Consulta nº 052/07
EMENTA: ICMS. A SAÍDA DE PEÇAS DE REPOSIÇÃO COM DESTINO
A PRESTADOR DE SERVIÇO RODOVIÁRIO DE CARGAS ESTÁ EXCLUÍDA DO TRATAMENTO PREVISTO
NO ART. 90 DO ANEXO 2 DO RICMS-SC/01,
POR FORÇA DO DISPOSTO NO § 3° DO MESMO ARTIGO.
DOE de 11.04.08
01 - DA CONSULTA.
Informa
a consulente que dedica-se ao ramo de distribuição e
comércio atacadista de autopeças e que grande parte de seus clientes são
empresas de prestação de serviços de transporte. O Decreto 842, de 2003,
acrescentou parágrafo ao art. 90 do Anexo 2 do RICMS-SC/01, do seguinte teor:
“§3° Nas operações com
autopeças e tecidos, o benefício previsto no ‘caput’ não se aplica às saídas de
consumidor final”.
Sustenta
a consulente que essa disposição legal não seria aplicável às operações com empresas
prestadoras de serviço de transporte, pois estas são contribuintes do ICMS.
Fundamenta sua posição nos seguintes argumentos:
a)
para as empresas prestadoras de serviço de transporte, as peças de reposição
são insumos utilizados na prestação de serviços;
b)
consumidor final, para fins tributários, é o usuário final da mercadoria, a
qual tem encerrado o seu ciclo de comercialização;
c)
a Lei 13.790/06 (Pró Cargas) reconheceu que as peças de reposição são insumos
da prestação de serviço ao permitir expressamente o crédito correspondente à
sua aquisição.
A
informação fiscal a fls. 22-23 manifesta-se contrariamente à tese defendida
pela consulente, argumentando que “as peças de reposição são mercadorias
destinadas ao seu uso e consumo, correspondendo a créditos financeiros, e como
tal, o imposto somente poderia ser creditado no prazo previsto no artigo 33,
inciso I, da Lei Complementar 87/96 (1° de janeiro de 2011)”. Acrescenta
que a Lei 13.790/2006, “à revelia da Lei Complementar 87/96, permitiu, por tempo
determinado, o crédito dessas mercadorias e, mesmo assim, apenas para as
empresas de transporte rodoviário de cargas”.
Conclui
a informação, sugerindo que a consulta não seja recebida, nos termos do art. 7°,
III, “c”, da Portaria SEF 226, por não haver indagação alguma por parte da
consulente e a matéria estar suficientemente clara na legislação.
02 -
LEGISLAÇÃO APLICÁVEL.
Lei
13.790/06, art. 2°, I;
RICMS-SC,
aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, Anexo 2, art. 90, §§ 1°, III, e 3°.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA.
A
presente consulta questiona o sentido e alcance da expressão “consumidor
final”, utilizada pelo legislador, na redação do § 3° do art. 90 do
Anexo 2 do RICMS-SC/01.
De Plácido e Silva (Vocabulário Jurídico)
conceitua consumidor como quem adquire mercadoria “para seu uso ou consumo, sem
intenção de revendê-la”. Já o adjetivo “final” aplicado a “consumidor” indica
uma categoria de consumidores em especial, distinguido-a de outros consumidores
que não são “finais”.
A Constituição anterior (1969), ao dar
competência aos Estados para instituir o imposto sobre operações relativas à
circulação de mercadorias (art. 23, II), dispunha (§ 5°) que sua
alíquota seria “uniforme para todas as mercadorias nas operações internas e interestaduais,
bem como nas interestaduais realizadas com consumidor final”.
Há consenso entre os intérpretes que a expressão
“consumidor final”, utilizada pelo constituinte, identifica aquele que adquire
a mercadoria para seu próprio uso; para satisfazer suas necessidades.
Distingue-se assim de quem adquire a coisa para empregá-la na produção de
outras coisas, que serão destinadas ao comércio. Neste último caso, o consumo
não seria final, mas intermediário.
O consumo final, portanto, define-se pelo uso
dado à mercadoria, pouco importando se o consumidor é pessoa natural ou
jurídica, contribuinte
ou não-contribuinte.
