EMENTA: ICMS. LOCAL DA OPERAÇÃO. DECISÃO JUDICIAL. O ÓRGÃO CONSULTIVO FICA IMPEDIDO DE MANIFESTAR-SE QUANDO A MATÉRIA JÁ FOI APRECIADA PELO PODER JUDICIÁRIO. CONSULTA DESCARACTERIZADA.
CONSULTA Nº: 15/06
D.O.E. de 19.09.06
01 - DA CONSULTA
A
consulente é empresa que atua no ramo de produção, importação e comercialização
de energia elétrica. Informa que participou de processo licitatório
internacional, cujo objeto era a importação de energia elétrica da Argentina e
a construção, operação e manutenção de sistema de transmissão para a importação
e conversão de energia elétrica para o Brasil. Para esse fim, foi construída
uma estação conversora no Município de Garrunchos – RS e as torres e
respectivos cabos que se conectam à Subseção de Itá, onde são entregues a potência
firme e a energia associada.
Quanto
ao cumprimento das obrigações acessórias, informa a consulente que mantém
estabelecimento no Município de Garrunchos – RS, onde realiza as operações de
importação e venda de potência e energia a seus clientes, emitindo a respectiva
documentação fiscal, de acordo com o Convênio ICMS 103/01, considerando dois
fatos geradores do ICMS, a saber: i) a importação de potência firme e da
energia associada da Argentina e ii) a conversão e venda da potência firme e da
energia associada aos clientes.
Informa
ainda a consulente que, em obediência a ordem judicial, em ação ordinária
proposta pelo Município de Itá, passou a emitir as notas fiscais
correspondentes às saídas pela filial de Itá.
Ao
final, formula a seguinte consulta a esta Comissão:
a)
“qual o procedimento a ser observado quanto ao cumprimento da obrigação
acessória de emissão de notas fiscais na hipótese referida? Alguma nota fiscal
deve ser emitida em Santa Catarina, mesmo considerando que a venda é feita aos
clientes diretamente do estabelecimento em Garrunchos, Rio Grande do Sul, sem
qualquer interveniência do estabelecimento de Itá, que poderia até mesmo
inexistir?”
b)
“como regularizar a documentação anteriormente emitida, caso se considere que o
procedimento adotado deva ser alterado?”
A
informação fiscal (fls. 32-33), após sumariar os fatos, manifesta-se no sentido
de ser devido o imposto ao Estado do Rio Grande do Sul, argumentando que “o
RICMS/SC, em seu artigo 4º, inciso I, letra ‘d’ determina que o local da
operação, para efeitos de cobrança do imposto e definição do estabelecimento
responsável, em se tratando de mercadoria importada é do estabelecimento onde
ocorrer a entrada física, portanto, no estabelecimento da consulente localizado
em Garrunchos no Estado do Rio Grande do Sul”.
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Lei
Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, art. 11, I, g.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
A
matéria da presente consulta foi objeto do Parecer nº 018, de 2003, da Gerência
de Tributação da Diretoria de Administração Tributária, em resposta a
questionamento formulado pelo Município de Itá, do qual destacamos a seguinte
passagem:
“Quanto ao conteúdo
material da presente, devemos lembrar que a energia elétrica é considerada mercadoria,
portanto sujeita à incidência do ICMS, porque foi equiparada a coisa
móvel pelo § 3° do art. 155 do Código Penal. Isto significa que a energia
elétrica, por si mesma, não é uma coisa móvel, mas está sendo assim considerada
pela lei (cf. Novo Dicionário Aurélio, equiparar significa comparar
(pessoas ou coisas) considerando-as iguais). No entanto, inquestionável
a incidência do ICMS sobre operações com energia elétrica, por ter sido
expressamente referida pela Constituição Federal, art. 155, §§ 2°, X, “b”,
e 3°.
De qualquer forma, a
energia elétrica, como mercadoria, distingue-se de qualquer outra mercadoria
pelas suas características. A sua natureza, embora física, não é material; não
constitui corpo sólido que ocupa um lugar no espaço e nem tem sua localização
definida. A corrente elétrica é modalidade da energia na sua forma cinética.
Como energia, ela flui através da matéria que constitui a linha de transmissão
e produz trabalho no local onde utilizada. Roque Antonio Carrazza, em sua
conhecida obra, ICMS, assim analisa a questão (2000, p. 149):
‘Embora as operações
de consumo de energia elétrica tenham sido equiparadas a operações mercantis,
elas se revestem de algumas especificidades, que não podem ser ignoradas.
O consumo de energia
elétrica pressupõe, logicamente, sua produção (pelas usinas e hidrelétricas) e
sua distribuição (por empresas concessionárias ou permissionárias). De fato, só
se pode consumir uma energia elétrica anteriormente produzida e
distribuída.
A distribuidora de
energia elétrica, no entanto, não pode ser equiparada a um comerciante
varejista, que revende a mercadoria de seu estoque para o varejista ou, mesmo,
para o consumidor final.
De fato, energia
elétrica não é um bem susceptível de ser ‘estocado’ pela empresa distribuidora,
para ulterior revenda, quando surjam possíveis interessados em adquiri-la.
Na verdade, só há
falar em operação jurídica relativa à circulação de energia elétrica no preciso
instante em que o interessado, consumindo-a, vem a transformá-la em outra
espécie de bem da vida (calor, frio, força, movimento ou qualquer tipo de
utilidade).’
