EMENTA: ICMS - LOCADORA
DE VEÍCULOS. ALIENAÇÃO OCASIONAL DE BENS DO ATIVO FIXO. ATO DE COMÉRCIO.
DESCARACTERIZAÇÃO.
- AO VENDER BENS INTEGRANTES DO SEU ATIVO FIXO, A EMPRESA QUE TEM POR
FINALIDADE ATIVIDADE DIVERSA DA DE COMPRA E VENDA, NÃO PODE ESTAR SUJEITA AO
PAGAMENTO DESSE IMPOSTO, SALVO SE VIER A EXERCER TAL ATIVIDADE COM
HABITUALIDADE E COM O FITO DE LUCRO.
- PARA EFEITO DE INCIDÊNCIA DO ICMS, SOMENTE SE ENTENDE COMO MERCADORIA (CUJA
CIRCULAÇÃO CONSTITUI A HIPÓTESE DE
INCIDÊNCIA) O OBJETO OU COISA ADQUIRIDA PELO COMERCIANTE PARA SERVIR AO
OBJETIVO DE SUA MERCANCIA.
- NÃO CONSTITUINDO MERCADORIA, NA DEFINIÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA, O ICMS
NÃO INCIDE NA OPERAÇÃO DE VENDA DO ATIVO FIXO, UMA VEZ QUE NÃO FOI ADQUIRIDO
PARA SER VENDIDO, COMO OBJETO DO NEGÓCIO DA EMPRESA.
CONSULTA Nº: 58/97
PROCESSO Nº:
PSEF-53766/96-2
01 - DA CONSULTA
A consulente, operando no ramo de locação de veículos e
tendo como atividade secundária a venda de veículos usados, em virtude da
necessidade de renovação de sua frota, indaga que procedimento, em termos
fiscais, deverá adotar quando:
a) vender veículos próprios
registrados há mais de 12 meses no ativo imobilizado da empresa;
b) vender veículos próprios
registrados há menos de 12 meses no ativo permanente.
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
- Constituição Federal, art. 155, II;
- Decreto-lei n° 406, de 31/12/68, arts. 1°, I; 6° e 8°, § 1°;
- Lista de serviços anexa à Lei Complementar n° 56, de 15/12/87, item 79;
- Lei n° 7.547, de 27/01/89, arts. 2°; 3°, V e 25;
- Lei Complementar n° 87, de 13/09/96, arts. 2°, I e 4°, caput
- Lei n° 10.297, de 26/12/96, arts. 2°, I; 4°, I e 8°, caput.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
Antes que passemos a tentar
dirimir a dúvida suscitada pela consulente - que em última instância se resume
em saber se incide ou não o ICMS nas saídas de veículos usados que pretende
promover - faz-se necessário que conceituemos de forma clara os termos mercadoria
e ativo imobilizado, que no presente contexto estão intrinsecamente ligados.
Como se sabe, nos termos da
Constituição Federal (art. 155, II) e da Lei Complementar n° 87/96 (art. 2°,
I), o ICMS recai sobre operações relativas à circulação de mercadorias,
de sorte que indispensável se torna saber no conceito universal e do direito
brasileiro, o que seja mercadoria. De acordo com o artigo 110 do CTN, a
lei tributária não pode se afastar do conceito que o direito privado dá a este
termo.
Ora, mercadoria tem seu
conceito muito bem definido no direito comercial. De forma genérica,
poder-se-ia dizer que um mesmo objeto pode ser coisa em mãos de uma pessoa e
mercadoria em mãos de outra. É que a própria palavra mercadoria põe de
manifesto seu destino ao mercado e, assim, será coisa o objeto destinado para
fim de consumo e mercadoria o destinado à especulação através da revenda.
Carvalho de Mendonça (Tratado de Direito Comercial,
vol. V, pgs 10 e 28) a propósito, esclarece: a coisa, enquanto se acha na
disponibilidade do industrial, que a produz, chama-se produto manufaturado ou
artefato; passa a ser mercadoria logo que é objeto de comércio do produtor ou
do comerciante por grosso ou a retalho que a adquira para revender a outro
comerciante ou a consumidor; deixa de ser mercadoria logo que sai da circulação
comercial e se acha no poder do consumidor.
