EMENTA: ICMS. ZONA DE
PROCESSAMENTO DE PRODUTOS FLORESTAIS – ZPF. O INSTITUTO DA CONSULTA VISA A
INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DE DISPOSITIVO DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA. A CONSULTA
QUE, PELO CONTRÁRIO, PROPÕE A ALTERAÇÃO DESTA MESMA LEGISLAÇÃO NÃO PODE SER RECEBIDA
COMO TAL.
A LEI QUE CRIOU A ZPF CONTEMPLOU APENAS A MADEIRA ORIGINÁRIA DA PRÓPRIA ZPF.
VISA AO APROVEITAMENTO DO POTENCIAL PRODUTIVO DE MADEIRAS DO ESTADO DE SANTA
CATARINA E NÃO DE OUTROS ESTADOS.
CONSULTA Nº: 83/04
PROCESSO Nº: GR14
82.111/04-9
01 - DA CONSULTA
Cuida-se de consulta formulada
por empresa catarinense estabelecida na Zona de Processamento Florestal (ZPF),
operando, conforme informa, no ramo de “produção de lâminas faqueadas de
pinus”, sobre a matéria relatada abaixo.
A consulente noticia que “adquire
toros no Estado de São Paulo e os revende dentro da ZPF”. Pretende que seja
dado tratamento diferente do dado pela resposta à Consulta nº 58, de 2002. Para
tanto propõe que seja adotado o conceito de internamento, de modo similar ao
tratamento dado à importação de mercadorias estrangeiras pela Secretaria da
Receita Federal. Após exaustiva transcrição da legislação, desenvolve os
seguintes argumentos, que procuramos resumir do modo o mais coerente possível:
a) não há razão para não incluir
no diferimento (postergação do recolhimento) as madeiras oriundas de outros
Estados;
b) a legislação estadual em
nenhum momento autoriza a interpretação restritiva às madeiras originárias da
ZPE;
c) que a Consulta 58/02
trabalharia contra o objetivo desenvolvimentista da Lei das ZPE;
d) que seria confuso o tratamento
diferenciado para madeiras oriundas da ZPE ou não;
e) “o diferimento não implica nem
isenção nem não-tributação, mas que existe a ocorrência do fato gerador e que a
responsabilidade pelo imposto diferido fica sendo do destinatário, fica claro
que o diferimento, não afastando a incidência do tributo, pode e deve ser
estendido às operações internas da ZPE com madeiras oriundas de outra Unidade
da Federação”;
f) a Constituição Federal veda
estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza,
em razão de sua procedência ou destino (art. 152).
Ao final, a consulente pede a
“revisão do posicionamento adotado na Consulta 58/2002”, argumentando como
segue:
“.... pensamos ter deixado clara
a vantagem de se adotar ao invés de tratamentos tributários diferenciados para
as madeiras e produtos resultantes, em virtude da origem dos toros, aplicar-se
uniformemente o diferimento após a “internação” da madeira na ZPF e permitir a
quem a interne o direito de creditar-se e transferir os créditos, eis que da
forma estabelecida pela COPAT na consulta 58/2002 o problema da
não-cumulatividade fica somente adiado à etapa seguinte”.
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Lei n° 10.169, de 12 de julho de
1996, art. 2°;
RICMS/SC, aprovado pelo Decreto
n° 2.870, de 27 de agosto de 2001, Anexo 3, art. 8°, inciso IX.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
A rigor, a interessada não
formula propriamente consulta sobre a interpretação e aplicação da legislação
tributária, mas vem apenas manifestar o seu inconformismo em relação à resposta
à Consulta nº 58, de 2002, ementada como segue:
“ICMS. ZONA DE PROCESSAMENTO
FLORESTAL - ZPE. O IMPOSTO RELATIVO ÀS OPERAÇÕES ENTRE CONTRIBUINTES COM
MADEIRA OU PRODUTOS RESULTANTES DE SUA TRANSFORMAÇÃO É DIFERIDO QUANDO
REMETENTE E DESTINATÁRIO ESTIVEREM ESTABELECIDOS NA ZPF.”
“O INCENTIVO APLICA-SE APENAS À
MADEIRA E PRODUTOS RESULTANTES DE SUA TRANSFORMAÇÃO ORIGINÁRIOS DE ÁRVORES
ABATIDAS NA ZPF.”
“SERÃO CONSIDERADOS PRODUTOS
RESULTANTES DA TRANSFORMAÇÃO DA MADEIRA SE ESTA FOR A SUBSTÂNCIA PREPONDERANTE
NA SUA COMPOSIÇÃO.”
