EMENTA: ICMS.
SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. PRESTAÇÕES DE SERVIÇO DE TRANSPORTE. IMPOSTO QUE NÃO É
PAGO DE FORMA AUTÔNOMA PELO SUBSTITUTO. DÉBITO QUE É APENAS ABSORVIDO PELO
VALOR DEVIDO NA OPERAÇÃO POSTERIOR REALIZADA PELO RESPONSÁVEL. SUBSUNÇÃO QUE
NÃO ADMITE O CRÉDITO DO VALOR PAGO, SOB PENA DE REDUÇÃO DO IMPOSTO DEVIDO.
PROCESSO Nº: GR02
10.311/02-5
01. CONSULTA
A empresa acima identificada
dirige à COPAT consulta relativamente ao aproveitamento de créditos do ICMS em
razão de prestações de serviço de transporte de que é tomadora.
Informa que em algumas das vendas
de mercadorias que realiza incumbe-se do pagamento do frete relativo ao
transporte até o estabelecimento do adquirente, ou seja, a venda é contratada
sob a cláusula CIF – Cost Insurance and Freight.
No período de 1993 a 1998, a
legislação vigente atribuía à consulente a condição de responsável, por
substituição tributária, pelo pagamento do imposto devido naquelas prestações
de serviço de transporte.
Nesses casos, lembra a consulente,
a transportadora não efetuava o recolhimento do ICMS devido pela prestação de
serviço de transporte, em razão da transferência da responsabilidade para o
remetente da mercadoria, bem como não efetuava o destaque do valor do imposto
no documento fiscal.
Sendo a consulente tomadora
desses serviços de transporte, entende ter direito ao crédito do imposto
respectivo, tal como reconhecido em manifestações anteriores da COPAT.
Contudo, afirma, “embora tenha
sido a consulente quem suportou a carga tributária, na condição de substituta
tributária, fazendo o recolhimento do ICMS relativo à operação de transporte,
englobadamente e de forma ‘absorvida’ pelos seus débitos totais, não aproveitou
ela – consulente –, os créditos correspondentes à etapa anterior”.
Diante desse quadro, indaga a
consulente:
a) se poderá creditar-se do
imposto incidente sobre o serviço de transporte de mercadorias remetidas sob
cláusula CIF, quando a própria consulente realiza a contratação do serviço de
transporte, ficando responsável por substituição pelo pagamento do ICMS
incidente sobre o serviço, “mesmo havendo ‘absorção’ de seu valor pela etapa
subsequente e o pagamento” do imposto devido por responsabilidade dar-se
“englobadamente” no final do período de apuração;
b) se o não creditamento, na
forma sugerida no item anterior, estaria em desconformidade com o princípio da
não cumulatividade do imposto;
c) se seria compatível com o
mesmo princípio a instituição da substituição tributária sem a possibilidade do
aproveitamento do crédito do imposto incidente sobre as prestações de serviço
de transporte;
d) se em caso de reconhecimento
de seu direito ao creditamento pretendido poderia a consulente realizar o
aproveitamento retroativo de tais créditos, e ainda se tal aproveitamento
estaria sujeito a algum prazo decadencial ou prescricional. Pergunta ainda qual
o procedimento adotar e quais os índices de correção monetária e demais
encargos deve aplicar.
02. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
RICMS/89, aprovado pelo Decreto
nº 3.017, de 28 de fevereiro de 1989, Anexo VII, arts. 71, I e II, e 74, parágrafo único;
RICMS/01, aprovado pelo Decreto
nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, Anexo 3, art. 1º, §§ 1º e 2º, III.
03. FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
O ponto fundamental da consulta
formulada, e que serve de suporte para a conclusão da consulente, de que teria
direito ainda a algum crédito relativamente às prestações de serviço que
contrata, ficando responsável pelo recolhimento do imposto correspondente na
condição de substituto tributário, consiste na suposição de que estaria
havendo, na hipótese, cumulatividade do imposto.
A consulente, conforme se
verifica em sua exposição, entende presente tal cumulação, e por isso conclui
que deveria creditar-se do imposto incidente sobre o transporte. Essa
conclusão, porém, é absolutamente equivocada, devendo-se tal equívoco ao fato
de que a análise realizada pela consulente não leva em consideração todos os
aspectos da questão.
