EMENTA: ICMS. MICROEMPRESA E EMPRESA DE PEQUENO PORTE. O TRATAMENTO TRIBUTÁRIO PREVISTO PARA AS SAÍDAS PROMOVIDAS POR ME/EPP NÃO É EXTENSÍVEL A OUTROS CONTRIBUINTES, MESMO TRATANDO-SE DE DEVOLUÇÃO DE MERCADORIAS RECEBIDAS DE ME/EPP. O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE NÃO PERMITE EXONERAÇÃO DE TRIBUTOS PELA VIA DO EMPREGO DA ANALOGIA.

CONSULTA Nº: 07/97

PROCESSO Nº: GR05-15320/96-0

01 - DA CONSULTA

Cuida-se de consulta formulada por Fiscal de Tributos Estaduais sobre o tratamento tributário nas operações de devolução de mercadorias recebidas de microempresa ou empresa de pequeno porte.

Informa o consulente que a matéria tem sido objeto de controvérsia na sua região fiscal.

As microempresas e as empresas de pequeno porte são beneficiadas, pela lei catarinense, com isenção ou redução de base de cálculo, respectivamente, nas operações, sujeitas ao ICMS, que praticarem. A teor do disposto no RICMS-SC, Anexo XII, art. 18, § 2°, “nas saídas em devolução de mercadorias, a microempresa e empresa de pequeno porte deverão emitir nota fiscal, com destaque do imposto, mencionando os dados da nota fiscal relativa à entrada da mesma mercadoria”.

Invocando o emprego da analogia, previsto no RNGDT/SC, Decreto 22.586/84, art. 15, V, o consulente esposa o entendimento que “nas saídas em devolução de mercadorias de NL para ME ou EPP, deverá ser emitida nota fiscal sem o destaque do imposto (ME) ou com destaque proporcional (EPP), mencionando-se os dados da nota fiscal de remessa original, para justificar a razão de ser daquela redução da base de cálculo.”

Argumenta ainda que “tributando-se integralmente a devolução, estaríamos onerando, de forma indireta, a ME/EPP, o que por certo iria totalmente de encontro aos objetivos da lei que concedeu redução  de tributação para tais empresas.”

A consulta versa naturalmente sobre se o entendimento da autoridade fiscal que a subscreve está correta.

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

CTN, Lei n° 5.172/66, arts. 97, II e VI, e 108, I;

Lei n° 9.830/95, arts. 4° e 5°;

RICMS-SC/89, Anexo XII, art. 8°.

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

O questionamento levantado na presente consulta refere-se à interpretação e integração da legislação tributária.

O consulente pretende dar às devoluções de mercadorias recebidas de ME e EPP o mesmo tratamento previsto na legislação para as saídas que estas promovem.

Sustenta a aplicação à espécie do instituto da analogia, previsto no art. 108 da Lei n° 5.172/66 como a primeira técnica a ser utilizada pelo intérprete ou pelo aplicador da lei, na ausência de disposição expressa.

A analogia é técnica de integração da legislação tributária, em que aplica-se a um caso, para o qual não há previsão legal, a norma prevista para outro caso, desde que os casos considerados sejam análogos, ou seja, tenham similaridades que permitam essa aplicação. Sobre a matéria leciona Ricardo Lobo Torres (Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p.52):

A analogia no Direito Tributário deve observar alguns parâmetros importantes: só se utiliza quando insuficiente a expressividade das palavras da lei; é necessário que haja semelhança notável entre o caso emergente e a hipótese escolhida para a comparação; beneficia assim o fisco que o contribuinte.

Alguns problemas, entretanto, tornam vazia e confusa a norma que autoriza a analogia.

Seja o primeiro que é impossível a distinção plena entre analogia e interpretação extensiva. Inexiste fronteira clara entre a extensão dos sentidos possíveis da letra da lei e a complementação além daqueles sentidos. Ninguém sabe dizer com segurança onde termina a expressividade dos conceitos jurídicos utilizados pelo legislador e onde começa o vácuo normativo suscetível de preenchimento.

O emprego de analogia, portanto, deve ser presidido pela resposta aos seguintes questionamentos: a) existe uma lacuna na lei a ser preenchida? b) existe semelhança entre as duas situações enfocadas (a prevista na lei e aquela sobre a qual se pretende aplicar a norma da lei)?

