EMENTA: ICMS. ERVA-MATE CANCHEADA. PRODUTO RESULTANTE DE BENEFICIAMENTO, QUE CONSTITUI ETAPA DE INDUSTRIALIZAÇÃO. NA REMESSA INTERESTADUAL PARA INDUSTRIALIZAÇÃO HÁ SUSPENSÃO DO IMPOSTO. INTELIGÊNCIA DO ART. 27, I, “B”, DO ANEXO 2 DO RICMS/SC.
CONSULTA Nº: 85/06
D.O.E. de 20.12.06
1 - DA CONSULTA
A consulente é empresa que produz e comercializa erva–mate cancheada,
que é obtida através do processamento do produto in natura, ou de terceiros,
já beneficiada. Comunica que adquire a erva-mate, tanto in natura como
cancheada, de produtores rurais catarinenses.
Informa que “pretende remeter
erva-mate cancheada para industrialização por encomenda em estabelecimento da
mesma empresa situado no Estado do Rio Grande do Sul, com suspensão do ICMS,
conforme estabelece o artigo 27, inciso I, do Anexo 2 do RICMS/SC”.
No seu entendimento, é aplicável
a suspensão do imposto, pois a “erva-mate cancheada deixou de ser um produto
primário, por ter passado por um processo de industrialização, que a transformou
de erva-mate in natura para erva-mate cancheada” (o destaque consta
no original). Dessa forma, conclui que não se aplica o impedimento à suspensão
do imposto, previsto no art. 27, I, “b”, do Anexo 2, do RICMS/SC.
Para corroborar sua posição,
apresenta resposta a consulta feita junto ao Estado do Paraná, em que o órgão
consultivo concluiu que a erva-mate cancheada é um produto industrializado.
Apresenta também informações sobre o beneficiamento e industrialização da
erva-mate, fornecidas pela Câmara Setorial da Cadeia da Erva-Mate do Paraná, de
onde extrai o seguinte texto (fls. 4):
“No ciclo do cancheamento, três etapas são claramente
definidas até a obtenção da erva-mate cancheada: o sapeco, a secagem e o
cancheamento propriamente dito, onde se dá a fragmentação do produto que
normalmente é feito por um triturador de madeira dura (ao nível do produtor) ou
por um cancheador metálico (ao nível da indústria), onde a erva, após
peneirada, passa a ser denominada cancheada”.
Argumenta que a erva-mate
cancheada é produto bem distinto da erva-mate in natura, e não se
classifica como produto primário. Aduz que no processo de beneficiamento da
erva-mate in natura há alteração de suas propriedades físicas e químicas,
o que resulta em alteração nas características do produto. Para ratificar sua
tese, apresenta o conceito de industrialização - beneficiamento, conforme o
art. 4º, II, do Decreto nº 4.544/02 – Regulamento do IPI.
Informa, afinal, os procedimentos
que serão adotados: após a industrialização, o industrializador devolverá
simbolicamente a mercadoria para o estabelecimento de origem, e emitirá nota
fiscal com o destaque do ICMS sobre o valor agregado na industrialização, com a
observação de que a mercadoria será exportada pelo estabelecimento da
consulente. Este, por sua vez, emitirá nota fiscal de exportação, informando
que a mercadoria sairá do estabelecimento industrializador, situado no Estado
do Rio Grande do Sul. Feita essa exposição, indaga desta Comissão se tais
procedimentos estão corretos.
A autoridade fiscal no âmbito da
Gerência Regional de Porto União informa que, no aspecto formal, a consulta
atende os requisitos da Portaria SEF nº 226/01. No seu entendimento, a
indagação da consulente não se caracteriza como consulta, eis que não se trata
de dúvida quanto à interpretação e aplicação da legislação tributária, mas,
sim, de definição quanto ao fato de a erva-mate cancheada ser ou não produto
industrializado, sujeito a benefício da legislação.
Quanto ao mérito, entende o
fiscal que não pode prosperar a pretensão da consulente, de remeter erva-mate
cancheada para industrialização em estabelecimento situado em outra unidade da
Federação, com o benefício fiscal previsto no art. 27, I, do Anexo 2 do
RICMS/SC.
Este é o relatório, passo à
análise.
2 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Código Tributário Nacional - CTN,
Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 46, parágrafo único;
Regulamento do IPI, Decreto nº
4.544, de 26 de dezembro de 2002, art.
4º, II;
RICMS/SC, aprovado pelo Decreto
nº 2.870, de 28 de agosto de 2001, Anexo 2, art. 27, I, “b”;
Portaria SEF nº 226, de 30 de
agosto de 2001, art. 1º.
3 – FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
A questão central da consulta
refere-se à possibilidade de aplicação do benefício da suspensão do imposto,
previsto no art. 27, I, do Anexo 2 do RICMS/SC, nas remessas de erva-mate
cancheada para industrialização em estabelecimento situado em outra unidade da
Federação. O aludido artigo está assim redigido:
Art. 27. Fica
suspensa a exigibilidade do imposto nas seguintes operações internas e
interestaduais:
I - a saída de qualquer mercadoria, para conserto,
reparo ou industrialização, desde que retorne ao estabelecimento de origem, no
prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados da data da saída, observado o
seguinte (Convênios ICM 15/74, 25/81, ICMS 34/90 e 151/94):
a) o prazo poderá ser prorrogado uma vez pelo Gerente
Regional da Fazenda Estadual, por igual período, mediante requerimento
fundamentado do contribuinte;
b) o benefício não se aplica, nas operações
interestaduais, à saída de sucata ou resíduo e de produto primário de origem
animal, vegetal ou mineral, salvo se a remessa e o retorno se fizerem nos
termos de protocolos celebrados entre os Estados interessados (Convênios ICMS
34/90 e 151/94);
II - o retorno da mercadoria recebida nas condições
descritas no inciso I, observado o disposto no Anexo 3, art. 8º, X (Convênios
ICM 25/81, ICMS 34/90 e 151/94).
