EMENTA: ICMS. A PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TRANSPORTE INTERMUNICIPAL DE RESÍDUOS (LIXO), DO LOCAL ONDE ESTABELECIDA A CONTRATANTE ATÉ O ATERRO SANITÁRIO OU ATERRO INDUSTRIAL, PRESTADO EM REGIME DE DIREITO PRIVADO, CONFIGURA-SE COMO SITUAÇÃO FÁTICA SUBMETIDA À INCIDÊNCIA DO ICMS.
Disponibilizado na página da
SEF em 29.02.12
01 - DA
CONSULTA
A consulente informa que dentre as suas
atividades principais realiza o transporte municipal e intermunicipal de lixo,
mediante serviço contratado com empresas geradoras dos resíduos, depositando-os
em aterros sanitários ou aterros industriais, de acordo com as suas características,
os quais não possuem nenhum valor comercial ou utilidade para o homem. Salienta
que em razão de serem considerados imprestáveis, os resíduos transportados não são
submetidos a processo prévio de seleção ou classificação.
Em face da atividade exercida, suscita duas
questões apresentadas nos seguintes termos: a) a prestação de serviço de transporte
intermunicipal de lixo para depósito em aterro sanitário ou aterro industrial é
fato que não se insere no campo de incidência do ICMS?; b) Se o lixo é
transportado pela empresa contratada para depósito em aterro sanitário ou em
aterro industrial, isto produz efeitos distintos no âmbito tributário?
Declara ainda que a consulta não se enquadra
nos impedimentos do artigo 152-C do
Regulamento das Normas Gerais de Direito Tributário – RNGDT/SC.
A consulta foi informada pela Autoridade
Fiscal da GERFE de origem, conforme determina o artigo 152-B, § 2°, II,
do RNGDT/SC, aprovado pelo Decreto nº 22.586, de 27 de junho de 1984,
manifestando-se favoravelmente acerca da observância dos critérios para a sua
admissibilidade.
02
- LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Lei Complementar 87, de 13 de setembro de
1996, artigo 2º, inciso II.
03
- FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
Preliminarmente, faz-se mister avaliar os
conceitos de “aterro sanitário” e “aterro industrial”. Em pesquisa realizada às
regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT constatou-se que a
matéria está disciplinada por norma específica denominada NBR10004, que trata
dos critérios para a classificação dos resíduos de acordo com sua composição e
características, em duas classes: Classe I, para resíduos considerados
perigosos (que podem oferecer algum risco para o meio ambiente ou para o homem),
e Classe II, para resíduos não perigosos. É a partir desta classificação que se
determina quais as destinações adequadas para cada tipo de resíduo.
Este instituto classifica os locais de
destinação em aterros de resíduos não perigosos (ABNT NBR13896/97) e aterros de
resíduos perigosos (ABNT NBR10157/87).
Denomina-se aterro sanitário o local para
onde são destinados os resíduos urbanos descartáveis e sem utilidade, considerados
não perigosos, provenientes do serviço de coleta municipal. Todavia, nele
também podem ser depositados resíduos industriais, desde que não perigosos, denominados
tecnicamente de Classe II.
O aterro industrial, embora possua o mesmo
esquema básico do aterro sanitário, é utilizado para receber os resíduos
provenientes das indústrias e que não possuem valor comercial. Classifica-se de
acordo com o tipo de resíduo depositado, denominando-se Aterro Industrial
Classe I quando recebe resíduos perigosos e Aterro Industrial Classe II quando
recebe resíduos não perigosos.
Evidencia-se que os aterros sanitários se
prestam para receber, especialmente, o lixo domiciliar das cidades. Neste caso,
a coleta e o seu transporte até o local de depósito, se configuram como um
serviço público realizado diretamente pelo poder público municipal ou por empresas
especializadas, contratadas mediante concessão. Trata-se, portanto, de serviço
prestado sob o regime de direito público. Ocorre de modo diverso com os aterros
industriais, pois como podem receber apenas o lixo das indústrias, este é
coletado e transportado, em regra, por terceiros contratados sob o regime de
direito privado.
Como explica Roque Antonio Carrazza, “os serviços de transporte interestadual ou
intermunicipal, aos quais faz menção o art. 155, III, da CF, são os prestados
em regime de direito privado (por
particulares, por empresas privadas, por empresas públicas ou por sociedades de
economia mista), que não se confundem com aqueloutros,
ditos serviços publicos”.
(CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 108)
Portanto, o que produz efeitos distintos no
âmbito tributário não é propriamente o local em que o lixo será depositado, mas
o regime de contratação em que o serviço é prestado. Se de direito público,
configura-se como hipótese de não-incidência e, do contrário, se de direito privado,
está compreendido no campo de incidência do ICMS.