Com efeito, a consulente tenta
interpretar a situação partindo do ponto em que realiza o pagamento do imposto
por responsabilidade, “englobadamente” com o imposto incidente na própria
operação relativa à circulação da mercadoria transportada. Como nesse momento
somente realiza um débito do imposto, pergunta-se onde estaria o crédito que
normalmente realiza, relativamente ao imposto pago pelo contribuinte que
realizou a operação anterior.
Esquece-se, porém, que nessa
operação anterior não houve qualquer pagamento do imposto. Esse o efeito da
substituição tributária na hipótese. Esse pagamento deve ser feito, isto sim,
pela própria consulente. Como pretender, assim, o crédito, pelo contribuinte,
do imposto por ele mesmo devido. Uma coisa é creditar-se do que foi pago
anteriormente por outro contribuinte. Com isso simplesmente evita-se um duplo
pagamento. Outra absolutamente diferente seria o próprio contribuinte que paga
o imposto creditar-se do seu valor, pois que neste caso haveria simplesmente
uma anulação do pagamento feito.
Quanto à compatibilidade do
princípio da não cumulatividade com a solução prevista na legislação para a
hipótese, consistente na subsunção do imposto devido por substituição no
imposto devido pelo substituto em razão da operação própria, é preciso lembrar
à consulente que para que se afirme a cumulatividade do imposto é preciso
identificar, na hipótese, a existência de um pagamento duplicado. Isso, como
adiante se verá, não ocorre no caso em tela. A solução proposta pela
consulente, ao contrário de evitar a duplicidade do pagamento do imposto, como
imagina, levaria à recuperação pelo contribuinte, sob a forma de crédito, do
imposto devido ao Estado, configurando assim pura e simples evasão fiscal,
punida pela legislação.
A consulente afirma, a certa
altura de sua exposição, que “embora tenha sido a consulente quem suportou a
carga tributária, na condição de substituta tributária, fazendo o recolhimento
do ICMS relativo à operação de transporte, englobadamente e de forma
‘absorvida’ pelos seus débitos totais, não aproveitou ela – consulente –, os
créditos correspondentes à etapa anterior”.
Aqui reside o equívoco da
consulente. Teria ela, sim, direito ao crédito do imposto relativo à etapa
anterior – no caso em tela, o serviço de transporte – caso esse imposto de fato
tivesse sido pago destacadamente, ainda que pela própria consulente, por substituição.
No caso, porém, por força das
disposições legais vigentes à época, a consulente foi desobrigada desse
pagamento, de forma que o imposto que devia, relativamente ao serviço
contratado, ficava subsumido no imposto pago em razão da saída da mercadoria.
Ou seja, ao invés de efetuar dois pagamentos, creditando-se no segundo do valor
correspondente ao primeiro, a legislação autorizava a realização de um
pagamento único, realizado por ocasião da operação seguinte, englobando o
imposto correspondente aos dois fatos geradores.
É o que dizia o parágrafo único
do art. 74 do Anexo VII do RICMS/89, aprovado pelo Decreto no 3.017,
de 28 de fevereiro de 1989, que deixava claro que tal englobamento somente
seria possível nos casos em que ambas as operações fossem tributadas. Eis o
texto do dispositivo:
Art. 71. É
responsável pela retenção e recolhimento do ICMS devido na prestação de serviço
de transporte de carga:
I - o alienante ou remetente da
mercadoria, inscrito como contribuinte neste Estado;
II - o depositário, a qualquer
título, estabelecido neste Estado, na saída de mercadoria ou bem depositado por
pessoa física ou jurídica;
Art. 74.
Para escrituração fiscal e apuração do imposto, o substituto tributário adotará
os seguintes procedimentos:
(...)
Parágrafo único. Nas hipóteses de
responsabilidade prevista nos incisos I e II do art. 71, quando a operação com
a mercadoria transportada e prestação do serviço forem tributadas, o imposto
devido na condição de substituto tributário ficará absorvido pelo débito da respectiva
operação.
Ora, se a consulente não efetuou
o pagamento do imposto devido por responsabilidade, não há qualquer
legitimidade em sua pretensão de creditar-se do valor correspondente.
