EMENTA: NOTIFICAÇÃO FISCAL. O INSTITUTO DA CONSULTA
NÃO SE PRESTA À DISCUSSÃO DE MULTA IMPOSTA DE OFÍCIO. CONSULTA
DESCARACTERIZADA. IMEDIATA INSCRIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO EM DÍVIDA ATIVA E
EXECUÇÃO FISCAL.
DISPOSITIVOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NÃO SÃO APLICÁVEIS ÀS RELAÇÕES
ENTRE FISCO E CONTRIBUINTE, QUE ESTÃO SOB A ÉGIDE DO DIREITO PÚBLICO.
CONSULTA Nº: 10/2001
PROCESSO Nº: GR11
54461/006
01 - DA CONSULTA
A interessada em epígrafe informa
que foi notificada ao pagamento de R$ 69.766,12 (sessenta e nove mil setecentos
e sessenta e seis reais e doze centavos) a título de ICMS, acrescido de multa
equivalente a 50% do tributo e de juros de mora (Lei n° 10.297/96, art. 51, I).
Inconformada com a magnitude da
multa imposta, invoca em sua defesa o art. 52, § 1° do Código de Defesa do
Consumidor (Lei n° 8.078/90, com a redação da Lei n° 9.298), que limita as
multas de mora a 2% (dois por cento) do valor da prestação.
Alega ainda a Instrução Normativa
SRF n° 9/99 que trata do SIMPLES e fixa a multa pelo inadimplemento da
obrigação em 2% do total dos impostos e contribuições devidos.
Finaliza dizendo que, diante do,
... insucesso nas inquirições pessoais em visitas à
Delegacia local, inclusive motivando a perda de prazo para a defesa pertinente,
é que formula a presente consulta, a fim de que lhe reste aclarado a higidez da
multa em liça no percentual aplicado, face à legislação posteriormente editada,
limitando o mesmo à, no máximo, 20% (vinte por cento) do valor do im-posto, ou
seja, com o fito de que lhe seja esclarecido se a multa do art. 51 da Lei n°
10.297/96 não teve o seu patamar reduzido face à produção normativa
superveniente.
Para constar, cosigne-se que o
processo não foi devidamente informado pela autoridade fiscal conforme
preceitua o inciso II do § 1° do art. 5° da Portaria SEF n° 213/95.
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Portaria SEF n° 213, de 6 de
março de 1995, art. 6°, V, a.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
3.1 - Descabimento da
consulta:
A presente não pode ser recebida
como consulta nos estritos termos da Portaria SEF n° 213/95 que disciplina esse
instituto. De fato, estabelece o art. 6°, inciso V, alínea a, do referido
diploma normativo que "não será recebida e analisada consulta que verse
sobre matéria que tenha motivado a lavratura de notificação contra a
consulente". É precisamente esse o caso vertente: a matéria da consulta é
a imposição de ofício de multa administrativa por infração à legislação
tributária.
O instituto da consulta tem por
objetivo a interpretação ou aplicação de dispositivos da legislação tributária
sobre os quais o contribuinte tenha dúvidas. Isto quer dizer que a consulta tem
por objeto o adimplemento voluntário da obrigação tributária, principal ou
acessória, pelo sujeito passivo. Diz o art. 113, § 1° do CTN que a obrigação tributária
principal "tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade
pecuniária" e a obrigação acessória (§ 2°) "tem por objeto as
prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação
ou da fiscalização do tributo". Seu sujeito passivo "é a pessoa
obrigada às prestações que constituam o seu objeto"(art. 122).
A consulta fiscal refere-se ao
comportamento do contribuinte: o correto cumprimento das obrigações tributárias
principal e acessórias. O interessado não consulta sobre como deve dar
cumprimento à norma impositiva. Pelo contrário, vale-se do instituto para
questionar a multa imposta pelo ato fiscal.
A constituição do crédito
tributário pelo lançamento, a teor do art. 142 do CTN, é privativo da
autoridade administrativa e, uma vez regularmente notificado ao sujeito passivo
somente pode ser alterado (art. 145) em virtude de impugnação do sujeito
passivo, recurso de ofício ou iniciativa de ofício da autoridade
administrativa, nos casos previstos no art. 149. O instituto da consulta não se
presta para modificar o lançamento tributário.
A lei assegura ao sujeito passivo
o direito de discutir o lançamento em todos os seus elementos, inclusive a
multa imposta. Para esse fim a Administração Tributária mantém órgãos
judicantes administrativos, de juizo monocrático ou colegiado, aos quais o
contribuinte deveria ter encaminhado a sua irresignação. O instituto da
consulta não se presta para o fim colimado, inclusive porque lhe falta
competência para modificar a multa imposta.
Pelos motivos expostos, a
Gerência Regional deveria ter recusado a presente como consulta, sob o
fundamento do art. 6°, V, a, da Portaria SEF n° 213/95.
3.2 - Da multa moratória:
Entretanto, apenas para não
deixar o questionamento do contribuinte in albis, teceremos algumas
considerações sobre a questão proposta, ficando bem claro que não se trata de
resposta à consulta e, portanto, não produz os efeitos próprios ao instituto.
Um dos fundamentos da
irresignação do sujeito passivo é a limitação às multas de caráter moratório
imposta pelo Código de Defesa do Consumidor. Assim, deveremos examinar
sucessivamente a) se as multas administrativas tem caráter moratório ou não; b)
se os preceitos do Código de Defesa do Consumidor são aplicáveis à matéria
tributária ou não.