A questão é claramente de lege
ferenda, posto que a interessada, com efeito, não se limita à interpretação do
dispositivo questionado da legislação catarinense, mas propõe a adoção do
conceito de “internação”, estranho à legislação enfocada, para dar às madeiras
originárias de outras regiões o mesmo tratamento tributário que a lei
catarinense dispensa à madeira originária da ZPE. Deve-se ressaltar que a
competência desta Comissão não deve ultrapassar o terreno puramente
interpretativo, mesmo quando suas respostas tenham efeito erga omnes. Em
nenhuma hipótese a Comissão pode erigir-se em legislador positivo e criar novas
hipóteses além daquelas contempladas na lei interpretada.
A interpretação inicia-se com o
exame lingüístico do texto legal. A abrangência do benefício previsto pela Lei
nº 10.169, de 1996, é dada no seu artigo 2º:
“Art. 2° A Zona de Processamentos
de Produtos Florestais - ZPF visa o aproveitamento do potencial produtivo de
madeiras do Estado de Santa Catarina, com o processamento de todas as etapas
pertinentes à industrialização da madeira, desde a floresta até a madeira
beneficiada, em forma de casas, móveis e demais utilizações na indústria de
transformação, buscando a promoção do desenvolvimento regional.”
O dispositivo examinado nos diz,
em primeiro lugar, que o benefício “visa o aproveitamento do potencial
produtivo de madeiras do Estado de Santa Catarina” e não as de outro Estado.
Ele não foi dado para estimular a industrialização de madeiras no Estado de
Santa Catarina, mas especificamente para aproveitar o potencial produtivo das
madeiras do Estado de Santa Catarina. O legislador foi ainda mais claro ao
dizer que o processamento envolve todas as “etapas”, desde a floresta até a
madeira beneficiada. Ou seja, o benefício abrange toda a seqüência de operações
que começa com o manejo florestal, o abate das arvores, seu desdobramento e,
finalmente, a industrialização, chegando ao produto final a ser vendido.
Falece razão à interessada quando
sustenta que a legislação estadual “em nenhum momento autoriza a interpretação
restritiva (a somente madeira de árvore abatida dentro da ZPF)”. Como
demonstrado acima, a Lei nº 10.169/96, conforme esclarece o art. 2º, teve por objetivo
expresso e inquestionável privilegiar a exploração de “madeiras do Estado de
Santa Catarina” e não madeiras do Estado de São Paulo adquiridas por empresa
catarinense. A delimitação do benefício, manifesta na lei, não pode ser
ampliada nem pelo regulamento, que está restrito à própria lei que regulamenta,
muito menos por ato da Administração Tributária.
O argumento teleológico levantado
pela consulente – que o aludido tratamento tributário teria por fim o
desenvolvimento da região – não autoriza as autoridades fazendárias a ampliarem
o alcance da lei para abranger hipóteses não contempladas pelo legislador. De
resto, o emprego da eqüidade como técnica integrativa do direito tributário não
pode resultar em dispensa de tributo (CTN, art. 108, § 2º). Com efeito, a
técnica do diferimento, embora o imposto diferido seja exigível em outro
momento da circulação da mercadoria, implica a não-tributação na operação em
foco e em relação àquele contribuinte.
Aliás, o uso do ICMS como
instrumento de desenvolvimento regional acarreta o tratamento tributário
diferenciado para os contribuintes da região considerada, a despeito do
disposto no art. 152 da Constituição Federal. Mas o comando dirige-se ao
legislador e não às autoridades administrativas que estão impedidas de negar
cumprimento à legislação estadual, sem que tenha sido previamente declarada a
sua inconstitucionalidade.
Precisamente por constituir
tratamento diferenciado para os contribuintes estabelecidos na ZPF, em relação
aos estabelecidos fora dela, o benefício, que originalmente era restrito aos
municípios da região da AMURES (art. 3º da Lei nº 10.169/96), foi ampliado
sucessivamente pelas leis 11.692, de 2001, 11.952, de 2001 e 12.115, de 2002,
até alcançar todos os municípios do Estado.
Em tema de créditos fiscais, a
regra é que não possam ser aproveitados na hipótese de diferimento do imposto,
consoante remansosa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, verbis:
“Não havendo pagamento do ICM
quando da sua aquisição, ficando diferido para incidir sobre o produto
industrializado, a empresa não tem direito ao crédito referente à compra” (STF,
Segunda Turma, RE 108.576 SP).
“O diferimento do ICM não gera
direito ao crédito do tributo, nem ofende o princípio da não-cumulatividade,
não havendo que se falar, ainda, em coisa julgada se a decisão invocada se
refere a exercícios anteriores (Súmula 239 do STF)” (STF, Primeira Turma, Agr.
