CONSULTA N° 055/2009
EMENTA: ICMS.
SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. IMPORTADOR QUE PROMOVE SAÍDA DE CIMENTO DIRETAMENTE PARA ESTABELECIMENTO
DE FABRICANTE DE ARTEFATOS DE CIMENTO (CONSUMIDOR FINAL). RESTA DESCARACTERIZADA
A SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA DEVIDO À CONFUSÃO ENTRE CONTRIBUINTE SUBSTITUTO E
CONTRIBUINTE SUBSTITUÍDO. APENAS NO CASO DO IMPORTADOR ESTAR LOCALIZADO EM OUTRA
UNIDADE DA FEDERAÇÃO (OPERAÇÃO INTERESTADUAL), ESTARÁ OBRIGADO, NA CONDIÇÃO DE
SUBSTITUTO TRIBUTÁRIO, A RECOLHER O IMPOSTO CORRESPONDENTE À DIFERENÇA ENTRE AS
ALÍQUOTAS INTERNA E INTERESTADUAL, DEVIDAS POR OCASIÃO DA ENTRADA NO
ESTABELECIMENTO DESTINATÁRIO.
01 - DA CONSULTA
A consulente
identifica-se como importadora de cimento para revenda no mercado interno cujos
adquirentes (estabelecimentos industriais) utilizam como insumo na produção de
outras mercadorias. Considerando que não ocorre operação subseqüente, a
consulente infere que a importação de cimento, nessa hipótese, não está sujeita
ao regime de substituição tributária. Pede a manifestação desta Comissão.
Traz à colação
as respostas desta Comissão às consultas n° 28/2008 e 59/2007 que tratam da
substituição tributária de sorvete.
A informação
fiscal a fls. 55-60 posiciona-se contrariamente ao entendimento da consulente,
argumentando que as operações internas com cimento estão sujeitas ao referido
regime, inclusive quando se destinam a estabelecimento industrial, a teor do
disposto no RICMS/SC, Anexo 3, art. 11, III, c/c art. 45, I. Esclarece ainda
que a consulente é detentora de regime especial, para diferir o imposto devido
por ocasião do desembaraço aduaneiro.
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Constituição
Federal, art. 150, § 7°;
Lei Complementar
87/96, art. 8°, II;
RICMS-SC,
aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, Anexo 3, arts. 11, 16,
22 e 45.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
O raciocínio da
consulente estaria correto, se considerássemos apenas o caso geral do referido
instituto. Com efeito, a substituição tributária é modalidade de sujeição
passiva indireta em que a lei atribui expressamente a responsabilidade pelo
crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador, com exclusão
da responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo
do cumprimento da respectiva obrigação.
No caso em tela,
trata-se de substituição tributária “para a frente”,
ou seja, em relação a fatos geradores futuros (ainda não acontecidos), que se
presume venham a acontecer. A modalidade foi prevista expressamente pela
Constituição Federal, art. 150, § 7°:
§ 7° A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a
condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato
gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial
restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido. [acrescido
pela EC 3/93]
O imposto é
cobrado do substituto tributário na expectativa de ocorrer o fato gerador presumido.
Mas, qual é o fato gerador presumido? Considerando a lógica da tributação
plurifásica não-cumulativa, o fato gerador presumido somente pode ser a venda a
consumidor final, quando se encerra o ciclo de comercialização. Com efeito,
leciona Hugo de Brito Machado (Aspectos Fundamentais do ICMS. São Paulo:
Dialética, 1997, p. 25) a operação é relativa à circulação quando impulsiona a
mercadoria, “na marcha normalmente por esta desenvolvida desde a fonte de
produção até o consumidor”, ou seja:
Operações relativas à circulação de mercadorias são quaisquer atos ou
negócios, independentemente da natureza jurídica específica de cada um deles,
que implicam na circulação de mercadorias, vale dizer, o impulso destas desde a
produção até o consumo, dentro da atividade econômica, as leva da fonte
produtora até o consumidor.
O
imposto é não-cumulativo na medida que cada participante do ciclo de comercialização
pode recuperar o imposto que onerou a mercadoria nas etapas anteriores, de modo
que todo o ônus do imposto é suportado pelo consumidor final. No escólio de
Sacha Calmon Navarro Coelho (Curso de Direito Tributário Brasileiro, 8ª ed.,
Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 571):
“.. é necessário desonerar o custo de produção e da comercialização de
todo o imposto pago nas aquisições (seja relativo a insumos, produtos
intermediários ou bens do ativo fixo), sob pena de se ter nova tributação sobre
esses bens, pois o custo deles integrará o preço do produto no momento da
saída”.