Tratando-se de contratação de serviços em
regime de direito privado, como é a situação fática em análise, o que importa
efetivamente para fins tributários é confirmar se a situação prevista em lei,
como hipótese de incidência do imposto, se aplica ao fato ocorrido
materialmente (fato gerador). É o que a doutrina denomina de fenômeno da subsunção.
A Lei Complementar 87/96, dispõe em seu artigo
2º, inciso II, a hipótese de incidência do ICMS para as prestações de serviços
de transporte nos seguintes termos:
“Art. 2° O imposto incide sobre:
II -
prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer
via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores”. (grifo nosso)
Do texto
legal é possível afastar de imediato ‘pessoas’ e ‘valores’ do contexto deste
estudo, por se tratarem de aspectos estranhos à matéria. Do mesmo modo, se o
lixo destinado a aterro sanitário ou industrial se configura como objeto fora
do comércio, não é mercadoria, porque não se destina à revenda ou ao ciclo de
produção.
A questão se resume
então em averiguar se os resíduos de produtos imprestáveis para uso, considerados
como lixo, se inserem na expressão ‘bens’, indicada no comando normativo, de
forma a ensejar a ocorrência do fato gerador quando realizada a prestação de
serviço de transporte dos mesmos.
Inicialmente é
importante enfatizar que para proporcionar coerência e harmonia ao sistema
jurídico, os conceitos atribuídos aos seus institutos recebem o mesmo significado
em todos os ramos do direito, salvo em relação àqueles em que a lei tiver expressamente
alterado, visando modificar os seus efeitos.
É comum o direito tributário
apropriar-se de categorias do direito privado. Como explica Luciano Amaro (Direito
Tributário Brasileiro, 14. ed., São Paulo, Saraiva, 2008, p. 218), a compra e
venda, a locação, a prestação de serviço, a doação, a sociedade, o sócio, o
herdeiro, o empregado, o salário, etc., são conceitos oriundos do direito privado,
que ingressam no direito tributário sem mudar o sentido. E ao delimitar o contexto
em que se insere o artigo 109, do Código Tributário Nacional, o autor esclarece
que:
“a
identidade do instituto, no direito privado e no direito tributário, dá-se
sempre que o direito tributário não queira modificá-lo para fins fiscais, bastando,
para que haja essa identidade, que ele se reporte ao instituto sem ressalvas.
Se, porém, o direito tributário quiser determinar alguma modificação, urge que
o diga de modo expresso”. (p. 218)
Como o direito tributário
não contempla aspectos jurídicos relativos aos ‘bens’, adota o sentido e
abrangência que lhe é dado no direito civil. O Código Civil disciplina a
matéria atinente aos ‘bens’ no seu Livro II, sem estabelecer, contudo, um conceito
jurídico. É a doutrina que tratou de definir este instituto para fins de
aplicação ao direito.
De acordo com o
entendimento de Clóvis Beviláquia:
“Para o
direito, bens são os valores materiais ou imateriais, que servem de objeto a
uma relação jurídica. É um conceito mais amplo do que o de coisa. Esta, no
dizer magistral de TEIXEIRA DE FREITAS, é “todo objeto material suscetível de
medida de valor”. São os objetos corporais, segundo preceitua o Código Civil
alemão, art. 90. Ao lado das coisas e
dos bens econômicos, outros há de ordem moral, inapreciáveis como a vida, a
liberdade, a honra, e os que constituem objetos dos direitos de família puros.
[...] A palavra bens compreende: coisas, direitos reais, obrigacionais e hereditários.
Na parte especial, conservou a designação direitos das coisas, porque é da
propriedade e dos seus desmembramentos que se trata. (BEVILÁQUA, Clóvis. Código
Civil dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979, p. 269)
Desta lição extrai-se que no âmbito do direito
os ‘bens’ comportam uma amplitude que compreende os valores materiais ou
imateriais, classificáveis como coisas, direitos reais, obrigacionais e
hereditários, independentemente de serem passíveis de valoração econômica. Seguindo
essa linha, Pontes de Miranda adverte para o risco de se adotar um viés valorativo
de caráter econômico para as coisas, bens ou objetos do direito, como se apenas
seriam suscetíveis de uma relação jurídica, quando suscetíveis de conversão em
valor pecuniário:
“Para o
conceito de coisa, ou de bem, ou de objeto de direito é sem relevância o
conceito de valor. O que não tem valor pode ser objeto de direito, inclusive de
direito das coisas (coisa em sentido estrito). A tese de ser res nullius a coisa sem valor tem de ser energicamente
repelida. Há propriedade de coisas sem valor e, até, de valor negativo, pelo
custo de as guardar (e.g., coleção de jornais velhos; direito de autor de
telas, músicas, ou livros que não mereceriam ser editados e, de certo, ninguém
os adquiriria; cartas, cartões, papéis de embrulho já utilizados; créditos contra
insolventes).” (MIRANDA, Pontes. Tratado de direito Privado. Tomo II, 4. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974, p. 23)
Marçal Justem Filho (Curso de direito Administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006,
p. 713), destaca que “os bens jurídicos são os objetos das relações jurídicas.
