RESPOSTA CONSULTA N° 73/2012
N° Processo 1270000058018
Ementa
ICMS.
DOAÇÃO DE AREIA À PREFEITURA MUNICIPAL, RESULTADO DE ATIVIDADE DE DRAGAGEM. NÃO
INCIDE O ICMS POR NÃO RESTAR CARACTERIZADA OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE
MERCADORIA.
A
SAÍDA DA AREIA DEVE SER DOCUMENTADA COM EMISSÃO DE NOTA FISCAL. A DISPENSA
PREVISTA NO ART. 4º, DO ANEXO 6, DO RICMS/SC SOMENTE SE APLICA NO CONTEXTO DE
REGIME ESPECIAL EM QUE FIQUE DEMONSTRADO A IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DA
OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA.
Disponibilizado
na página da SEF em 20.12.13
DA CONSULTA
A consulente identifica-se como atuando no ramo de construção
naval. Em decorrência de suas atividades realiza dragagem de manutenção de seu
cais, bem como de doca seca, devidamente autorizada pelos órgãos competentes,
tanto da esfera estadual como federal. Acrescenta que a autorização para
realizar a dragagem especifica que o material dragado não poderá ser
comercializado, devendo ser utilizado exclusivamente no próprio empreendimento
ou doado a entidade pública.
Informa ainda que não consegue fazer uso de todo o material
dragado, razão por que pretende doar o referido material (areia) para a
Prefeitura Municipal, obtendo autorização para tanto junto à Câmara de
Vereadores, conforme Lei Municipal 2.637/12.
Após discutir o conceito de mercadoria, formula a seguinte
consulta a esta Comissão:
(i) a doação à Prefeitura Municipal de areia obtida em razão da
dragagem enquadra-se no conceito de mercadoria, para fins de incidência do
ICMS?
(ii) estaria obrigada à emissão de documento fiscal, considerando
o disposto no art. 4º do Anexo 6 do RICMS?
A autoridade fiscal, em suas informações de estilo, atesta que
forma prestadas as declarações obrigatórias, previstas na Portaria 226/01 e que
não foi encontrada Resolução Normativa relativa à matéria objeto da consulta.
Acrescenta ainda que a consulente não fez qualquer referência quanto ao ITCMD e
à imunidade do Município de Navegantes na condição de donatário.
LEGISLAÇÃO
CF, art. 150, VI, a;
Lei 13.136, de 25 de novembro de 2004, art. 2º, III;
RICMS-SC, aprovado pelo Decreto 2.870, de 27 de agosto de 2001,
art. 1º;
Anexo 6, arts. 1º e 4º
FUNDAMENTAÇÃO
A presente consulta tem por objeto a incidência ou não de ICMS na
hipótese de doação; ou seja, se a doação de areia dragada está compreendida no
conceito de operação de circulação de mercadorias.
A norma de incidência tributária tem a estrutura de um proposição
condicional, cuja protase contém a descrição de um fato, eleito pelo
legislador, como fato gerador do tributo, e cuja apodose determina o
comportamento imposto ao contribuinte (pagamento do tributo), no caso de
concretização do fato descrito. De forma lapidar, marco Aurélio Greco (ICMS Combustíveis e Energia Elétrica Destinados à Industrialização
Sentido do art. 3º, III da LC 87/96. RDDT 128:
88-116) define fato gerador como o evento que, se e quando ocorrido, irá dar
nascimento às situações
jurídicas subjetivas, dentre as quais a obrigação tributária.
A seu turno, aprofundando a análise, Sacha Calmon Navarro Coelho (In Comentários ao Código Tributário
Nacional, coordenado por Carlos Valder do Nascimento, Rio de Janeiro: Forense,
1998, p. 262), conceitua o fato gerador nos seguintes termos:
Acontecido o fato previsto na hipótese
legal (hipótese de incidência), o
mandamento que era abstrato, virtual, torna-se atuante e incide. Demiúrgico, ao
incidir, produz efeitos no mundo real, instaurando relações jurídicas (direitos
e deveres). A incidência, em direito tributário, é para imputar a determinadas
pessoas o dever de pagar somas ao Estado,
a título de tributo. Esse, precisamente é o
comportamento desejado pela ordem jurídica.
O legislador determinou como fato gerador do ICMS a efetivação de
(i) operações relativas á circulação de mercadorias e (ii) a prestação de
serviços de transporte e comunicação. No caso em tela, podemos afastar de plano
as prestações de serviços. Mas, ela constitui operação de circulação de
mercadorias? Dispõe o art. 110 do CTN que a lei tributária não pode alterar a definição,
o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado,
utilizados expressa ou implicitamente ... para definir ou limitar competências
tributárias. Assim, o conceito de mercadorias, para definir a incidência do
ICMS, deve ser pesquisado no direito privado.