Para melhor esclarecimento da
questão, figure-se um exemplo.
Imagine-se, tomando as operações
como sujeitas à alíquota de 17%, uma venda de mercadoria ou prestação de
serviço de transporte pelo contribuinte substituído ao substituto no valor de
R$ 100,00.
Não houvesse a substituição,
deveria o contribuinte recolher, em razão dessa operação, R$ 17,00 de ICMS.
Esse mesmo valor, então, seria utilizado como crédito, pelo destinatário, para
compensação com o montante do imposto por ele devido na operação seguinte.
Supondo que o destinatário revenda a mercadoria adquirida – ou de cujo
transporte se trata – por R$ 200,00, o ICMS incidente sobre esta última
operação será de R$ 34,00. Aplicando a regra da compensação, contudo, o
destinatário estará obrigado ao recolhimento de apenas R$ 17,00, ou seja, R$
34,00 menos R$ 17,00 já pagos por ocasião da operação anterior.
Voltando a aplicar à hipótese a
sistemática da substituição tributária na modalidade para trás ou diferimento,
incidindo esta na primeira operação, tem-se que o primeiro contribuinte nada
recolheria de imposto, eis que a responsabilidade por esse recolhimento fora
transferida para o destinatário da mercadoria ou serviço.
Nesse ponto, duas soluções seriam
possíveis, a critério do legislador. Na primeira, o contribuinte substituto,
destinatário da primeira operação, ficaria desde logo obrigado ao recolhimento
do imposto devido por substituição, até mesmo antes de realizar nova operação
com a mercadoria. Nesse caso, recolheria a importância de R$ 17,00,
correspondente ao imposto cujo recolhimento pelo substituído fora dispensado.
Quando revendida a mercadoria por
R$ 200,00, conforme o exemplo, o contribuinte se creditaria do imposto pago em
razão da operação anterior, recolhendo o saldo, ou seja, mais R$ 17,00. No
total recolheria, portanto, R$ 34,00.
A outra possibilidade consiste na
dispensa do recolhimento imediato do tributo devido por responsabilidade pelo
contribuinte substituto, incidente na operação anterior. Ao invés disso, esse
montante será todo recolhido quando da realização de nova operação tributada
com a mesma mercadoria ou com aquela em que empregado o bem adquirido ou a que
se refira o serviço de transporte.
Assim, ao adquirir a mercadoria
por R$ 100,00, nenhum pagamento de imposto será realizado, seja pelo remetente,
seja pelo destinatário. Por outro lado, quando da revenda do bem, por R$
200,00, o contribuinte substituto estará obrigado ao recolhimento tanto do
imposto correspondente a sua própria operação quanto daquele relativo à
operação anterior, devido por responsabilidade.
O substituto, porém, não efetuará
o recolhimento distinguindo as parcelas em função da causa do recolhimento –
imposto por substituição e imposto próprio, com a demonstração conseqüente de
que faz um recolhimento de R$ 17,00 por substituição tributária, mais R$ 17,00
em razão da própria operação, correspondente esta parcela à diferença entre R$
34,00, que é o total do débito do ICMS por sua própria operação, e o crédito de
R$ 17,00 relativo à primeira parcela, que estará recolhendo na mesma
oportunidade.
Ao contrário, a legislação exige
apenas que o contribuinte recolha os R$ 34,00 devidos, sem qualquer
demonstração. O valor recolhido, como se vê, é equivalente em qualquer
hipótese, apenas neste último caso sendo dispensada qualquer indicação de que
parte do imposto devido o é pela operação própria, e que o restante decorre da
responsabilidade por substituição.
Tem-se aqui o que se denomina
subsunção do imposto devido por responsabilidade no imposto devido pela
operação tributada subseqüente promovida pelo substituto. Nesse sentido o disposto
no RICMS/01, Anexo 3, art. 1º, § 1º, verbis:
Art. 1° Nas operações abrangidas
por diferimento, fica atribuído ao destinatário da mercadoria a
responsabilidade pelo recolhimento do imposto na condição de substituto
tributário.
§ 1° O imposto devido por
substituição tributária subsumir-se-á na operação tributada subseqüente
promovida pelo substituto.
