EMENTA: ICMS. ALÍQUOTA SELETIVA EM FUNÇÃO DA ESSENCIALIDADE DA MERCADORIA. LISTA DE MERCADORIAS DE CONSUMO POPULAR.
A) QUEIJO PROCESSADO E REQUEIJÃO CREMOSO NÃO SÃO MERCADORIAS DE CONSUMO POPULAR. NAS OPERAÇÕES INTERNAS E INTERESTADUAIS A NÃO-CONTRIBUINTES DO IMPOSTO, APLICA-SE A ALÍQUOTA DE 17%, PREVISTA NO ART. 19, I, DA LEI Nº 10.297/96.
B) RICOTA FRESCA É ESPÉCIE DE QUEIJO, CONSIDERADO DE CONSUMO POPULAR. NAS OPERAÇÕES INTERNAS E INTERESTADUAIS COM ESTE PRODUTO, APLICA-SE A ALÍQUOTA REDUZIDA DE 12%, PREVISTA NO ART. 19, III, “D” DA LEI Nº 10.297/96
CONSULTA Nº: 71/06
D.O.E. de 20.12.06
1 - DA CONSULTA
A consulente é uma cooperativa
gaúcha que não informa qual o ramo de atividade desenvolvido. Como se trata de
uma usina de beneficiamento, presume-se que sua produção seja de leite e seus
derivados, pois os produtos que menciona às fls. 3 são dessa espécie:
“I – Queijo processado, acondicionado em embalagem
plástica de 150 g, sujeito ao controle microbiológico, físico-químico e
sensorial. Sua matéria-prima é constituída por massa de queijo, com ou sem
maturação, creme de leite, polifosfato de sódio,cloreto de sódio e nisina;
II – Requeijão cremoso, acondicionado em embalagem
plástica de 250 g, sujeito ao controle microbiológico, físico-químico e
sensorial. Sua matéria-prima é composta principalmente por, consoante art. 517
do RIISPOA (Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de
Origem Animal, do Ministério da Agricultura), leite pasteurizado, fermento
lático, coalhada, cloreto de sódio e creme de leite;
III – Ricota fresca, acondicionada em embalagem de
plástico de 400 g, embalada sob sistema de vácuo cryovac em sacos plásticos.
Sua matéria-prima é composta por soro de leite e leite desnatado, tendo como
principal ingrediente, ácido cítrico ou acético ou lático”.
Sua dúvida consiste em saber
“qual a alíquota aplicável, a cada um dos 03 (três) produtos, supra
referendados no caso em tela, considerando-se que as mercadorias virão de outro
Estado, a saber, do Estado do Rio Grande do Sul” (fls. 3, “in fine”). No
início de sua petição, faz a seguinte indagação: “qual a alíquota a ser
utilizada nas operações de circulação de mercadorias produzidas na matriz
industrial da consulente, localizada na cidade de Carlos Barbosa-RS e
comercializadas na filial atacadista, a qual se encontra na Comarca de
Biguaçu”.
Informa também que “em
atendimento ao inc. II, art. 5º da Portaria nº 226, nos termos do artigo 26,
III, alínea ‘d’, do Regulamento de ICMS do Estado de Santa Catarina, vem
aplicando nos referidos casos, a alíquota de 12%”.
A consulente efetuou o
recolhimento da taxa de serviço para a prática do ato administrativo (fls. 02)
e declarou que não se encontra sob procedimento fiscal quanto à matéria objeto
da consulta. A Gerência Regional de origem não procedeu conforme determina o
art. 6º, § 2º, da Portaria SEF nº 226/01.
É o relatório, passo à análise da
consulta.
2 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Constituição Federal, de 5 de
outubro de 1988, art. 155, § 2º, III;
Lei nº 10.297, de 26 de dezembro
de 1996, arts. 5º, I, “a” e 19, I, e III, “d”, e Anexo Único, Seção II, item
17.
3 – FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
Apesar de não estar bem formulada
a consulta, entende-se que a intenção da consulente seja referente a operações
praticadas pelo estabelecimento filial, situado em Santa Catarina. Verifiquemos
então, qual a alíquota vigente nas operações internas e interestaduais a não-contribuintes,
com os seguintes produtos: a) queijo processado; b) requeijão cremoso e c)
ricota fresca.
