CONSULTA N° 057/2012
EMENTA:
ICMS. IMPORTAÇÃO POR CONTA E ORDEM
DE TERCEIRO. BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO DEVIDO NA SAÍDA SUBSEQUENTE DA MERCADORIA
DO ESTABELECIMENTO DO IMPORTADOR COM DESTINO AO ESTABELECIMENTO DO ADQUIRENTE.
1. Constitui
fato gerador distinto da importação, a remessa da mercadoria importada para o
estabelecimento do adquirente;
2.
A base de cálculo da operação de saída da mercadoria do estabelecimento do importador,
discriminada na respectiva nota fiscal que documentar a operação, deve compreender
todas as despesas incorridas, relativas à importação, inclusive (i) a comissão
paga pelo adquirente ao importador, como remuneração do serviço prestado; e (ii) os valores pagos pela prestação de serviço de
armazenagem portuária, ainda que sujeitos à incidência do ISS, de competência
municipal, por se tratarem de fatos geradores distintos;
3. É
irrelevante para fins de incidência do ICMS a emissão de Nota Fiscal de
Serviços, correspondente à armazenagem ou ao pagamento de comissão, por se
referirem a tributo distinto, com sua própria definição de
fato gerador e base de cálculo.
4.
A base de cálculo deve compreender também o valor do próprio imposto, conforme
art. 11, I, da Lei 10.297/96.
Disponibilizado na página da
SEF em 03.10.12
01 - DA
CONSULTA
Cuida-se de consulta formulada por empresa
que atua no comércio exterior, detentora de regime especial previsto no
RICMS-SC, Anexo 3, art. 10 c/c Anexo 2, art. 15, IX, sobre a base de cálculo do
ICMS devido na saída subseqüente de mercadoria importada por conta e ordem de
terceiro. Formula os seguintes quesitos:
1. A comissão paga pelo
adquirente deve compor a base de cálculo do ICMS?
2. A resposta sendo negativa, deve ser emitida nota fiscal complementar para cada adquirente,
incluindo o ICMS “por dentro”?
3. O serviço de armazenagem
portuária deve ser incluído na base de cálculo do ICMS, visto sujeitar-se ao
ISS, de competência municipal, conforme item 20.01 da Lei Complementar
116/2003?
Declara ainda a consulente
que tem emitido Nota Fiscal de Serviço para documentar o valor da comissão, com
fundamento no item 10.2 da lista anexa à Lei Complementar 116/2003, acrescentando,
todavia, que não é cobrado do adquirente, pois, o importador retém a esse
título 25% do crédito presumido.
A informação fiscal, fls.
25-33, analisou os pressupostos formais de admissibilidade da consulta. No
mérito, após revisar as respostas a consultas Copat
pertinentes à matéria, conclui dizendo que: “Na importação por conta e ordem de
terceiros, na saída subseqüente à importação, a base de cálculo é o valor da
operação. Integram o valor da operação, na saída, todas as despesas incorridas
pela mandatária (importadora) para disponibilizar a mercadoria ao adquirente”.
02 - LEGISLAÇÃO
APLICÁVEL
RICMS-SC, aprovado pelo
Decreto 2.870, de 27 de agosto de 2001, Anexo 2, art. 15, IX; Anexo 3, art. 10;
Convênio ICMS 135/2002.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
Antes de entrar na matéria da consulta propriamente dita, seria
proveitoso estabelecer alguns conceitos básicos.
O direito tributário, a teor
do disposto no art. 24, I, da Constituição Federal, é de competência
concorrente entre União, Estados e Distrito Federal. Conforme § 1º do mesmo
artigo, no âmbito da legislação concorrente, a competência da União limita-se a
estabelecer normas gerais. Já o art. 146 da Carta reserva à lei complementar as
seguintes matérias: (i) dispor sobre conflitos de competência, (ii) regular as limitações constitucionais ao poder de tributar
e (iii) estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária.
Em suma, a competência da
União em matéria de direito tributário obriga os Estados e o Distrito Federal
apenas nas hipóteses expressamente previstas na Constituição. Por conseguinte,
nas demais hipóteses, não há relação de subordinação entre normas tributárias
federais e normas tributárias estaduais.
A modalidade de importação
por conta e ordem foi introduzida pela Medida Provisória 2.158-35, de 24 de
agosto de 2001, que alterou os arts. 32 e 95 do Decreto-lei 37/66.
O parágrafo único do art. 32
passou a prever responsabilidade solidária para o adquirente de mercadoria de
procedência estrangeira, no caso de importação realizada por sua conta e ordem,
por intermédio de pessoa jurídica importadora.
Já o art. 95 teve acrescido
inciso dispondo que responde por infração à legislação do Imposto de Importação,
conjunta ou isoladamente, o adquirente de mercadoria de procedência estrangeira,
no caso da importação realizada por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa
jurídica importadora.