É aquilo sobre o que pode recair um poder jurídico atribuído à titularidade de
um sujeito. É aquilo que pode ser objeto de prestações jurídicas.”
Colocada a questão nestes termos, denota-se
que para o direito os bens comportam uma acepção ampla que não pode se reduzir a
aspectos de valoração ou utilidade de natureza econômica, como apregoada no
passado, com base na Teoria do Utilitarismo defendida, especialmente, por
Jeremy Bentham e John Stuart Mill. Em síntese, hodiernamente
o conceito de bem congrega tudo o que pode ser objeto de uma relação jurídica, afastando
conjecturas de viés econômico para averiguar se são dotados de valor ou desvalor, de utilidade ou desutilidade.
Demonstrada a irrelevância dos aspectos
valorativos ou de utilidade para a qualificação dos ‘bens’ no domínio do direito,
a questão se volta para descobrir se o fato concreto (prestação de serviço de
transporte de bens) reproduz perfeitamente a hipótese contida na norma jurídica
que dá suporte à incidência do ICMS. Quando estabelecida essa relação de
pertinência, diz-se que se revela a subsunção do fato à norma. A concretização
desse fenômeno é determinante, pois o fato gerador estará alicerçado na lei, o
que faz surgir, por conseqüência, um liame obrigacional do contribuinte para
com o Estado.
No transporte de lixo realizado por terceiro
contratado, o núcleo da hipótese de incidência previsto na lei, aqui sintetizado
para contemplar o caso em análise, é a “prestação de serviço de transporte de
bens”. Destarte, há um ‘prestador’ contratado que realiza um ‘serviço’ de
transporte de objetos, mediante um contrato oneroso. Quando esta hipótese
jurídica se materializa, ocorre o fato gerador, convertendo o prestador em sujeito
passivo da relação tributária e o Estado em sujeito ativo. A onerosidade do
contrato, por sua vez, é supedâneo para determinar a base de cálculo sobre a
qual será aplicada a alíquota fixada em lei para fins de determinação do imposto.
Em síntese, constata-se que estão presentes
os elementos que demonstram a perfeita conformidade entre o fato jurídico
previsto no inciso II, do artigo 2º, da Lei Complementar 87/96 (hipótese de
incidência) e o fato material ocorrido (fato gerador), o que implica na
inserção do evento concreto no campo de incidência do ICMS.
Ademais, o fato gerador na prestação de
serviço de transporte interestadual e intermunicipal de pessoas, bens,
mercadorias ou valores se caracteriza como uma relação jurídica autônoma, cujo
objeto recai sobre o serviço contratado a ser prestado. Para o contratante, é
irrelevante se os bens transportados se revelam úteis ou valoráveis do ponto de
vista econômico. Preponderam as características dos bens a serem transportados
apenas para quantificar o valor a ser cobrado pela prestação do serviço, pois
estas são determinantes para identificação do custo a ser empregado na
atividade. São características que podem interferir no preço a ser cobrado, o
peso, o volume, o tipo de material, a forma de embalagem, dentre outras.
Isto posto, responda-se à consulente que a
prestação do serviço de transporte intermunicipal de resíduos (lixo), do local onde
estabelecida a contratante até o aterro sanitário ou aterro industrial,
prestado em regime de direito privado, configura-se como situação submetida à
incidência do ICMS.
É o parecer que se submete à elevada apreciação da
Comissão Permanente de Assuntos Tributários.
COPAT, em Florianópolis, 28 de janeiro de 2012.
Joacir Sevegnani
AFRE – Matrícula: 184.933-6
De
acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT
na sessão do dia 16 de fevereiro de 2012, ressalvando-se, a teor do disposto no
art. 11 da Portaria SEF 226/01, que as respostas a consultas poderão ser
modificadas a qualquer tempo, nas seguintes hipóteses: a) por deliberação desta
Comissão, mediante comunicação formal à consulente; b) em decorrência de
legislação superveniente; e, c) pela publicação de Resolução Normativa que veicule
entendimento diverso.
Marise Beatriz Kempa
Carlos Roberto Molim
Secretária Executiva
Presidente da COPAT