.....................
A mercadoria está, portanto, para a coisa, como a espécie para o gênero. Todas
as mercadorias são necessariamente coisas; nem todas as coisas, porém, são
mercadorias. Não há, como se vê, diferença de substância entre coisa e
mercadoria; a diferença é de destinação.
Também Fran Martins: chama-se mercadoria às coisas
móveis que os comerciantes adquirem com a finalidade específica de revender.
Daí conceituar um tratadista as mercadorias como “coisas móveis, consideradas,
como objeto de circulação (Carvalho de Mendonça - Tratado, vol. V, 1ª parte,
p.28). Desse conceito se conclui que não se consideram mercadorias os imóveis e
as coisas móveis fora do comércio” (in Curso de Direito Comercial,
p. 144).
Ora, se tanto a Lei Complementar
como a Constituição referem-se à circulação de mercadoria, é de concluir-se que
dois são os elementos para que ocorra o fato gerador do imposto (ICMS): a)
que seja uma mercadoria; b) que esta mercadoria circule.
A pergunta, portanto, que deve
ser respondida, é a seguinte: os veículos que a consulente vende após certo
período de uso em suas atividades, são considerados mercadorias? Em outras
palavras: qual é a finalidade específica desses veículos quando de suas
aquisições pela empresa?
A própria consulente afirma que o
principal objetivo social da empresa é a locação de veículos, sendo que o
objetivo secundário é a venda de veículos usados, em virtude da necessidade de
se renovar a frota, após determinado período de tempo.
É fácil concluir, assim, que tais
veículos se destinam à manutenção da atividade principal da empresa, isto é,
são utilizados como meio para atingir seu objetivo social que, frise-se, é a
locação e não venda. Todos os bens de vida útil longa, que não se destinam a priori
à comercialização e que são aproveitados na consecução da atividade operacional
da empresa (auferição de lucro através de sua utilização, no caso, na prestação
de serviço de locação) são classificados como ativo fixo ou permanente.
Genericamente este é considerado
como sendo formado pelas aplicações de recursos feitas com a intenção de
produzirem receitas, benefícios e utilidades pela sua manutenção dentro da
empresa ou pela utilização de sua capacidade de produção. Devem ainda esses
ativos, para poderem ser assim considerados (permanentes), ter vida útil econômica
superior a um ano e serem capazes de produzir lucros ou benefícios que cubram
seu custo de aquisição.
É exatamente o caso dos veículos
em questão.
Ora, os bens do ativo fixo não se
confundem com mercadorias, pois que, só estas são destinadas necessariamente ao
comércio.
Nesse sentido, leciona Hamilton
Dias de Souza (in Caderno de
Pesquisas Tributárias, vol. 3°, pgs. 245 e 246):
Para arrematar, vale insistir que o conceito de mercadoria
é antes subjetivo que objetivo. O bem adquirido com a finalidade de ser
vendido, ainda que depois de industrializado, é mercadoria. Não o é,
entretanto, aquele que é comprado para compor o ativo fixo e depois é
vendido.
Oportunas são as palavras de Plácido e Silva, o qual
preleciona que “tecnicamente, portanto, somente se denomina mercadoria o objeto
ou a coisa adquirida pelo comerciante ou mercador para servir de objeto de seu
comércio, isto é, para ser revendido”.
E continua:
Vale salientar que, sobretudo nas vendas ou
transferências de bens do ativo fixo, fica caracterizado o conceito que
esposamos, pois o ICM não incide por não se tratar de mercadoria. Não
interessa, para efeitos puramente jurídicos, que o bem tenha permanecido no
imobilizado um único dia ou anos. O que importa é verificar se o bem foi
adquirido para ser vendido, como objeto do negócio da empresa.
Parece não haver dúvida,
portanto, que para efeito da incidência do ICMS, somente se entende como
mercadoria (cuja circulação constitui o fato imponível) o objeto ou coisa
adquirida pelo comerciante para servir ao objetivo de sua mercancia. Não
constituindo mercadoria, na definição da legislação tributária, o imposto não
pode incidir na operação de venda ou transferência do ativo fixo, desde que não
foi adquirido para ser vendido, como objeto do negócio da empresa.