Com efeito, o constituinte de 1988, ao tratar da
mesma matéria, ampliou o campo de aplicação da alíquota interestadual, conforme
art. 155, §2°, VII:
“VII – em relação às
operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final
localizado em outro Estado, adotar-se-á:
a) a alíquota interestadual, quando o
destinatário for contribuinte do imposto;
b) a alíquota interna, quando o destinatário não
for contribuinte dele:”
Assim,
a alíquota interestadual passou a aplicar-se também ao “consumidor final que
for contribuinte do imposto”. Nesta hipótese, dispõe o inciso VIII, deverá ser
pago “ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à
diferença entre a alíquota interna e a interestadual”. Trata-se de mercadoria
que foi adquirida por contribuinte do imposto, na condição de “consumidor
final”, ou seja, para seu próprio uso e não para aplicação na produção ou na
prestação de serviço.
Quanto
a identificação de quais mercadorias seriam adquiridas
pelo “contribuinte do imposto”, na qualidade de “consumidor final”, a Lei
10.297, de 26 de dezembro de 1996, art. 2°, VI, constitui fato gerador
do imposto “o recebimento de mercadorias, destinadas a consumo ou integração ao
ativo permanente, oriundas de outra unidade da Federação”. O art. 10, IX,
dispõe que a base de cálculo, neste caso, é “o valor da prestação ou da
operação no Estado de origem ou no Distrito Federal”. Acrescenta o § 4°
do mesmo artigo que “o imposto a recolher será o valor resultante da aplicação
do percentual equivalente à diferença entre a alíquota interna e a
interestadual, sobre o valor ali previsto”.
Dos
dispositivos legais citados, depreende-se que a aquisição por “contribuinte do
imposto” de mercadoria destinada a integração ao ativo
permanente ou ao uso ou consumo do estabelecimento, caracteriza-se como
“consumo final”. A operação interestadual, neste caso, deve ser tributada pela
alíquota interestadual, cabendo ao Estado onde localizado o destinatário cobrar
a diferença entre o imposto cobrado pelo Estado de origem e o resultado da
aplicação da alíquota interna sobre a mesma base de cálculo.
A consulta versa sobre a interpretação do § 3°
do art. 90 do Anexo 2. Este artigo reduz a base de
cálculo do imposto em 29, 411%, no caso de mercadorias sujeitas a tributação
pela alíquota de 17%, e em 52%, no caso de mercadorias sujeitas a tributação pela
alíquota de 25%. Em ambos os casos, a tributação efetiva é reduzida para o patamar
equivalente à alíquota de 12%.
Desse
tratamento, o referido § 3° exclui expressamente as autopeças destinadas
a consumidor final.
A
consulente argumenta que a Lei 13.790, de 2006, reconheceu expressamente o
direito ao crédito relativo à aquisição de peças de reposição (art. 2°,
I, “d”). Ora, como as mercadorias destinadas ao consumo do estabelecimento,
pela legislação vigente, não dão direito ao crédito, conclui que as peças de
reposição não se destinam ao consumo do estabelecimento.
O
raciocínio da consulente é falho porque a premissa menor não é universal. Pelo
contrário, é verdadeira apenas para o setor de transporte de cargas e, mesmo
assim, apenas a partir da entrada em vigor da lei que criou o Programa
Pró-cargas.
Com
efeito, o dispositivo invocado permite o referido crédito, somente como
estímulo ao desenvolvimento do setor de transporte (Programa Pró-cargas). Não pode ser entendido como um reconhecimento
de que as peças de reposição não se destinem ao consumo do adquirente. Qualquer outra peça de reposição – em setor de atividade diverso do
transporte de cargas – não dá direito a crédito. Trata-se de benefício
fiscal que somente produz efeitos a partir da edição da lei que o concede,
como, aliás, dispõe expressamente o art. 6°, I, do mesmo pergaminho: “o
disposto nesta Lei, em seu art. 2º, I, ‘d’, aplica-se somente às aquisições realizadas a partir de sua
entrada em vigor”. Como norma excepcional, deve ser interpretada restritivamente,
pois a regra geral é que os materiais de consumo não dão direito
a crédito antes do regime de créditos financeiros entrar completamente em
vigor.