Reg. em Agr. Instrumento 189.787 SP).
Não discrepa deste entendimento o
Superior Tribunal de Justiça:
“Pelo instituto do diferimento, o
imposto devido numa fase do ciclo de produção e comercialização é transferido
para a outra; inexigível o tributo na fase anterior, não há crédito a ser
aproveitado na seguinte, em que o imposto deve ser pago por inteiro” (STJ,
Primeira Turma, REsp 87.625 SP).
O diferimento é instituto próprio
dos impostos não-cumulativos em que o pagamento do imposto é postergado para
outra etapa de circulação da mercadoria. No caso de implicar mudança do sujeito
passivo, o diferimento acumula com a substituição tributária em relação às
operações antecedentes (Lei Complementar nº 87/96, art. 6º, § 1º). Sendo apenas
postergação do imposto, o diferimento não se confunde com isenção, nem com
outra forma de não incidência. No entanto, o raciocínio da consulente – se diferimento
não é isenção, aplica-se à madeira de outro Estado – não chega nem ao menos a
ser uma inferência, quanto mais um inferência válida, pois a conclusão não tem
relação com a premissa. É apenas uma afirmativa gratuita e destituída de
sentido.
Da mesma maneira, é irrelevante
para o caso discutir se há ou não renúncia de receita. O argumento não autoriza
o intérprete a ampliar o alcance da lei. A interpretação deve ficar restrita ao
texto legal, sem ampliá-lo. Isto porque, a cobrança de tributos é atividade
administrativa vinculada: as autoridades administrativas devem obedecer
estritamente a lei, sem qualquer margem de discricionariedade, inclusive para
dispensar tributo ou ampliar o alcance dos benefícios fiscais. O crédito
tributário é indisponível.
Também não cabe, na hipótese, a
aplicação da analogia. Conforme art. 108, I, do CTN, a analogia é técnica de
integração do direito tributário. A integração, como é sabido, visa a
colmatação das lacunas existentes na legislação, aplicando, ao caso em exame, o
tratamento previsto para caso similar. Assim, a primeira condição para o
emprego da analogia é a existência de lacuna, ou seja, que a integração seja
necessária. A simples falta de regra não caracteriza lacuna, porque o
legislador pode não ter querido contemplar a situação em tela. É o caso
presente. O legislador quis dar tratamento diferenciado à madeira catarinense,
excluindo a madeira de outros Estados. Não cabe recurso à analogia para incluir
no benefício hipótese não querida pelo legislador.
O que acontece, como observado ao
início, é que não estamos diante de uma consulta sobre a aplicação da
legislação tributária; sobre o direito posto. A consulente pretende ampliar o
benefício para contemplar o seu caso particular, o que é vedado ao intérprete.
Com efeito, diz o consulente a fls. 9: “Sendo o diferimento somente postergação
do recolhimento do imposto, nenhum motivo haverá para não incluir no
diferimento as madeiras oriundas de outros Estados, eis que isto não implicará
renúncia fiscal”. De fato o legislador poderia tê-lo feito, mas não o fez;
manteve o benefício restrito às madeiras extraídas em território catarinense.
Mais clara fica a intenção da consulta quando a consulente argumenta (fls. 15)
nos seguintes termos: “pensamos ter deixado clara a vantagem de se adotar ao
invés de tratamentos tributários diferenciados para as madeiras e produtos
resultantes, em virtude da origem dos toros, aplicar-se uniformemente o
diferimento após a ‘internação’ da madeira na ZPF”.
A presente não trata de
interpretação da legislação tributária, mas de proposta de alteração da lei.
Está, portanto, fora da competência desta Comissão, razão porque deve ser
desconsiderada como consulta, nos estritos termos da legislação aplicável (Lei
nº 3.938/66, art. 210).
Posto isto, responda-se à
consulente:
a) a presente não pode ser
recebida como consulta por não tratar de interpretação de dispositivo da
legislação tributária, mas discute o próprio alcance da legislação;
b) o tratamento tributário
previsto para as empresas estabelecidas na Zona de Processamento de Produtos
Florestais – ZPF – alcança apenas a madeira originária da própria ZPF, ou seja,
do território do Estado de Santa Catarina.
À superior consideração da
Comissão.
Getri, em Florianópolis, 25 de
maio de 2004.
Velocino Pacheco Filho
FTE - matr. 184244-7
De acordo. Responda-se à consulta
nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 17 de dezembro de 2004.
Josiane de Souza Corrêa
Silva Renato Luiz
Hinnig
Secretário Executivo
Presidente da Copat