Como visto,
a modalidade de importação por conta e ordem de terceiro não foi criada pelo
direito comercial, mas por legislação tributária federal, para fins
exclusivamente tributários. Com efeito, as características e definições da nova
modalidade de importação foram estabelecidas nas Instruções Normativas SRF
225/2002 e 247/2002: assim, define-se “importador por conta e ordem de
terceiros a pessoa jurídica que promover, em seu nome, o despacho aduaneiro de
importação de mercadoria adquirida por outra, em razão de contrato previamente
firmado, que poderá compreender, ainda, a prestação de outros serviços relacionados
com a transação comercial, como a realização de cotação de preços e a
intermediação comercial”. Por outro lado, “entende-se por adquirente a pessoa
jurídica encomendante da mercadoria importada”.
Assim, teríamos, nessa
modalidade de importação a participação de duas empresas, a saber: o importador
propriamente dito (quem promove “a entrada de produtos estrangeiros no território
nacional”) e o adquirente que contrata o importador para que providencie o
despacho de importação da mercadoria em seu nome, além de outros serviços tais
como cotação de preços e intermediação comercial. Assim, nessa modalidade
aparece a figura do “importador de fato” que é o adquirente, o qual promove a
importação da mercadoria, mediante compra internacional, restando ao
“importador de direito” o papel de mero mandatário do adquirente, o qual
fornece os recursos financeiros.
No magistério de Horácio Villen Neto e Leonardo Freitas de Castro (Importação por
conta e ordem e por encomenda realizada por trading beneficiária do Fundap: reflexões atuais após o Protocolo ICMS 23/2009
celebrado entre São Paulo e Espírito Santo. RDDT 181: 57):
“Assim, na importação por
conta e ordem, embora a atuação da empresa importadora possa abranger desde a
simples execução do despacho de importação até a intermediação da negociação no
exterior, contratação do transporte, seguro, entre outros, o importador de fato
é a adquirente, a mandante da importação, aquela que efetivamente faz vir a mercadoria de outro país, em razão de compra internacional”.
Contudo, os Estados e o
Distrito Federal, coerentemente com o princípio da Federação e considerando a
competência concorrente em matéria de direito tributário, celebraram o Convênio
ICMS 135/2002, cuja Cláusula Primeira dispõe o seguinte:
“Cláusula
primeira Para efeito de cumprimento das
obrigações tributárias relativas ao ICMS, na saída promovida, a qualquer
título, por estabelecimento importador de mercadoria ou bem por ele importado
do exterior, ainda que tida como efetuada por conta e ordem de terceiros, não
tem aplicação o disposto nas Instruções Normativas SRF nº 247, de 21 de novembro
de 2002, nos artigos 12 e 86 a 88, e SRF nº 225, de 18 de outubro de 2002, e no
Ato Declaratório Interpretativo SRF nº 7 de 13 de junho de 2002, ou outros
instrumentos normativos que venham a substituí-los”.
Então, para fins da
legislação do ICMS, tanto faz a importação ser por conta própria ou por conta e
ordem de terceiro: em ambos os casos será dispensado o mesmo tratamento
tributário.
No caso vertente, devemos
considerar separadamente a importação e a operação subseqüente de remessa para
o adquirente. Cada operação tem sua base de cálculo distinta. No caso da
importação, a base de cálculo foi definida pelo art. 10, V, da Lei 10.297, de
26 de dezembro de 1996, compreendendo o somatório das seguintes parcelas:
a) o valor da mercadoria ou
bem constante dos documentos de importação;
b) o imposto de importação;
c) o imposto sobre produtos
industrializados;
d) o imposto sobre operações
de câmbio;
e) quaisquer outros impostos,
taxas, contribuições e despesas devidas às repartições alfandegárias; e
f) o montante do próprio
imposto.
Resta definir qual o valor da
operação de saída do estabelecimento do importador, com destino ao
estabelecimento do adquirente.
No caso de uma operação de
“compra e venda”, como ocorre na importação por conta própria, destinada à
comercialização no mercado interno, o valor da operação é o preço pactuado entre
comprador e vendedor, ou seja, resulta de um acordo de vontades (o preço é o
consenso resultante das valorações subjetivas do comprador e do vendedor). Nas
palavras de Roque Carrazza (ICMS. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 73), “a base de
cálculo do ICMS deve necessariamente ser uma medida da operação mercantil
realizada”.
Mas, no caso da importação
por conta e ordem, não há acordo de vontades, já que o importador age como
preposto do adquirente (só há uma vontade, a do adquirente). O que é pactuado é
apenas a comissão paga ao importador. Assim, devemos procurar outros critérios
para construir a base de cálculo da operação em foco.
A base de cálculo deve
refletir a grandeza econômica da materialidade do fato gerador do tributo ou, como
ensina Aliomar Baleeiro (Direito
Tributário Brasileiro. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 345):
“...
a base de cálculo será o valor da operação pela qual a mercadoria saiu do estabelecimento
do contribuinte de jure. Tal
operação, na imensa maioria dos casos, é a compra e venda feita pelo produtor ou
comerciante, ou pelas pessoas equiparadas a um ou ao outro. Excepcionalmente
poderá ser outro negócio jurídico com valor definido e incontestável”.
