EMENTA: CONSULTA.
ILEGITIMIDADE. NÃO É PARTE LEGÍTIMA PARA A CONSULTA A PESSOA ESTRANHA À RELAÇÃO
JURÍDICA TRIBUTÁRIA QUE SE INAUGURA A PARTIR DA SITUAÇÃO FÁTICA A QUE SE REFERE
A CONSULTA.
ICMS. ARRENDAMENTO MERCANTIL. LEASE BACK. NEGÓCIO QUE NÃO SE CONFUNDE COM A
OPERAÇÃO PELA QUAL O ARRENDADOR ADQUIRE O BEM A SER DADO EM ARRENDAMENTO. O
TRATAMENTO TRIBUTÁRIO DA VENDA DO BEM AO ARRENDADOR NÃO ESTÁ CONDICIONADO À
DISCIPLINA RESERVADA AO ARRENDAMENTO POSTERIOR, DE QUE VENHA A SER OBJETO.
PROCESSO Nº: GR05
24.735/00-0
01. CONSULTA
O consulente, instituição
financeira com filial em Joinville, busca esclarecimentos a respeito do
tratamento tributário a ser dado a operações de arrendamento mercantil, na
modalidade “lease-back”, cujos arrendatários têm sede em Santa Catarina.
Esclarece que nessa modalidade de
arrendamento mercantil, a própria arrendatária vende um bem seu à arrendadora,
para em seguida promover o arrendamento do mesmo bem, “de tal sorte que
continua a dispor, sem solução de continuidade, do bem em suas atividades
produtivas”.
Segundo entende o consulente, “o
‘lease-back’ é uma operação una e indivisível, que tem como essência um
objetivo de natureza financeira, não sendo relevante, ao contrário da operação
típica de “leasing”, a aquisição de direito de uso do bem arrendado, porque
este direito o arrendatário já tem e dele não será privado em razão da
operação”.
Tendo em vista essa unicidade que
caracterizaria o negócio, sustenta o consulente a existência de dúvida por
parte das futuras empresas arrendatárias quanto à incidência do ICMS sobre a
transferência da propriedade do bem ao consulente, posicionando-se
favoravelmente à não incidência do imposto. Tal entendimento, afirma, contaria
com o apoio da doutrina e dos fiscos federal e de alguns Estados.
Requer ao final seja reconhecida
a correção de seu entendimento.
02. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Lei Federal nº 6.099/74, art. 9º;
Lei Estadual nº 3.938/66, arts.
209 e 212;
Portaria SEF nº 213/95, art. 6º.
03. FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
A questão proposta na consulta
não pode ser enfrentada sem uma necessária distinção entre a operação de
arrendamento mercantil e a operação, que a precede, pela qual a empresa
arrendadora adquire a propriedade do bem que arrendará.
O arrendamento mercantil propriamente
dito é, no dizer de Orlando Gomes, o negócio pelo qual “uma instituição
financeira, especializada ou não, concede a um industrial, por longo prazo, o
direito de utilizar máquinas que adquiriu para esse fim, cobrando-lhe aluguel
por esse uso temporário e admitindo que, a certo tempo, declare opção de
compra, pagando o preço residual, isto é, o que fica após a dedução das
prestações até então pagas” (Contratos. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2002. p.462).