À mesma
conclusão chegamos ao examinarmos a definição da base de cálculo, para fins de
substituição tributária, dada pelo art. 8°, II da Lei Complementar 87, de 13 de
setembro de 1996, em relação às operações ou prestações subseqüentes. Assim,
esclarece o § 2° do dispositivo referido, que “tratando-se de mercadoria ou
serviço cujo preço final a consumidor, único ou máximo, seja fixado por órgão
público competente, a base de cálculo do imposto, para fins de substituição
tributária, é o referido preço por ele estabelecido”. No mesmo sentido, dispõe
o § 3° que “existindo preço final a consumidor sugerido pelo fabricante ou
importador, poderá a lei estabelecer como base de cálculo este preço”.
Finalmente, dispõe o § 6°, na redação dada pela Lei Complementar 114, de 16 de
dezembro de 2002:
§ 6o Em substituição ao disposto no inciso II do
caput, a base de cálculo em relação às operações ou prestações subseqüentes
poderá ser o preço a consumidor final usualmente praticado no mercado
considerado, relativamente ao serviço, à mercadoria ou sua similar, em
condições de livre concorrência, adotando-se para sua apuração as regras
estabelecidas no § 4o deste artigo.
No caso em tela,
a substituição tributária do cimento está prevista no art. 11, III, do Anexo 3
do RICMS-SC, ficando atribuída, entre outros, ao importador, “a responsabilidade
pelo recolhimento do imposto relativo às operações subseqüentes até a praticada
pelo comerciante varejista”. Também nesse caso, o fato gerador presumido – cuja
obrigação tributária respectiva recai sobre o substituto – é a operação
praticada pelo varejista (a consumidor final).
O sujeito
passivo da obrigação tributária (substituto tributário), a teor do art. 45, I,
é o importador que fica responsável “pelo recolhimento do imposto relativo às
operações subseqüentes ou de entrada no estabelecimento destinatário para uso,
consumo ou utilização como matéria-prima ou material secundário”. Nesse caso, a
utilização de cimento como matéria-prima pelo destinatário, na fabricação de
artefatos de cimento, caracteriza consumo final, pois o cimento não será
revendido: os artefatos de cimento constituem mercadoria diversa do próprio
cimento. Por esse motivo, é garantido ao fabricante, consumidor do cimento, o
direito de creditar-se “do imposto retido por substituição tributária e do
correspondente à operação própria do substituto”, desde que o produto
resultante seja onerado pelo imposto (art. 22, I, “a”). O crédito
correspondente à entrada do insumo somente é garantido se o produto resultante
for tributado, a teor do art. 155, § 2°, II, “b”, da Constituição Federal.
No caso do
importador dar saída do cimento com destino ao industrial que irá utilizá-lo
como insumo na fabricação de artefatos de cimentos, a própria operação do
substituto constitui o fato gerador presumido (operação com consumidor final).
Opera-se, portanto, a confusão entre o contribuinte substituto e o contribuinte
substituído: nesta hipótese fica afastada a substituição tributária.
O pressuposto da
substituição tributária é que a responsabilidade pelo recolhimento do imposto
seja atribuída a terceiro, distinto do contribuinte. O substituto distingue-se,
porém, do contribuinte, porque este tem “relação pessoal e direta” com a
situação prevista em lei como fato gerador da obrigação, enquanto o substituto
é apenas “vinculado” ao fato gerador.
Com efeito, o
importador do cimento é responsável (como substituto tributário) pelo ICMS cujo
fato gerador deva ocorrer posteriormente (saída do cimento com destino a
consumidor final). Como o próprio importador promove a saída do cimento com
destino ao consumidor final (fabricante de artefatos de cimento), ele também é
o contribuinte substituído. O fato gerador, nesse caso, não é futuro, nem
presumido, mas presente e real. O mesmo crédito tributário não pode ser
exigido, da mesma pessoa e ao mesmo tempo, como contribuinte e como
responsável. Ninguém pode ser substituto de si mesmo.
Uma última dúvida deve ser enfrentada:
entendem alguns que a norma inserta nos arts. 45 e 46 do Anexo 3 do RICMS-SC/01
prevê expressamente a substituição tributária no caso em pauta. Com efeito,
dispõe o art. 45 que
“nas saídas internas e interestaduais com destino a este Estado de cimento de
qualquer espécie”, o estabelecimento importador fica responsável “pelo recolhimento
do imposto relativo às operações subseqüentes ou de entrada no estabelecimento
destinatário para uso, consumo ou utilização como matéria-prima ou material
secundário”. O dispositivo em questão
tem por fundamento a Cláusula Primeira do Protocolo 11/85, na redação dada pelo
Protocolo ICMS 30/97:
Nas operações interestaduais com cimento de qualquer espécie,
classificado na posição 2523 da Nomenclatura Brasileira de Mercadoria - Sistema
Harmonizado (NBM/SH), entre contribuintes do ICMS situados nas unidades
federadas signatárias deste protocolo, fica atribuída ao estabelecimento
industrial ou importador, na qualidade de sujeito passivo por substituição, a
responsabilidade pela retenção e recolhimento do Imposto sobre Operações
Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de
Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS devido nas
subseqüentes saídas ou na entrada para o uso ou consumo do destinatário.