Resta evidente que, neste caso,
não há falar em “crédito” do imposto correspondente ao imposto devido por
substituição. Crédito haveria caso o imposto devido por responsabilidade
tivesse sido pago separada e antecipadamente, como antes referido, como forma
de se evitar a cumulatividade do imposto. Do contrário, se pago o valor
correspondente à substituição em um primeiro momento, e após o devido pela
operação própria, sem compensação daquele, haveria um recolhimento total de
51,00. Não é este, porém, o caso da situação objeto da consulta.
Deve-se observar, a propósito,
que permanecem válidas as afirmações, lembradas pela consulente, de que ainda
quando pague o imposto por substituição tem direito o contribuinte ao crédito
do valor respectivo caso realize nova operação tributada. Isso ocorre, porém,
como já se referiu, apenas nos casos em que o substituto já tenha efetuado tal
pagamento antes dessa nova operação, sem aplicação, portanto, da regra da
subsunção. Tais são as situações, tratando-se de responsabilidade pelo imposto
incidente em operações anteriores, em que a legislação exija o pagamento do
imposto diferido já por ocasião da entrada ou recebimento da mercadoria ou
serviço pelo destinatário. A estes casos refere-se o inciso III do § 2º do art.
1º do Anexo 3 RICMS/01:
Art. 1° (...)
§ 2° O contribuinte substituto
deverá recolher o imposto diferido:
I - quando não promover nova
operação tributada ou a promover sob regime de isenção ou não-incidência, salvo
quanto às operações que destinem mercadorias diretamente para o exterior do
país;
II - proporcionalmente à parcela
não-tributada, no caso de operação subseqüente beneficiada por redução da base
de cálculo do imposto;
III - por ocasião da entrada ou
recebimento da mercadoria, nas hipóteses expressamente previstas neste
Regulamento;
IV - se ocorrer qualquer evento
que impossibilite a ocorrência do fato gerador do imposto.
Note-se que o dispositivo prevê
outras situações em que o substituto fica obrigado ao recolhimento do imposto
devido por responsabilidade. Esses casos, porém, são estranhos ao objeto da
consulta, uma vez que se referem à hipótese de inocorrência de operação
subseqüente tributada, quando não há falar em subsunção no imposto devido na
operação seguinte.
Em casos como o da consulta, em
que tal subsunção efetivamente se realiza, com o total devido – por
substituição ou pela operação própria – sendo pago de uma só vez, a
“compensação”, necessária para evitar a cumulatividade do imposto, como que se
processa automaticamente: os R$ 34,00 pagos correspondem exatamente ao imposto
devido por responsabilidade (R$ 17,00) mais o devido pela operação própria
diminuído daquele valor (R$ 34,00 – R$ 17,00 = R$ 17,00). Não há, como se vê,
cumulatividade. Falar em novo “crédito”, na hipótese, implica a absurda e
indevida conseqüência de deduzir pela segunda vez o valor do imposto
correspondente à operação anterior, devido por substituição. Haveria assim
redução do imposto devido, posto que realizar o novo crédito, segundo o
entendimento da consulente, ou por outra creditar-se o contribuinte do imposto
devido por ele próprio, significa pura e simplesmente nada pagar.
Face ao exposto, responda-se à
consulente que não está correto seu entendimento, não havendo falar em
creditamento do valor devido por substituição tributária relativa às operações
antecedentes quando esse imposto não é pago de forma autônoma pelo responsável,
simplesmente subsumindo-se no imposto devido na operação subseqüente praticada
pelo substituto. Tal creditamento, se realizado, conduzirá à redução indevida
do imposto a pagar, configurando-se claramente hipótese de evasão fiscal. Essa
conclusão, como visto é perfeitamente compatível com o princípio da não
cumulatividade do ICMS.
Ficaram prejudicados os quesitos
formulados sob a letra “d”, a fls. 14 dos autos.
É o parecer. À consideração da
Comissão.
Gerência de Tributação, em
Florianópolis, 5 de junho de 2003.
Laudenir Fernando Petroncini
FTE - Matr. 301.275-1
De acordo. Responda-se a consulta
nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 4 de agosto
de 2003.
Laudenir Fernando Petroncini Anastácio Martins
Secretário
Executivo
Presidente da COPAT