RESOLUÇÃO NORMATIVA Nº
019 - ICMS. ATIVO IMOBILIZADO. MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO, ADQUIRIDOS POR
CONTRIBUINTE DO IMPOSTO PARA APLICAÇÃO EM OBRA DE CONSTRUÇÃO CIVIL NÃO DÃO
DIREITO A CRÉDITO. INTELIGÊNCIA DO INCISO I DO § 2° DO ART. 155 DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL.
CONSULTA Nº: 51/97
PROCESSO Nº:
GR07-25655/97-3
01 - DA CONSULTA
A consulente é empresa
estabelecida neste Estado que atua no ramo de comércio de peças e acessórios
para veículos. Noticia que no decorrer do ano efetuou reformas e construções no
seu imóvel. Por conveniência, adquiriu o material de construção, contratando
empresa de construção civil para realizar a obra.
Assim expostos os fatos, com
supedâneo na Lei Complementar n° 87/96, formula a seguinte consulta:
a) está correta a utilização dos
créditos relativos à aquisição do material de construção?
b) em virtude da quantidade de
notas fiscais, a depreciação poderá ser calculada através de uma somatória
mensal das notas fiscais do Ativo Permanente, dividida em 1/60 avos e
proporcionalmente calculada entre a venda de mercadorias sujeitas ao ICMS e
mão-de-obra?
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
- Constituição Federal, art. 155, § 2°, I, e art. 156,
III;
- Lei Complementar n° 87, de 13 de setembro de 1996, arts. 19 e 20;
- Decreto-lei n° 406, de 31 de dezembro de 1968, art. 8°, § 1°;
- Lei Complementar n° 56, de 15 de dezembro de 1987, item 32;
- Lei n° 10.297, de 26 de dezembro de 1996, arts. 21 e 22.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
Falece razão à consulente.
Materiais de construção, mesmo adquiridos diretamente pelo contribuinte, para
emprego no imóvel onde funciona a sua empresa, não dão direito a crédito fiscal
dedutível do ICMS a pagar. A tese sustentada pela consulente não encontra
abrigo no princípio da não-cumulatividade, insculpido no inciso II do § 2° do art.
155 da Constituição Federal. Trata-se, no caso, de indevida ampliação do
conceito de crédito financeiro, adotado pela Lei Complementar n° 87/96, como
veremos a seguir.
O ICMS é imposto plurifásico
não-cumulativo. Isto significa que o imposto incide em todas as etapas de
circulação da mercadoria. Mas, em cada etapa, o imposto cobrado nas anteriores,
pela mesma ou por outra unidade da Federação, é dedutível do imposto devido. Desta forma, o imposto a
recolher será sempre a diferença a maior entre o imposto debitado por ocasião
da saída da mercadoria e aquele que a onerou por ocasião da sua entrada, de
modo que o ônus tributário suportado pelo consumidor final será sempre
equivalente à aplicação da alíquota sobre o preço de comercialização.
A não-cumulatividade é, portanto,
técnica de tributar a circulação de mercadorias que distribui o ônus tributário
entre todos os que participaram do ciclo de comercialização. No seu resultado
final, equivale a uma tributação monofásica incidindo sobre a última operação,
realizada com o consumidor.
Entretanto, o direito ao crédito
não é absoluto. Para haver crédito, é necessário que a operação seja tributada,
pois cuida-se de um direito de compensar (ou deduzir). O crédito é o subtraindo
da operação aritmética. Se não há débito (minuendo) não há que se falar em crédito. Por outro lado, como o crédito é
imposto cobrado nas operações anteriores, é necessário que a aquisição de
mercadoria tenha sido onerada pelo imposto. Este é o sentido da regra contida
no inciso II do § 2° do art. 155 da Constituição Federal.
A regra da não-cumulatividade
visa evitar a tributação em cascata (incidência de imposto sobre imposto) e
preservar os mecanismos de mercado, na medida em que distribui o ônus
tributário por toda a cadeia de comercialização da mercadoria.