Inicialmente, é preciso verificar
se a matéria pode ser objeto de consulta perante a Administração Tributária,
uma vez que o fiscal informante entendeu que não poderia.
A Portaria SEF nº 226/01, que
disciplina o instituto no âmbito deste Estado, define a abrangência da consulta
em seu artigo 1º: “o sujeito passivo poderá formular consulta sobre a interpretação
e aplicação de dispositivos da legislação tributária estadual”. Infere-se,
pois, logicamente, que o propósito da consulta é sanar dúvida de natureza
jurídica sobre a interpretação de norma tributária, para que esta possa ser
corretamente aplicada.
No caso presente, a dúvida da
consulente consiste em saber se a erva-mate cancheada é produto resultante de
industrialização, para o qual não se aplica a exclusão do benefício, conforme a
alínea “b” do referido art. 27, I, do Anexo 2 do RICMS/SC.
Entendo que, nessa hipótese, a
consulente apresenta um caso concreto de aplicação da norma, e que configura
dúvida razoável que enseja a interpretação desta Comissão. Constitui matéria
passível de consulta, saber qual o entendimento da Administração acerca da
aplicabilidade ou não do benefício, nas remessas interestaduais para
industrialização de erva-mate cancheada.
Valdir de Oliveira Rocha, na obra
A Consulta Fiscal (São Paulo: Dialética, 1996, p. 34), assim argumenta
quanto à matéria que pode ser objeto de consulta:
“De outro lado, o destinatário da norma pode até mesmo
não ter qualquer dúvida sobre como observar a norma, até porque tem convicção
íntima a respeito, mas – e atente-se para a sutileza – poderá ter séria dúvida
sobre como o Fisco a aplicaria. Nesta segunda hipótese, igualmente, tem direito
à consulta fiscal, para obter decisão”.
Quanto ao mérito, destaque-se que
o benefício da suspensão do imposto não se aplica no caso de operação
interestadual com produto primário (alínea “b” do art. 27, I, do Anexo 2 do
RICMS/SC).
Nesse ponto, é oportuno definir o
que é cancheamento. Segundo o léxico de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (Novo
Dicionário da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1986, p. 333), canchear significa “cortar ou picar (o mate) reduzindo-o a
pequenos pedaços”.
Veja-se agora o conceito de
industrialização contido no parágrafo único do art. 46 do CTN: “...considera-se
industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe
modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo”. Tal
conceito está delineado também no art. 4º do Regulamento do IPI, Decreto nº
4.544/02:
Art. 4º.
Caracteriza industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o
funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o
aperfeiçoe para o consumo, tal como:
(...)
II – a que importe em modificar, aperfeiçoar, ou, de
qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento ou a aparência
do produto (beneficiamento);
Constata-se, pois, que o
cancheamento da erva-mate configura um beneficiamento, o que caracteriza um
processo de industrialização, pois modifica e aperfeiçoa o produto para
consumo, com alteração de seu acabamento ou aparência. Sendo assim, o
cancheamento, segundo a legislação tributária, constitui uma das etapas de
industrialização da erva-mate.
Destarte, na remessa
interestadual de erva-mate cancheada para industrialização há suspensão do
imposto, conforme prevê o art. 27, I, do Anexo 2 do RICMS/SC. Destaque-se,
porém, que o benefício condiciona-se à devolução do produto industrializado ao
estabelecimento encomendante, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados
da data de saída.
O retorno da erva-mate industrializada
se dá também com suspensão do imposto, conforme dispõe o inciso II do mesmo
artigo referido. Já, a parcela do valor acrescido, no retorno da mercadoria
industrializada tem tratamento tributário definido conforme a legislação do
Estado em que se situa o estabelecimento industrializador, ou seja, o Rio
Grande do Sul. O mesmo se dá em relação à nota fiscal de retorno simbólico da
erva-mate, que deve obedecer à legislação tributária do Estado onde foi
efetuada a industrialização.
Segundo a hipótese da consulente,
o estabelecimento remetente da mercadoria e encomendante, situado neste Estado,
procederá à exportação da erva-mate. Na nota fiscal relativa a esta operação,
deverá mencionar que a mercadoria sairá diretamente do estabelecimento
industrializador, situado no Estado do Rio Grande do Sul.
Isto posto, responda-se à
consulente que:
1. aplica-se o benefício da
suspensão do imposto, previsto no art. 27, I, do Anexo 2 do RICMS/SC, nas
remessas interestaduais de erva-mate
cancheada para industrialização, pois, segundo a legislação tributária, não se
trata de produto primário, mas, sim, beneficiado, resultante de processo
industrial;
2. os procedimentos relativos às
operações estão corretos, conforme a hipótese formulada, com a observação de
que deve ser obedecida a legislação tributária do Estado competente,
relativamente às operações praticadas em seu território.
Este é o parecer que submeto à
superior consideração desta Comissão.
Gerência de Tributação,
Florianópolis, 26 de outubro de 2006.
Fernando Campos Lobo
AFRE III – matrícula 184.725-2
De acordo. Responda-se à consulta
nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 26 de outubro
de 2006.
Alda Rosa da Rocha
Pedro Mendes
Secretária Executiva
Presidente da COPAT