Os veículos que a consulente
adquire, o são com o intuito claro de se extrair uma renda de seu uso, através
da locação e não com o objetivo de serem revendidos, ainda que isso venha a
acontecer com relativa freqüência em virtude exclusivamente das características
específicas do negócio que a mesma pratica.
Isto significa dizer que, se como
afirma Carvalho de Mendonça é a destinação que distingue o gênero (bem) da
espécie (mercadoria), não é o fato desses veículos serem vendidos, em caráter
circunstancial, que transforma esses bens do ativo imobilizado em mercadorias,
mesmo que isso ocorra eventualmente antes de transcorrido o período de 12
meses, justamente porque a venda, no caso, não se insere na atividade
profissional do comerciante e não é realizada com o fito de lucro.
A verdade é que a consulente não
tem por finalidade a prática de atos de comércio, mas sim a realização de
operações de prestação de serviço.
Não é demais lembrar que a
atividade mercantil da consulente se insere no item 79 da lista de serviços
anexa à Lei Complementar n° 56/87 fato que, por si só, afasta de pronto a
incidência do ICMS, a teor do disposto no art. 8°, § 1° do Decreto-lei n°
406/68, ainda em vigor.
As vendas que a consulente vier a
efetuar de bens de seu ativo fixo serão de natureza ocasional e em função como
visto, da própria natureza de sua atividade. A renovação da frota de veículos,
no caso, é uma necessidade para a própria
sobrevivência do negócio praticado.
Poder-se-ia argumentar, ainda,
que essa freqüente substituição do imobilizado mascararia, na realidade, uma
verdadeira habitualidade na prática de atos de comércio, suficiente, portanto,
para conceituar a consulente como contribuinte do ICMS, conforme dispõe o art.
4° da Lei Complementar 87/96.
Não podemos nos esquecer, no
entanto, que a venda de bem do ativo fixo, no caso, é decorrente do fato do
veículo não mais lhe ser útil a sua atividade, seja porque a exploração desse
tipo de serviço exige a manutenção de uma frota nova e em perfeitas condições
de funcionamento, seja porque não há mais interesse na sua preservação em
função de uma depreciação mais rápida do que em condições normais de utilização
do bem.
Em síntese, as operações
relativas à circulação de mercadorias previstas no artigo 155, II da
Constituição da República, dizem respeito, especificamente, às vendas de bens
comumente postos no comércio. A circulação
geradora do tributo diz respeito à impulsionada, provocada pelo contribuinte,
em ritmo de habitualidade para gerar o lucro. No caso sob análise, a
produção de lucro ou benefícios que
cubra o custo de aquisição dos ativos decorre da exploração econômica desse
próprio ativo, via locação, e não da venda, até porque, em tese, a própria
depreciação acelerada desses veículos é um fator limitador à obtenção de lucro
quando da revenda.
A venda esporádica e ocasional,
tal como uma espécie de descarte de algum bem do ativo imobilizado não induz à
incidência do imposto (ICMS). Na verdade, na venda de bens fixos, o vendedor se
equipara a um particular no exercício de seu direito de propriedade, ao
livremente dispor de seus bens, vendendo-os, se assim lhe aprouver.
Desta feita, deve ser respondido
à consulente que:
a) a saída de bem móvel
pertencente ao acervo patrimonial fixo, não coincidente com o produto da empresa,
não se caracteriza como mercadoria circulante e, assim, não é passível de
sofrer a incidência do ICMS, independentemente do fato desse bem permanecer no
ativo por mais ou menos de 12 meses;
b) em qualquer caso, cabe à
consulente demonstrar, se for o caso, que os veículos alienados foram
efetivamente empregados para a prestação de serviços a que originalmente
estavam destinados (locação) e,
c) caso a consulente adquira
veículos com o intuito de revendê-los, sobre essas operações de circulação de
mercadorias incidirá normalmente o ICMS, a teor do que dispõe a legislação
tributária em vigor.
É o parecer que submeto à
comissão.
Gerência de Tributação, em
Florianópolis, 29 de setembro de 1997.
Neander Santos
FTE - Matr. 187.384-9
De acordo. Responda-se a consulta
nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 04/11/1997.
Pedro Mendes Isaura Maria
Seibel
Presidente da COPAT Secretária Executiva