Tratando-se de indústria, é
utilizável ainda como crédito o imposto que incidiu sobre as matérias-primas,
insumos, material secundário e material
de embalagem, ou seja, os materiais adquiridos (tributados) e aplicados
na produção. Esses créditos são
conhecidos como créditos físicos, pois correspondem a materiais que se integram
ao produto final ou são consumidos no processo industrial.
A Constituição Federal promulgada
em outubro de 1988 ampliou o campo de incidência do imposto que passou a
incidir sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de
comunicação. Em contrapartida, o transporte e a comunicação utilizados pelo
estabelecimento na produção ou na comercialização de seus produtos passaram a dar direito a apropriação do
imposto cobrado, como crédito fiscal.
A Lei Complementar n° 87, de 13
de setembro de 1996, admitiu expressamente (art. 20) o aproveitamento, como
crédito fiscal, do imposto que incidiu sobre a entrada de mercadorias
destinadas ao uso e consumo do estabelecimento ou à integração ao ativo
permanente. Esses bens, que não se integram ao produto final nem são consumidos
no processo industrial, dão origem aos chamados créditos financeiros. No regime
anterior à Lei Complementar n° 87/96 não eram admitidos os créditos
financeiros, apenas os créditos físicos. Fernando Brockstedt, (O ICM. Porto Alegre, 1972, p. 245) assim
caracteriza os dois tipos de créditos:
Com o crédito físico (ou valor acrescido bruto), a lei
admite a dedução do imposto apenas em relação às entradas físicas de
mercadorias que, fisicamente, irão sair do estabelecimento, mesmo que
integradas a outras mercadorias. Cogita, assim, apenas, dos créditos da própria
mercadoria que irá sair, de suas matérias-primas e componentes (“mercadorias
entradas para utilização, como matéria-prima ou material secundário, na
fabricação e embalagem dos produtos”, diz o § 3º do art. 3º do D.L. nº 406).
Com o crédito financeiro (ou valor acrescido líquido),
admitir-se-ia (...) o crédito fiscal de todos os bens entrados no
estabelecimento, inclusive de ativo fixo e de consumo que, embora não sejam
fisicamente incorporados ao produto obtido, são considerados como despesas
financeiras incorporadas.
Entretanto, não é qualquer
entrada de mercadorias que dá direito ao crédito. O § 1° do art. 20 excetua as
mercadorias ou os serviços alheios à atividade do estabelecimento, como, entre
outros, os veículos de transporte pessoal, expressamente mencionados na Lei (§
2°).
De qualquer modo, para haver
direito ao crédito, é necessário que o bem ou serviço (tributados) estejam
relacionados diretamente com a industrialização, a comercialização ou a
prestação de serviços realizada pelo contribuinte. É o caso das máquinas e
equipamentos (bens de produção) utilizados na produção de mercadorias. Esses
bens sofrem um desgaste (perda de valor) em razão de sua utilização
(depreciação). Igualmente, dão direito a crédito os bens consumidos pelo
estabelecimento, em razão de sua atividade.
Aroldo Gomes de Mattos (ICMS: o
Montante dos Créditos Compensáveis, In ICMS: Problemas Jurídicos, Coord. Valdir
O. Rocha, São Paulo: Dialética, 1996, p. 37) justifica o direito ao crédito
fiscal, relativo à entrada de bens de capital, como gasto financeiro do produto
final:
Integradas ao ativo fixo, tais máquinas não ficarão
indefinidamente imobilizadas, estáticas, inertes, já que, ou serão revendidas
depois de usadas, ou se desgastarão inexoravelmente na dinâmica do processo
industrial; esse desgaste (depreciação) é repassado no custo das mercadorias
fabricadas ou dos serviços prestados. Isso significa dizer que elas integrarão,
em partículas, por mínimas que sejam, as etapas seguintes da circulação das
mercadorias, até a sua completa exaustão.
Nessas condições, são essas máquinas e insumos a mãe
de todas as mercadorias, devendo, portanto, o ICMS que incidiu na sua entrada
ser compensado com o que for devido nas operações subseqüentes.
No caso da construção civil,
cuida-se de atividade não sujeita ao ICMS. O fato gerador do imposto é a
circulação de mercadorias, por tal entendendo-se o bem móvel adquirido para
revenda, sendo tal atividade exercida profissionalmente.