Ora, entende-se por mercadoria o bem móvel adquirido para fim de
revenda (ou seja, de mercancia).
Nesse sentido, define Hely Lopes Meireles (Imposto Devido por Serviço de Concretagem. Revista dos Tribunais. Ano 62, Julho/1973, vol. 453, pp. 45 a
52):
Mercadoria é toda coisa oferecida ao consumidor através da
circulação econômica; enquanto a coisa não é posta em circulação econômica, não
é mercadoria. O que caracteriza a mercadoria é a existência de um bem material
posto em circulação econômica, para o consumo, mediante remuneração.
Já quanto ao conceito de mercadoria, decidiu a Primeira Seção (que
reúne as turmas de direito público) do Superior Tribunal de Justiça (REsp
1.125.133; RDDT 182: 227):
4. A circulação de mercadorias versada no dispositivo
constitucional refere-se à circulação jurídica, que pressupõe verdadeiro ato de
mercancia, para ao qual concorrem a finalidade de obtenção de lucro e a
transferência de titularidade.
Com efeito, a caracterização como mercadoria não é uma qualidade
substancial do bem, mas circunstancial. Depende da intenção de quem promove a
saída do bem. Se a intenção é a comercialização, será mercadoria; se a intenção
for outra, não o será. Portanto, um mesmo bem pode ser mercadoria em
determinado momento e não o ser em outro.
À evidência, não se vislumbra, no caso sob consulta, intenção de
comércio. A Consulente não comercializa o material dragado, mas o está cedendo
a título gratuito, à órgão público a Prefeitura Municipal para uso próprio. Não
há intuito de lucro. A areia é obtida como subproduto da dragagem. A atividade
da consulente não tem por objetivo a extração de areia, mas dragar o seu cais e
doca seca. A doação à Prefeitura Municipal decorre da necessidade de dar um
destino ao material dragado que, em momento algum, adquire a condição de
mercadoria. Não se tratando de mercadoria, não incide o ICMS, por
hipossuficiência da hipótese.
No tocante à dispensa de emissão de documento fiscal, com fundamento
no art. 4º do Anexo 6 do RICMS, o dispositivo deve ser interpretado dentro de
seu contexto. O art. 1º desse Anexo prevê a possibilidade de ser concedido
regime especial, que concilie os interesses do Fisco com os do contribuinte,
quando a modalidade das operações realizadas impossibilite o cumprimento de
obrigação acessória. Nesse contexto, é permitido ao Diretor de Administração
Tributária dispensar a emissão de documentos fiscais, observadas as condições
previstas nos incisos do art. 4º.
Na falta de regime especial, em que o contribuinte demonstre a
impossibilidade de cumprimento da obrigação acessória, não há que se falar de
dispensa de emissão de documentos fiscais.
A autoridade fiscal, ao prestar suas informações, levanta a
questão da incidência do ITCMD. Embora a consulta não trate deste imposto, que
incide sobre a transferência de propriedade, é oportuno dar o seguinte
esclarecimento: com efeito, o art. 2º, III, da Lei 13.136, de 25 de novembro de
2004, prevê como fato gerador desse imposto a doação a qualquer título de bens
móveis, inclusive semoventes, direitos, títulos e créditos. Assim, em
princípio, a doação da areia dragada estaria sujeita à incidência do ITCMD.
Contudo, a teor do art. 5º, II, do mesmo pergaminho, o contribuinte do imposto
é o donatário, ou seja a Prefeitura Municipal. Ora, essa operação está ao
abrigo da imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, a da Constituição da
República:
Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, instituir
impostos sobre o patrimônio, a renda ou serviços uns dos outros.
RESPOSTA
Posto isto, responda-se à consulente:
a) não incide o ICMS sobre a doação de areia obtida como resultado
de dragagem à Prefeitura Municipal;
b) a saída da areia deve ser documentada por nota fiscal, não se
aplicando o disposto no art. 4º do Anexo 6 do RICMS, fora da concessão de
regime especial.
A superior consideração da Comissão.
Velocino Pacheco Filho
AFRE- matr.184244-7
De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima,
aprovado pela COPAT na Sessão do dia 6 de dezembro de 2012.
A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art.
152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado
pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo,
por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em
decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa
que adote diverso entendimento.
REPUBLICAÇÃO POR INCORREÇÃO.
FRANCISCO DE ASSIS MARTINS
Presidente COPAT
MARISE BEATRIZ KEMPA
Secretária Executiva
Data e Hora Emissão 19/12/2012 15:40:59