Outro, porém, é o negócio pelo
qual o arrendador adquire o bem cujo direito ao uso será concedido ao
arrendatário. Em regra, esse bem é adquirido de terceira pessoa. Pode ocorrer,
porém, de o vendedor do bem ser o mesmo que figurará como arrendatário no
negócio subseqüente. É o que caracteriza o arrendamento na modalidade
denominada “lease-back”, sobre que versa a consulta. Sobre a espécie, diz
Orlando Gomes:
“No lease-back, a sociedade que o aceita compra os
bens de produção de determinada empresa, deixando-os na posse da vendedora, mas
a título de arrendatária, contra pagamento de aluguel. Tal como no leasing
financeiro, reserva-se ao locatário o direito de opção para compra dos
bens, no caso recompra.” (Contratos, cit., p. 464)
O arrendamento na modalidade
“lease-back” está previsto no art. 9º da Lei 6.099, de 12 de setembro de 1974,
que “dispõe sobre o tratamento tributário das operações de arrendamento
mercantil e dá outras providências”. O dispositivo faz referência ao
arrendamento mercantil e à compra e venda do bem arrendado como sendo negócios
distintos e inconfundíveis. Diz o dispositivo:
Art. 9º As operações de arrendamento mercantil
contratadas com o próprio vendedor do bem ou com pessoas jurídicas a ele
vinculadas, mediante qualquer das relações previstas no art. 2º desta lei,
poderão enquadrar-se no tratamento tributário previsto nesta lei.
A circunstância de serem ou não
as mesmas as partes envolvidas nesses dois negócios – compra e venda do bem e
seu posterior arrendamento – não lhes altera as características essenciais.
Seja o vendedor do bem o próprio arrendatário ou terceira pessoa, fato é que
ocorre a transferência da propriedade daquele ao adquirente/arrendador.
Em uma ou outra hipótese o
arrendamento mercantil apresentará os mesmos elementos jurídicos que o
caracterizam, quais sejam, também no dizer de Orlando Gomes, além da aquisição
do bem pelo arrendador para esse fim específico, “a concessão do uso desses
bens contra o pagamento de um aluguel (renda)” e “a faculdade assegurada ao
concessionário do uso das máquinas de adquiri-las, na totalidade ou em parte,
mediante preço convencionado no próprio contrato, deduzidos os pagamentos
feitos a título de aluguel” (Contratos, cit., p. 462-463).
Descabida é, portanto, a
pretendida caracterização do “lease-back” como uma operação una e indivisível,
que, segundo o consulente, por ter natureza financeira, absorveria o negócio
anterior pelo qual se dá a transferência da propriedade do bem ao arrendador.
Como visto, essa confusão entre as duas situações não é possível. A compra e
venda do bem permanece ainda como operação autônoma, independente do
arrendamento posterior do bem, ainda que o arrendatário seja o próprio
vendedor.
A questão já foi objeto de
análise pelo Supremo Tribunal Federal, que em decisão unânime, proferida no
julgamento do Recurso Extraordinário nº 107.979/MG, proferiu acórdão em cuja
ementa se lê:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS
IMÓVEIS (ITBI). OPERAÇÃO DE 'LEASING'. COMPRA E VENDA E ARRENDAMENTO MERCANTIL
DE BEM IMÓVEL. LEI N. 6.099, DE 12.9.1974, QUE DISPÕE SOBRE O TRATAMENTO
TRIBUTÁRIO DAS OPERAÇÕES DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. RESOLUÇÃO N. 351, DE
17.11.1975, DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. 'LEASE BACK.' VENDEDOR DO BEM E
ARRENDATÁRIO, PODENDO EXERCER OPÇÃO DE COMPRA, FINDO O CONTRATO. INTEGRAÇÃO DO
BEM AO ATIVO FIXO DO ARRENDADOR, DURANTE O PRAZO DO CONTRATO. SE EXERCIDA A
OPÇÃO DE COMPRA, O BEM RETORNARÁ AO DOMÍNIO DO ENTÃO ARRENDATÁRIO. COMPRA E
VENDA QUE PRECEDE O ARRENDAMENTO MERCANTIL. É DEVIDO, AÍ, O IMPOSTO DE
TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO JULGADA
IMPROCEDENTE, NÃO TENDO O ACÓRDÃO COMO APLICÁVEL À HIPÓTESE O ART. 116, I, DO
CTN. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 1/1969, ART. 23, I. ALEGAÇÃO DE NEGATIVA DE
VIGÊNCIA DA LEI N. 6.099/1974, QUE NÃO É DE ACOLHER-SE, NA ESPÉCIE, EM FACE DOS
TERMOS DO CONTRATO, ASSIM COMO ANALISADOS NO ACÓRDÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO
NÃO CONHECIDO.