Os materiais adquiridos não se
destinam à revenda, nem são utilizados, direta ou indiretamente na
industrialização ou comercialização de mercadorias, mas são utilizados em obra
de construção civil, para uso próprio. Mesmo que a obra se destinasse à revenda, não estaria sujeita ao
ICMS por ser bem imóvel e não mercadoria. No caso da futura transmissão de
propriedade do bem, incidem outros impostos, como o ITBI (na alienação) ou o
ITCMD (na sucessão “causa mortis” ou doação), jamais o ICMS. A obra de
construção civil é vendida como uma unidade e
não separadamente em suas partes componentes (a telha, o tijolo, o ferro,
a brita, a areia etc.). A obra adere ao terreno onde edificada, formando uma
unidade permanente, cuja transmissão de propriedade exige forma própria
(assentamento no Registro de Imóveis).
A construção civil está no campo
de incidência do ISS, imposto de competência municipal, prevista no item 32 da
Lista de Serviços anexa à Lei Complementar n° 56/87. O fato do contribuinte
comprar diretamente o material, contratando apenas a mão-de-obra, não a
descaracteriza como tal, nem faz incidir
o ICMS. Leciona Bernardo Ribeiro de Moraes (Doutrina e Prática de ISS.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p. 232):
A execução de obra de engenharia (construção civil,
obras hidráulicas ou outras semelhantes) será onerada pelo ISS, qualquer que
seja o tipo contratual adotado: por administração, por empreitada ou por
subempreitada.
Vejamos, então essas modalidades de contrato de
construção.
No contrato de execução “por administração”, o
construtor (administrador), mediante remuneração (denominada taxa de
administração), assume integral responsabilidade pelo gerenciamento da obra a
ser executada, ficando com o comitente (proprietário ou dono) todos os encargos
econômicos (de materiais, de mão-de-obra, trabalhistas etc.).
.............................
Em tal tipo de contrato, o construtor-administrador
não assume qualquer encargo, nem mesmo os relativos a despesas com material e
mão de obra. Estas correm por conta e risco do comitente-proprietário,
inclusive nos casos em que este incumba o próprio administrador de adquirir os
materiais para a obra (neste caso, o administrador-construtor será simples
preposto ou mandatário do dono da obra). Tudo corre por conta do
comitente-proprietário.
O ISS tem por fato gerador a
prestação por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento
fixo, de serviço constante da lista anexa à L.C. n° 56/87. As mercadorias
utilizadas na prestação do serviço, quando fornecidas pelo seu prestador,
integram a base de cálculo do ISS (Decreto-lei n° 406/68, art. 8° § 1°).
... quando as mercadorias forem fornecidas com
serviços compreendidos na LISTA, a competência única ou privativa é dos
Municípios. Tais fornecimentos de mercadorias com serviços listados
estão agora, constitucionalmente excluídos da INCIDÊNCIA do ICMS como do
IPI porque os serviços de competência dos Municípios que são os especificados
na LISTA têm a função de excluir os mencionados impostos federal e estadual.
(Ruy Barbosa Nogueira. IPI, ICMS, e ISS: Fatos geradores Afins ou
Confrontantes. In, Estudos - Outros Tributos n° 1, São Paulo: Resenha
Tributária, 1991, p. 43).
Os materiais de construção quando
vendidos pelo comerciante sofrem tributação pelo ICMS, mas no momento em que
destinados à obra de construção civil, seja pelo prestador de serviço, seja
pelo encomendante da obra, não sofrem nova incidência do imposto, pois o
produto final (a obra) não está no campo de incidência do ICMS.
Isto posto, responda-se à
consulente que os materiais de construção adquiridos pelo contribuinte, para
aplicação em seu imóvel, não geram direito a crédito do ICMS, para abater do
imposto devido. Quanto ao questionamento referido em (b) fica prejudicado face
à resposta ao questionamento (a).
À consideração superior.
Getri, em Florianópolis, 10 de
outubro de 1997.
Velocino Pacheco Filho
FTE matr. 184.244-7
De acordo. Responda-se a consulta
nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 04/11/1997.
Pedro Mendes Isaura Maria
Seibel
Presidente da COPAT Secretária Executiva