As peças de reposição não constituem bens
destinados à integração ao ativo imobilizado, nem são integralmente consumidas
na prestação de serviço, devendo ser repostas ao final de certo tempo.
Mesmo porque o direito ao crédito é um critério
irrelevante para a classificação do consumo como final ou intermediário. Os
materiais de consumo darão direito ao crédito ou não de acordo com o regime de
compensação adotado. Na verdade, a Lei Complementar 87/96 optou por implantar
gradativamente o regime de créditos financeiros. As mercadorias destinadas ao
consumo do estabelecimento não dão direito ao crédito hoje, mas darão direito
ao crédito em algum momento no futuro. Não podemos admitir que a utilização da
mesma mercadoria seja, num determinado momento, consumo final e, em outro
momento, consumo intermediário, ou vice-versa, conforme possa ou não ser
aproveitado o crédito.
Pelo contrário, a classificação de consumo final
e de consumo intermediário, sendo econômica, deve permanecer a mesma,
independentemente do regime de compensação adotado.
No caso em tela, as peças de reposição, à
evidência, não constituem ativo permanente. Também não são insumos que são
integralmente consumidos na prestação de serviços. Portanto, constituem
material de uso e consumo do estabelecimento. A matéria já foi analisada por
esta Comissão, na resposta à Consulta 23/2001, com a seguinte ementa:
EMENTA: ICMS. CRÉDITO DO ATIVO PERMANENTE. AS
PARTES E PEÇAS ADQUIRIDAS PARA MANUTENÇÃO DE BENS INTEGRADOS AO ATIVO
IMOBILIZADO SÃO CONSIDERADAS CONSUMO DO ESTABELECIMENTO, SOMENTE DANDO DIREITO
A CRÉDITO FISCAL QUANDO DA PLENA ENTRADA EM VIGOR DA LC 87/96.
Do corpo da consulta, extraímos referência a
jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ, 1ª T, ED no REsp. 101.797-SP, j. 14.08.97) que, analisando caso anterior
à edição da Lei Complementar 87/96 (créditos físicos), repeliu a possibilidade
de crédito em relação a peças de reposição.
Em relação ao período posterior à edição da Lei
Complementar 87/96, esta comissão acompanhou a resposta a Consulta 129/98, do
Estado de São Paulo, que, baseada em teoria colhida em Sérgio de Iudicibus et Alli
("Manual de Contabilidade das Sociedades por Ações", São Paulo: FIPECAPI/Atlas, 1985), assim tratou a questão:
“15. Já no que pertine às partes e peças adquiridas, separadamente, para o
fim de manutenção, reparo, conserto etc. (não contabilizadas no Ativo
Imobilizado) de máquinas ou equipamentos, não geram, por suas aquisições, o
direito de lançar na escrita fiscal o valor do imposto correspondente, por se
tratar de valores de mercadorias que serão lançados na contabilidade como Ativo
Circulante ou diretamente como despesas opercionais,
gastos gerais de fabricação, custos de produção ou nome equivalente, cujo
direito ao crédito somente se dará a partir de 1º de janeiro de 2003, por força
da Lei Complementar n° 99/99.”
Posto isto, responda-se à consulente:
a)
peças de reposição de veículos utilizados na prestação de serviço de transporte
rodoviário de cargas caracterizam-se como “consumo final” do estabelecimento;
b)
a saída de peças de reposição com destino a empresa de transporte está excluída
do tratamento previsto no art. 90 do Anexo 2 do RICMS-SC/01, por força de seu § 3°;
c)
o regime de compensação do imposto, físico ou financeiro, é irrelevante para
caracterizar consumo final.
À
superior consideração da Comissão.
Getri, em Florianópolis, 5 de junho de 2007.
Velocino
Pacheco Filho
AFRE – matr. 184244-7
De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer
acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 28 de
junho de 2007.
Alda Rosa da Rocha
Almir José Gorges
Secretária Executiva
Presidente
da Copat