Matéria similar foi objeto de
consulta recentemente, tendo esta Comissão assim decidido, na resposta à
Consulta nº 32/06:
“ICMS. ALÍQUOTAS SELETIVAS EM FUNÇÃO DA ESSENCIALIDADE
DA MERCADORIA. TRATAMENTO TRIBUTÁRIO QUE VISA BENEFICIAR O CONSUMIDOR E NÃO A
INDÚSTRIA DE LATICINIOS. O QUEIJO TIPO “GRANA” NÃO SE CARACTERIZA COMO DE
CONSUMO ESSENCIAL E, POR ESTE MOTIVO, NÃO SE APLICA A ALÍQUOTA MAIS BAIXA DE
12%. POR FALTA DE PREVISÃO ESPECÍFICA, O IMPOSTO DEVE SER CALCULADO PELA
ALÍQUOTA DE 17%”.
Extraio o seguinte trecho da
fundamentação da resposta a essa consulta, eis que se aplica ao presente caso,
quanto ao produto “queijo processado”:
“A Lei nº 10.297/96, que trata do ICMS em nosso Estado,
adota, em seu artigo 19, três diferentes alíquotas, a saber: 12%, 17% e 25%.
Conforme dispõe o inciso III, alínea “d”, estão submetidas à alíquota mais
baixa (12%), entre outras, as mercadorias de consumo popular, relacionadas na
Seção II do Anexo Único do citado pergaminho. O item 17, acrescido à Seção II
pela Lei nº 10.727, de 31 de março de 1998, menciona apenas “queijo”, sem
qualquer adjetivação ou restrição.
Qual é o alcance dessa regra? Devemos admitir que todos
os queijos submetem-se à alíquota mais baixa de 12%, sob o argumento de que
“onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir”? Ou será
permitido ao intérprete completar o sentido da norma, com fundamento no
ordenamento jurídico-tributário, considerando em especial a regra da
seletividade das alíquotas, prevista no Estatuto Supremo?
(...) nenhum dispositivo da legislação deve ser
entendido nele mesmo, sem considerar o contexto normativo, o todo do
ordenamento jurídico onde está inserido, os princípios que informam esse
ordenamento e os valores juridicizados pelo mesmo ordenamento. Entre os
possíveis significados da norma, o intérprete deve adotar aquele que melhor se
harmonize com o ordenamento jurídico ao qual a norma pertence. Neste sentido, o
magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello (Conteúdo Jurídico do Princípio
da Igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 41): ‘Deveras, a lei não
pode atribuir efeitos valorativos, ou depreciativos, a critério especificador,
em desconformidade ou contradição com os valores transfundidos no sistema
constitucional ou nos padrões ético-sociais acolhidos neste ordenamento’.
Quais seriam esses “valores transfundidos no sistema
constitucional”? O art. 155, § 2º, III, da Lei Fundamental, faculta aos Estados
adotar alíquotas seletivas, ou seja, diferenciadas. Mas, o mesmo dispositivo
obriga que o critério para aplicação das alíquotas diferenciadas seja a
“essencialidade das mercadorias e dos serviços”. Desta forma, os bens mais
essenciais devem ser tributados pela alíquota mais baixa e os bens supérfluos,
pela mais alta.
Portanto, o fim visado pelo legislador não foi
beneficiar determinados setores econômicos (a indústria de laticínios, por
exemplo), mas o consumidor, barateando as mercadorias mais essenciais. Isto
porque o ICMS é um imposto do tipo que “repercute financeiramente” sobre o
adquirente (imposto indireto), de modo que a pessoa obrigada ao recolhimento
(contribuinte de jure) não é quem suporta o ônus tributário (contribuinte de
facto). Este último é quem deve ser beneficiado pela aplicação da alíquota
reduzida.
A adoção de alíquotas seletivas, de acordo com o
critério da essencialidade da mercadoria, encontra o seu fundamento nos
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (CF, art. 3º),
especialmente a mencionada no inciso III que é a erradicação da pobreza e a
redução das desigualdades sociais. As alíquotas seletivas devem atender a esse
objetivo fundamental, na medida que é reduzida a carga tributária suportada
pelo consumidor ao adquirir mercadorias mais essenciais.