O que temos é uma operação de devolução praticada por  contribuinte normal e a praticada pela ME/EPP que goza de uma exoneração tributária (total ou parcial) subjetiva, ou seja, relativa, não à mercadoria ou à operação, mas à condição particular do sujeito passivo. Essa situação não pode ser transposta, pela via interpretativa, a outra categoria de contribuinte. A regra invocada (Anexo XII, art. 18, § 2°) manda que a ME/EPP, nas suas devoluções destaquem o imposto no documento fiscal, para permitir ao recebedor a recuperação do imposto recolhido. O que o consulente propõe não é a aplicação da mesma norma a situação semelhante. Trata-se, muito pelo contrário, de estender o tratamento próprio das ME/EPP a outros contribuintes que não possuem a mesma condição.

Cuida-se, ao que parece, não do emprego da analogia, mas da equidade cujo emprego em direito tributário deve observar à restrição insculpida no § 2° do art. 108 do CTN.

O segundo método integrativo preconizado pelo art. 108, é a aplicação dos princípios gerais de direito tributário, entre os quais avulta o da legalidade. Esse princípio deve ser entendido no seu duplo aspecto de que está sob reserva da lei tanto a instituição de tributos quanto a sua exclusão (art. 97, II e VI). Somente a lei pode instituir ou majorar tributos. Mas, também só a lei pode dispensar tributos ou reduzir a sua exigência. O princípio da legalidade, no direito tributário, é rígido e não pode ser transgredido. Segundo Dino Jarach (Hermenêutica no Direito Tributário. In. Interpretação no Direito Tributário (vários autores). São Paulo: Saraiva/EDUC, 1975, p.18):

O princípio da reserva da lei (legalidade) implica em que não se pode suprir os esquecimentos do legislador, mediante criação interpretativa, de uma integração das disposições legais, induzindo na lei o que a própria  lei  não  previu,  como caso particular, por meio da interpretação, da hermenêutica. Mas, fora deste caso (e do outro,  concorrente, concomitante) de que o mesmo vale para as isenções - que se não forem previstas de forma expressa não podem também ser criadas por interpretação analógica -, a analogia é possível e a maioria dos autores recorre a ela, tanto dentro  do sistema tributário, em si, como no âmbito mais dilatado  do direito público, ou, ainda,  no campo mais amplo do direito em geral.

É lícito, como visto, o emprego de analogia no direito tributário, sendo o primeiro dos métodos integrativos  preconizados pelo art. 108. Mas sujeita-se a algumas restrições. Primeiro, deve preencher os requisitos próprios do instituto, o que não se verifica no caso presente, como demonstrado. Segundo, não é aplicável em face do princípio de legalidade, não podendo ampliar o campo de incidência do imposto, além do previsto em lei, nem criar novas hipóteses de exoneração tributária.

A teor do disposto no art. 111 do CTN, as normas que tratam de isenção tributária devem ser interpretadas literalmente, ou seja, nos estritos termos da lei. Isto significa que não cabe nem a interpretação extensiva (a lei quis mais do que disse) tampouco a interpretação restritiva (a lei quis menos do que disse). Lobo Torres (op.cit.p.102) observa que a interpretação literal pode ser entendida como um limitador da liberdade de atuação do intérprete. “Tendo por início o texto da norma, encontra o seu limite no sentido possível daquela expressão lingüística”. Prossegue o mesmo autor:

Quando o art. 111 do CTN prescreve a interpretação literal das isenções está apenas impedindo, em homenagem ao princípio da legalidade, o recurso à analogia e à equidade, como formas de integração, mas não está impondo qualquer método específico de interpretação.

Finalmente é descabido o argumento teleológico de que se estaria “onerando, de forma indireta, a ME/EPP o que iria por certo totalmente de encontro aos objetivos da lei”. A uma, porque a exoneração tributária deve ser expressa, não podendo ser criada pelo interprete, a pretexto de completar os objetivos da lei. A duas, porque não há prejuízo para a microempresa que tem a faculdade de recuperar o gravame, na forma prevista no § 1° do art.13 da Lei n° 9.830/95.

Diante do exposto, responda-se ao consulente:

a) o tratamento tributário previsto para as operações realizadas por Microempresas e Empresas de Pequeno Porte não podem ser aplicadas a outros contribuintes, mesmo em se tratando de devolução de mercadorias delas recebidas;

b) o emprego da analogia não pode implicar na criação de isenção ou redução da base de cálculo não previstas em lei;

c) a legislação da microempresa prevê mecanismos de recuperação do imposto, preservando assim o princípio da não-cumulatividade.

À superior consideração da Comissão.

GETRI, em Florianópolis, aos 21 de janeiro de 1997.

Velocino Pacheco Filho

FTE - mat. 184.244-7

De acordo. Responda-se a consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 07/02/1997.

Pedro Mendes                          João Carlos Kunzler

Presidente da COPAT               Secretário Executivo