Vetusta jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, de que é paradigma o Recurso Extraordinário 79.625, julgado
em 14 de agosto de 1975 pelo Tribunal Pleno, sendo Relator o Ministro Cordeiro
Guerra, entende que, a partir do Código Tributário Nacional, não há como
distinguir entre multas moratórias e
punitivas. Acrescenta o venerável aresto que para indenização da mora são
previstos juros e correção monetária.
No mesmo sentido, a decisão da
Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (REsp. 177.076-RS, julgado em
18/05/99), relatada pelo Min. Humberto Gomes de Barros: "a multa moratória
foi concebida como forma de punir o atraso no cumprimento das obrigações
fiscais, tornando-o oneroso. Seu escopo final é intimidar o contribuinte,
prevenindo sua mora. Inegável sua natureza punitiva. O ressarcimento pelo
atraso fica por conta dos juros e eventual correção monetária". Em
síntese, todas as multas tributárias administrativas têm caráter punitivo,
razão porque a decisão do STF revogou a Súmula n° 191, segundo a qual apenas as
multas moratórias onerariam o crédito tributário habilitado em falência.
3.4 - Da inaplicabilidade
do Código de Defesa do Consumidor a matéria tributária:
O primeiro erro do sujeito
passivo consiste na invocação de legislação federal, inclusive uma portaria da
Secretaria da Receita Federal. O equívoco é primário. Não existe subordinação
hierárquica entre a União e os Estados-membros em matéria tributária. Os
diplomas normativos da União não obrigam os Estados, muito menos em se tratando
de diplomas normativos infra-legais como é o caso de portaria da SRF. Tão
esdrúxula concepção agride o princípio da federação e a autonomia dos entes
federados.
No sistema de federalismo fiscal
integrativo, adotado no Brasil a partir da Emenda Constitucional n° 18/65, o
direito tributário é matéria de competência legislativa concorrente entre a
União e os Estados. No âmbito da competência concorrente, a Constituição
reservou à União a competência para legislar sobre normas gerais. A
matéria de direito tributário sanci-onatório é de competência legislativa
privativa do ente tributante que, no caso vertente, é o Estado de Santa
Catarina.
Outro erro grave cometido pela
postulante é de confundir direito público e privado. Esse último trata de
relações jurídicas entre particulares. Já o direito público, trata de relações
jurídicas entre Estado e particular. A multa moratória de que trata o Código de
Defesa do Consumidor é de caráter contratual (estipulada entre as partes). O
citado pergaminho busca a proteção do consumidor contra multas abusivas,
impostas pelo poder econômico.
No caso do direito tributário -
ramo do direito público - estamos tratando de rela-ções entre o Estado e o
contribuinte. Não estamos diante de relações contratuais, mas de estipulações
de lei. As multas previstas na legislação tributária visam a proteção do
crédito tributário que é espécie de receita tributária (res publica),
sujeita ao princípio da indisponibilidade. Ou seja, o administrador público não
pode dispor da receita tributária, senão nos termos da lei. A imposição
tributária (inclusive as multas) não é passível de negociação ou consenso entre
as partes (não há acordo de vontades). A multa resulta da lei e é aplicada de
ofício.
Despiciendo lembrar que não há
qualquer semelhança entre o contribuinte e o consumidor. O primeiro figura no
polo passivo da relação jurídica tributária do qual a lei exige uma
contribuição (proporcional à sua capacidade contributiva) para o financiamento
do Estado, para a consecução do bem comum. Já o consumidor adquire bens e
serviços para seu uso, mediante pagamento do preço ajustado entre ele e o
vendedor. A relação é comutativa, devendo haver uma correspondência ou
equivalência entre as utilidades adquiridas (consumidas) e o preço pago. No
caso do tributo, não há qualquer equivalência entre o tributo recolhido e o
consumo de bens públicos. A relação, nesse caso, é distributiva.
Por derradeiro, a 2ª Turma do TFR
da 4ª Região (MAS 1998.04.01.088221-5-SC,
DJU de 3/11/99 pg. 198) já decidiu, por unanimidade de votos, que:
"é inaplicável a Lei 9.298/96, que alterou a redação do parágrafo 1° do
art. 52 da Lei 8.078/90 - Código de Defe-sa do Consumidor, a relações entre
contribuintes e o fisco, estando correta a aplicação da multa estabelecida em
30% do valor do débito parcelado".
3.5 - Conclusão:
Diante do exposto, a presente não
pode ser recebida como consulta. Como conseqüência, não pode produzir os efeitos próprios ao instituto.
Desses efeitos devemos destacar a suspensão do prazo de pagamento do crédito
tributário, relativo à matéria consultada até trinta dias após o ciente da
resposta (Portaria SEF 213/95, art. 7°, I).
O crédito tributário exigido pela
notificação fiscal, inclusive a multa, deveria ter sido pago nos trinta dias
após o ciente da respectiva notificação de lançamento. A falta de recolhimento
implica a imediata inscrição do débito em Dívida Ativa e o encaminhamento do
correspondente título executivo à Procuradoria Fiscal do Estado para a sua
cobrança judicial.
À superior consideração da
Comissão.
Getri, em Florianópolis, 6 de
março de 2001.
Velocino Pacheco Filho
FTE - matr. 184244-7
De acordo. Responda-se à consulta
nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 3/04/01.
Laudenir Fernando Petroncini João Paulo Mosena
Secretário Executivo Presidente
da Copat