Tal como na presente consulta,
discute-se no referido Recurso Extraordinário
a existência, no arrendamento mercantil, de uma única operação, de
natureza puramente financeira, da qual não resultaria a transferência da
propriedade do bem. No recurso, a hipótese é sustentada pelo recorrente como
suporte a sua pretensão de ver declarada a não incidência do imposto sobre a
transmissão de bens imóveis na venda destes ao arrendador.
A tese é, contudo,
inequivocamente rejeitada pelo acórdão, como o demonstra o seguinte excerto do
voto do Ministro relator, que transcreve os fundamentos da decisão combatida:
“Tudo isso revela, a meu ver, que precedendo o
contrato de arrendamento propriamente dito, outro há de ter lugar, através do
qual o futuro arrendador, então simplesmente comprador, adquire o bem que, em
seguida, dará em arrendamento ao seu financiado. Como falar-se em direito de
opção de compra se o bem, como pretende a autora, é do seu domínio, durante o
arrendamento? A integração dele ao ativo fixo do arrendador é prova de que a
ele pertence, jamais a quem, mero arrendatário, sobre ele tem simples posse.
Exercida a opção, o bem retornará ao domínio da então
arrendatária, integrando-lhe, desde então, o ativo fixo, à força da aquisição.
Imagine-se a aquisição a terceiros (que não é o caso
dos autos) para arrendamento do bem a quem dele necessitar. Poder-se-á
sustentar que o bem continua no domínio do terceiro, se, adquirido pelo
financiador, integrando-lhe o ativo, é por ele arrendado a outrem?”
Logo adiante, concluindo o
raciocínio, e aplicando-o especificamente à hipótese de lease-back, afirma-se:
“Se a compra e venda, como ocorre na espécie, é de bem
imóvel, sobre a operação incide o imposto de transmissão, de competência dos
Estados. Pouco importa que ela integra, obrigatoriamente, o lease-back.
Pouco importa que tudo se faça com o propósito de, por via indireta, injetar-se
capital de giro à empresa. Pouco importa, ainda, que a lei defina o contrato de
arrendamento mercantil nos termos em que o fez, porque uma coisa é ele,
integrado de duas distintas operações, e outra, diversa, é a compra e venda que
lhe deve necessariamente preceder”
Verifica-se, assim, a
improcedência do entendimento do consulente, no sentido de que a venda da
mercadoria ao arrendador deva ser considerada parte da operação de arrendamento
mercantil, e que por isso deveria receber o tratamento tributário apenas a esta
reservado.
Especialmente no que respeita a
seus efeitos no campo tributário, a operação de venda do bem a ser arrendado
tem total autonomia em relação ao posterior arrendamento mercantil. Seu
tratamento tributário não é afetado pelo negócio posterior, realizado com o
mesmo bem.
O consulente, na hipótese dos
autos, realiza o arrendamento mercantil dos bens que adquire com essa
finalidade. A consulta versa, contudo, não sobre o tratamento tributário da
operação de arrendamento, mas sobre a incidência do ICMS sobre a operação
anterior, da qual o consulente, adquirindo o bem que irá arrendar, é apenas
destinatário.
Visando a consulta esclarecimento
acerca da incidência do ICMS sobre a venda de determinado bem ao consulente, e
não sendo este sujeito passivo da obrigação tributária daí originária, deve-se
concluir pela sua ilegitimidade para o questionamento. A Com efeito, não é dado
ao destinatário de determinada operação exigir da administração tributária
manifestação acerca da incidência ou não do ICMS se não é o sujeito passivo
respectivo.
Nesse sentido, estabelecendo a
legitimidade para a formulação de consulta tributária, dispõe claramente o art.
