANCISCO DE ASSIS MARTINS | Presidente COPAT |
CAMILA CEREZER SEGATTO | Secretário(a) Executivo(a) |
Data e Hora Emissão | 16/12/2019 17:49:13 |