Que
o estabelecimento importador é responsável, como substituto tributário, pelo
recolhimento do imposto relativo às operações subseqüentes, seja nas operações
internas quanto nas interestaduais (i. e. o importador está localizado em outro
Estado e dá saída com destino a estabelecimento catarinense), é da própria
natureza do instituto da substituição tributária. Porém, no caso de cimento
“adquirido para uso ou consumo do destinatário”, cabe ao importador
estabelecido em outro Estado a responsabilidade pelo imposto devido pela
entrada no estabelecimento do destinatário.
Portanto, o
importador deve recolher o imposto, na condição de substituto tributário apenas
quando estiver localizado em outro Estado e o imposto for devido por ocasião da
entrada no estabelecimento catarinense. Trata-se da hipótese a que se referem
os incisos VII e VIII do § 2° do art. 155 da Constituição da República: “em
relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor
final localizado em outro Estado, adotar-se-á .... a alíquota interestadual,
quando o destinatário for contribuinte do imposto”. Nesse caso, “caberá ao
Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença
entre a alíquota interna e a interestadual”.
Com efeito, conforme
conceitua a legislação estadual, também é fato gerador “o recebimento de
mercadorias, destinadas a consumo ou integração ao ativo permanente, oriundas
de outra unidade da Federação” (RICMS-SC/01, art. 1°, VI), caso em que se considera
ocorrido no momento da “entrada, no estabelecimento do contribuinte, de mercadoria
oriunda de outro Estado ou do Distrito Federal, destinada a consumo ou ao ativo
permanente” (art. 3°, XIV).
Por conseguinte,
o imposto “devido na entrada para uso ou consumo do destinatário” a que se
refere a Cláusula Primeira do Protocolo ICMS 11/85
corresponde estritamente ao imposto resultante da diferença entre as alíquotas
interna e interestadual. Nesse sentido, dispõe o § 1° do art. 16 do Anexo 3 que
“tratando-se de mercadoria destinada à integração ao ativo permanente ou ao uso
ou consumo do substituído, o imposto a ser recolhido por substituição
tributária corresponderá à diferença entre as alíquotas interna e interestadual
aplicadas sobre a base de cálculo relativa à operação própria do substituto”.
O art. 45 do Anexo 3 tem fundamento no Protocolo 11/85 (cuja redação da
Cláusula Primeira foi modificada pelo Protocolo 30/97), razão por que não pode
ser entendida de modo ampliado para criar novas hipóteses de exigência do
imposto pela entrada. Havendo pluralidade de significados possíveis ao texto
normativo, é de boa hermenêutica adotar aquele que tiver maior conformidade com
a compreensão sistemática do ordenamento jurídico. Sobre o tema, elucida
Jean-Louis Bergel (Teoria Geral do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p.
332):
Se o dinamismo do direito não deve ser sacrificado, sua interpretação,
por razões de segurança jurídica, não pode ser livre. Ela deve inserir-se, com
base nos textos, no espírito do sistema jurídico de que procedem. É por isso
que deveria prevalecer um método de interpretação sistemática, fundamentado no
contexto imediato das disposições a serem interpretadas ou na inserção delas no
conjunto de uma instituição, até mesmo no conjunto do sistema jurídico ao qual
pertencem. Esta interpretação dos textos pode perfeitamente harmonizar-se com
considerações relacionadas com a ratio-legis e com os objetivos perseguidos num
determinado sistema de direito.
Posto
isto, responda-se à consulente:
a) o importador
do cimento é responsável, como substituto tributário, pelo recolhimento do ICMS
relativo às operações subseqüentes, até o consumidor final;
b) fabricante de
artefatos de cimento é considerado consumidor final do cimento;
c) no caso do
importador estabelecido em Santa Catarina dar saída de cimento com destino a fabricante catarinense de artefatos de cimento, ocorre a
confusão, na mesma pessoa, do contribuinte substituto com o contribuinte
substituído, o que descaracteriza a substituição tributária:
d) já no caso de
importador estabelecido em outra unidade da Federação que der saída de cimento
com destino a estabelecimento catarinense, para seu uso e consumo, deve
recolher, na condição de substituto tributário, o imposto devido pela entrada,
ou seja: o correspondente à diferença de alíquota.
À superior
consideração da Comissão.
Getri, em
Florianópolis, 4 de maio de 2009.
Velocino Pacheco Filho
AFRE – matr. 184244-7
De acordo.
Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão
do dia 13 de agosto de 2009.
Alda Rosa da Rocha
Anastácio Martins
Secretária Executiva Presidente da Copat