209, da Lei nº 3.938, de 26 de dezembro
de 1966, na redação dada pela Lei nº 11.847, de 20 de julho de 2001, verbis:
Art. 209. O sujeito passivo poderá, mediante petição
escrita dirigida ao Secretário de Estado da Fazenda, formular consulta sobre a
interpretação de dispositivos da legislação tributária estadual.
Parágrafo único. Também
poderão formular consultas:
I - os órgãos da Administração
Pública; e
II - as entidades representativas
de categorias econômicas, sobre matéria de interesse comum de seus
representados.
Nenhuma das hipóteses se verifica
no caso dos autos. A consulta versa sobre a incidência do ICMS sobre a operação
de venda do bem ao arrendador. É este, porém, quem questiona a respeito do
tratamento tributário dessa operação, e não o vendedor que, havendo incidência
do ICMS, será o sujeito passivo da obrigação tributária respectiva.
Sendo, portanto, ilegítima a parte
para a formulação da presente consulta, não
produz ela os efeitos peculiares ao instituto, previstos no art. 212 da
Lei nº 3.938/66.
A impossibilidade da formulação
de consulta por quem não figure como sujeito passivo na situação objeto do
questionamento é afirmada pela Resolução Normativa nº 31, publicada no Diário
Oficial do Estado de 18 de outubro de 2001, que tem a seguinte ementa:
CONSULTA. ILEGITIMIDADE. NÃO É PARTE LEGÍTIMA A PESSOA
ESTRANHA À RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA QUE SE INAUGURA A PARTIR DA SITUAÇÃO
FÁTICA A QUE SE REFERE A CONSULTA. ARQUIVAMENTO NOS TERMOS DO ART. 6° DA
PORTARIA SEF N° 213/95.
Destaca-se do corpo do parecer
que serve de fundamento à Resolução o seguinte trecho, inteiramente aplicável
ao caso dos autos:
“Observa-se de início que a requerente não é parte
legítima para a formulação da consulta em análise. Com efeito, a Lei nº 3.938,
de 22 de dezembro de 1966, ao disciplinar o instituto, estabelece em seu art.
209 que a consulta sobre a interpretação de dispositivos da legislação
tributária estadual poderá ser formulada a) pelo sujeito passivo do tributo, b)
por órgãos da Administração Pública e c) por entidades representativas de
categorias econômicas, neste caso quando se trate de matéria de interesse comum
de seus representados.
Evidentemente, em nenhuma dessas situações enquadra-se
a requerente. As indagações constantes da consulta são todas referentes ao
tratamento tributário recebido por operações realizadas por terceiros, seus
fornecedores. Estes sim, sujeitos passivos da relação jurídica tributária que
eventualmente se instaure em função da realização dessas operações, são parte
interessada e por isso estão legitimados a requerer esclarecimentos sobre a
legislação aplicável.
A consulente, ao contrário, é pessoa estranha à
relação tributária decorrente dos fatos descritos. O fato de ser destinatária
dos produtos objeto daquelas operações não lhe defere o direito de obter do
Estado de Santa Catarina manifestação relativa à interpretação dos dispositivos
aplicáveis.”
Face ao exposto, responda-se ao
consulente:
a) que o questionamento formulado
não preenche os requisitos legais essenciais à caracterização do instituto da
consulta, não produzindo os efeitos que lhe são próprios, previstos no art. 212
da Lei no 3.938/66;
b) que não está correto o
entendimento segundo o qual o “lease-back” é operação una e indivisível, que
abrangeria inclusive a operação de venda do bem arrendado ao arrendador, e cuja
natureza financeira afastaria a possibilidade da incidência do ICMS sobre essa
operação.
É o parecer. À consideração da
Comissão.
Gerência de Tributação, em
Florianópolis, 12 de fevereiro de 2003.
Laudenir Fernando Petroncini
FTE - Matr. 301.275-1
De acordo. Responda-se a consulta
nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 7 de abril de
2003.
Laudenir Fernando Petroncini Anastácio Martins
Secretário
Executivo Presidente
da COPAT