Numa
operação de compra e venda, a base de cálculo será o preço pactuado entre comprador
e vendedor. No caso presente, se não há um acordo de vontades entre os contratantes
que defina o valor da operação, podemos identificar um valor mínimo composto
por “todas as despesas incorridas pela mandatária (importadora) para
disponibilizar a mercadoria ao adquirente”, na feliz expressão utilizada pela
autoridade fiscal em suas informações.
Assim,
o valor pago pela armazenagem portuária da mercadoria importada constitui indubitavelmente
uma despesa que foi incorrida em razão da importação. Por isso, deve ser
incluída na base de cálculo do ICMS devido na operação de remessa para o
adquirente. O fato de sujeitar-se à tributação pelo ISS (item 20.01 da lista
anexa à Lei Complementar 116/2003) não tem o condão de excluir a despesa com
armazenagem da base de cálculo do ICMS.
Não
está em discussão qual imposto incide sobre a prestação de serviço de armazenagem.
O § 2º do art. 1º da Lei Complementar 116/2003 dispõe claramente que,
ressalvadas as exceções expressas na lista de serviços, a incidência do ISS
afasta a incidência do ICMS. Contudo, não se trata de qual tributo incide sobre
a prestação de serviço de armazenagem: incide o ISS, de competência municipal. Estamos
tratando da operação de saída da mercadoria, do estabelecimento do importador
com destino ao estabelecimento do adquirente o que caracteriza uma operação de
circulação de mercadorias, cuja base de cálculo inclui a despesa com armazenagem,
como custo incorrido na importação. Trata-se de fato gerador distinto da prestação
de serviço de armazenagem.
Também
deve integrar a base de cálculo do ICMS devido na remessa da mercadoria importada
para o adquirente, a comissão paga pelo adquirente ao
importador, por representar também uma despesa relativa à importação por conta
e ordem. O art. 693 do Código Civil define que “o contrato de comissão tem por
objeto a aquisição ou a venda de bens pelo comissário, em seu próprio
nome, à conta do comitente”. Acrescenta o art. 701 que “não estipulada a remuneração devida ao comissário, será ela arbitrada
segundo os usos correntes no lugar”. Contabilmente, as comissões devem ser
lançadas pelo seu total, como despesas operacionais, conforme regime de
competência.
A
convenção entre o importador (mandatário) e o adquirente (mandante) de que o
primeiro seria remunerado pela retenção de 25% do benefício fiscal (crédito
presumido) não tem o condão de modificar o critério quantitativo da obrigação
tributária. Para o Fisco, o crédito presumido deve ser integralmente apropriado
para reduzir o ICMS a recolher e o valor correspondente à comissão deve integra
a base de cálculo do imposto. Como no caso da armazenagem, a emissão de Nota
Fiscal de Serviço é irrelevante para fins de incidência do imposto estadual, já
que se refere a exação diversa e de alheia
competência.
A
base de cálculo deve compreender ainda o valor do próprio imposto, conforme
dispõe a Constituição Federal, art. 155, § 2º, XII, “i”: cabe a lei complementar
fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na
importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço.
BC = ΣD + I,
donde I = j.BC = j(ΣD + I)
Sendo
ΣD o montante das despesas incorridas, inclusive comissão paga pelo adquirente
e despesas de armazenagem, “j” a alíquota interna e I o imposto, obtemos o
imposto a recolher, já incluído o seu próprio montante na base de cálculo
(imposto por dentro), segundo a seguinte fórmula:
I = j/(1-j).ΣD
Posto isto, responda-se à
consulente:
a) a remessa da mercadoria
pelo importador para o adquirente constitui fato gerador do ICMS e a operação
deve ser documentada com nota fiscal em que conste como base
de cálculo todas as despesas incorridas, inclusive o imposto;
b) integram
a base de cálculo do ICMS todas as despesas incorridas na importação por conta
e ordem de terceiro, inclusive:
b.1)
a comissão paga pelo adquirente ao importador;
b.2)
o valor pago a título de serviço de armazenagem portuária.
c) é irrelevante para a
incidência do ICMS, a emissão de nota fiscal de serviço, já que esta se refere
a outro tributo, com seu próprio fato gerador e base de cálculo.
À superior
consideração da Comissão.
Copat,
em Florianópolis, 10 de setembro de 2012
Velocino Pacheco
Filho
AFRE – matr. 184244-7
De acordo. Responda-se à
consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 20 de setembro de
2012.
A resposta à
presente consulta poderá, nos termos do art. 11 da Portaria SEF 226/2001, ser
modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação
formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela
publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.
Marise Beatriz Kempa Carlos Roberto Molim
Secretária Executiva Presidente
da Copat