Complementando o
pensamento do autor, devemos aduzir que a única forma de armazenar energia é
passá-la de cinética para potencial, o que resultaria, necessariamente no
consumo da energia elétrica.
Assim, ao
examinarmos o tratamento tributário da energia elétrica, devemos lembrar que
não estamos tratando com algo de natureza material (corpórea) e, portanto,
certas disposições legais não tem aplicação. Não se pode, por exemplo, falar em
desembaraço aduaneiro da energia elétrica. Mesmo porque ela não passa
necessariamente pela repartição aduaneira, nem está sujeita à inspeção pelos
funcionários da aduana.
Ora, o fato gerador
(hipótese de incidência) compreende vários aspectos: material, espacial e
temporal. A Lei Complementar n° 87/96, art. 12, IX, considera ocorrido o fato
gerador do imposto (aspecto temporal) no momento do desembaraço aduaneiro das
mercadorias importadas do exterior. Este dispositivo, pela natureza própria da
mercadoria em questão, como vimos, não pode ser aplicado à energia elétrica.
Já o art. 11, I,
“g”, do mesmo diploma legal considera como local da operação (aspecto
espacial), para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento
responsável, “o do Estado onde estiver localizado o adquirente,
inclusive consumidor final, nas operações interestaduais com energia elétrica
....., quando não destinados à industrialização ou à comercialização”. O
legislador complementar, então, estabeleceu regra diversa para o aspecto
espacial da hipótese de incidência, para fins de cobrança e definição da
responsabilidade pelo recolhimento do tributo. Segundo o critério definido, o
ICMS somente será exigível no Estado onde a energia elétrica for consumida.
A expressão “fato
gerador” refere-se à incidência do tributo. Fato gerador é aquele que “gera”
alguma coisa, no caso, a obrigação tributária. O art. 113 do CTN define que a
obrigação tributária pode ser principal ou acessória. A obrigação principal,
diz o § 1°, surge com a ocorrência do fato gerador e tem por objeto o pagamento
do tributo. Por sua vez, dispõe o art. 114 que o “fato gerador da obrigação
principal é a situação definida em lei, como necessária e suficiente à sua
ocorrência”.
É impróprio
referir-se a uma determinada situação como “fato gerador” se dela não puder
decorrer a obrigatoriedade de recolher tributo, ainda que expressamente
suspensa ou excluída a sua exigibilidade pela lei. Trata-se, pois, de situação
descrita pelo legislador cuja ocorrência no mundo fenomênico faz nascer uma
relação jurídica de cunho obrigacional unindo o contribuinte, como devedor, e o
Poder Público como credor. Esta obrigação tem por objeto o pagamento do
tributo. Se não há obrigação tributária, também não há fato gerador, pois são
partes do mesmo fenômeno.
Feitas as
considerações acima, a solução para o problema levantado pelo interessado deve
ser procurado nos contratos celebrados entre as empresas envolvidas e nas
Resoluções da ANEEL que é a agência governamental controladora das atividades
envolvendo energia elétrica.
Isto posto, com as
devidas ressalvas e abstraindo do nascimento da obrigação tributária podemos
responder ao interessado:
a) pode ser considerado um “fato gerador” em
Garrunchos, Estado do Rio Grande do Sul, onde localizado o estabelecimento da
empresa em que a energia elétrica entra fisicamente;
b) pode ainda ser considerado outro “fato gerador” em
Itá, Estado de Santa Catarina, local onde, conforme Resoluções ANEEL n° 129/98
e 130/98, é feita a “entrega da energia elétrica aos adquirentes”;
c) o documentário fiscal deve ser consistente com as
operações praticadas: se a energia elétrica é “entregue aos adquirentes” em
Itá, os documentos fiscais não podem consignar fato diverso.”
Ademais,
em homenagem ao princípio da universalidade da jurisdição, prestigiado no
inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal, falece às autoridades
administrativas competência para modificar decisões judiciais. Noutras palavras,
as decisões proferidas pelo Poder Judiciário, no exercício da prestação
jurisdicional, devem ser cumpridas ou discutidas no âmbito do próprio Poder
Judiciário, mediante interposição dos recursos cabíveis.
Estando
a matéria consultada sub judice, esta Comissão fica impedida de
manifestar-se. Se o art. 213, III, da Lei nº 3.938/66, impede o recebimento de
consulta no caso de decisão de órgãos administrativos de jurisdição
contenciosa, a fortiori também não poderá ser recebida no caso de
decisão judicial.
Posto
isto, a presente não poderá ser recebida como consulta, não se produzindo os
efeitos próprios do instituto, principalmente quanto à suspensão da
exigibilidade do crédito tributário.
Quanto
à emissão de documentos fiscais, a legislação catarinense trata da matéria nos
arts. 53 a 56 do Anexo 5 do Regulamento do ICMS/SC.
À
superior consideração da Comissão.
Getri,
em Florianópolis, 25 de janeiro de 2006.
Velocino Pacheco Filho
AFRE – matr. 184244-7
De
acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat
na Sessão do dia 21 de fevereiro de 2006.
Josiane de Souza Corrêa
Silva
Vera Beatriz S. Oliveira
Secretário Executivo
Presidente da Copat