De tudo isso se conclui que a adoção da alíquota mais
reduzida não constitui benefício fiscal, mas meramente graduação da incidência
do tributo conforme o critério da essencialidade, o que afasta qualquer
obrigatoriedade de interpretação literal.”
Importa destacar que a lei nº
10.297, Anexo Único, Seção II, item 17, menciona apenas a expressão “queijo”,
sem qualquer especificação ou qualificação. Observe-se, por outro lado, que o
próprio título desta Seção – “Lista de Mercadorias de Consumo Popular” já
revela a intenção do legislador ao elaborar tal lista de mercadorias,
submetendo-as a alíquota mais baixa que a usual. Foi adotado o critério da
essencialidade, visando desonerar a população de baixa renda no consumo de
alimentos tidos como básicos ou vitais.
Assim, o “queijo” referido na
lista é de consumo popular, elaborado artesanalmente pelo produtor, sem a
utilização de qualquer processo mais sofisticado, não o produto indicado na
consulta: “queijo processado, acondicionado em embalagem plástica de 150 g,
sujeito ao controle microbiológico, físico-químico e sensorial”. Este é um
produto industrializado, que passa por diversos processos de controle de
qualidade e, portanto, é destinado a um público mais seletivo e de maior poder
aquisitivo.
Além disso, destaque-se que a
matéria-prima desse “queijo processado” é constituída por “massa de queijo, com
ou sem maturação, creme de leite, polifosfato de sódio, cloreto de sódio e
nisina”. Ou seja, o produto em questão não é constituído apenas de queijo, mas
apresenta-se como um composto de outros elementos, dos quais um deles é o
queijo.
Conclui-se, assim, que o “queijo
processado” não corresponde a uma mercadoria de consumo popular e, portanto,
nas operações de saídas internas e interestaduais desse produto a consumidor
final, aplica-se a alíquota de 17%, prevista no art. 19, I, da Lei nº
10.297/96, por falta de previsão específica.
Quanto aos outros produtos
questionados pela consulente, “requeijão cremoso” e “ricota fresca”, estudemos
cada um deles.
O primeiro, “requeijão cremoso”,
verifica-se facilmente que não consta da Lista de Mercadorias de Consumo
Popular. Tampouco poderia se enquadrar no item 17 desta Lista – “queijo”, pois
com este não se confunde e, além do mais, trata-se de produto elaborado
mediante processo mais sofisticado, que agrega maior valor. Assim, tal produto
não se classifica como mercadoria de consumo popular, aplicando-se, pois, a
alíquota de 17% nas operações internas e interestaduais a não-contribuintes.
Já, ricota, segundo o léxico de
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (Novo Dicionário da Língua Portuguesa.
2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 1509) é espécie de “queijo que
se prepara vertendo-se o soro do leite fervido e coalhado”. Constata-se, pois,
que “ricota fresca” é espécie de queijo obtido através de processo
relativamente simples, o que permite classificá-la como mercadoria de consumo
popular. Dessa forma, nas operações internas e interestaduais com este produto,
aplica-se a alíquota reduzida de 12%.
Isto posto, responda-se à
consulente que:
a) “queijo processado” e
“requeijão cremoso” não são mercadorias de consumo popular e, assim, nas
operações internas e interestaduais a não-contribuintes do imposto, aplica-se a
alíquota de 17%, prevista no art. 19, I, da Lei nº 10.297/96;
b) “ricota fresca” é espécie de
queijo, considerado de consumo popular; nas operações internas e interestaduais
com este produto, aplica-se a alíquota reduzida de 12%, prevista no art. 19,
III, “d” da Lei nº 10.297/96.
Este é o parecer que submeto à
superior consideração desta Comissão.
Gerência de Tributação,
Florianópolis, 19 de outubro de 2006.
Fernando Campos Lobo
AFRE III – matrícula 184.725-2
De acordo. Responda-se à consulta
nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 19 de outubro
de 2006.
A consulente deverá adequar seus
procedimentos à resposta dada nesta consulta, dentro de trinta dias contados de
seu recebimento, conforme dispõe o art. 9º, § 3º, da Portaria SEF nº 226/01. Após
esse prazo, o crédito tributário poderá ser constituído e cobrado de ofício,
acrescido de multa e juros de mora, se for o caso.
Alda Rosa da Rocha
Pedro Mendes
Secretária Executiva Presidente
da COPAT