EMENTA: IPVA. ARRENDAMENTO MERCANTIL. A ISENÇÃO PREVISTA NO ART. 8°, V, “d” E “g” DA LEI 7.543/88 CONDICIONA-SE À FINALIDADE DOS VEÍCULOS AUTOMOTORES, EMPREGADOS NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TRANSPORTE PÚBLICO DE PASSAGEIROS, SEJA QUAL FOR O SEU PROPRIETÁRIO.
DOE de 05.06.09
O art. 8°, V, “d” e “g”, da Lei 7.543,
de 30 de dezembro de 1988, dispõe que não se exigirá o IPVA sobre a
propriedade, respectivamente, de veículos terrestres de aluguel (táxi) e de
ônibus e microônibus utilizados exclusivamente em linhas de transporte urbano
de passageiros.
Questiona-se se a isenção estende-se
aos táxis, ônibus e microônibus submetidos ao regime de arrendamento mercantil
(leasing).
O art. 2° da Lei 7.543, de 30 de
dezembro de 1988, caracteriza o fato gerador do imposto como “a propriedade,
plena ou não, de veículos automotores de qualquer espécie”. Assim sendo, o
contribuinte (art. 3°) é identificado como “o proprietário do veículo
automotor”. Ele é que tem relação pessoal e direta com a situação que constitui
o respectivo fato gerador - propriedade do veículo automotor (CTN, art. 121,
parágrafo único, I).
Por outro lado, o art. 3°, § 1°, III, do
mesmo diploma, dispõe que é responsável pelo pagamento do imposto e acréscimos
legais, “a empresa detentora da propriedade, no caso de veículo cedido pelo regime de arrendamento mercantil”.
O arrendamento mercantil, conforme Lei
6.099, de 12 de setembro de 1974, art. 1°, parágrafo único, é considerado o
“negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora,
e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária,
e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora,
segundo especificações da arrendatária e para uso
próprio desta”. O contrato de arrendamento mercantil pode prever, por opção do
arrendatário, a aquisição do bem por este último. Dispõe o art. 15 que
“exercida a opção de compra pelo arrendatário, o bem integrará o ativo fixo do
adquirente pelo seu custo de aquisição”, assim entendido “o preço pago pelo arrendatário
ao arrendador pelo exercício da opção de compra” (parágrafo único). Conforme
Brandão Machado (ISS e o Arrendamento Mercantil. RDDT 141: 46):
“Antes
do contrato de aluguel, o lessor (locador) deve
adquirir o bem a ser alugado, com base nas especificações do lesse (locatário),
para só depois ser firmado o contrato de leasing, no qual se estipulará que o
locador assume a promessa unilateral e irrevogável de vender, no termo do
contrato, o bem ao locatário, se este quiser adquiri-lo, por preço igual ao
valor residual da coisa, previamente ajustado, podendo o locatário prorrogar a
locação ou dar por findo o leasing, restituindo o bem ao locador”. (p. 49)
“Há nesse contrato
mais de uma operação. Primeiramente, há uma aquisição do bem a ser alugado;
portanto há um fazer; há também uma promessa unilateral e irrevogável de venda
do bem, havendo, portanto, mais um fazer. Se o arrendatário opta pela compra
desse bem, ocorrerá mais uma obrigação de fazer. Essas operações compõem um
contrato unilateral e complexo. Se o arrendador não adquire o bem a ser locado,
o contrato não chega a existir”.
Desta forma, no
arrendamento mercantil, o “arrendante” adquire o bem,
conforme especificações do arrendatário. O bem permanece na propriedade do arrendante, enquanto o arrendatário não exercer a opção de
compra, ao final do contrato de arrendamento. Portanto, o “contribuinte”
(proprietário do veículo automotor), durante a vigência do contrato de
arrendamento, é o arrendante. Ele também é “responsável”
pelo recolhimento do imposto e acréscimos legais, nos termos do art. 3°, § 1°,
III, da Lei 7.543/88. Como o CTN, art. 121, parágrafo único, II, dispõe que o
sujeito passivo diz-se “responsável, quando, sem revestir a condição de
contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei”. Não se
tratando de atecnia, deve-se procurar uma nuance de
significado no termo “proprietário” utilizado no “caput” do art. 3° da Lei
7.543/88.
A questão é tratada pela Primeira
Turma do Superior Tribunal de Justiça (REsp
868.246 DF; RDDT 138: 154; DJU 1 de 18-12-06, p. 342/3) nos seguintes termos:
II – No tocante à
solidariedade, in casu, entre arrendante
e arrendatário, ao pagamento do IPVA, verifica-se que a figura do arrendante equivale a de possuidor indireto do
veículo, posto ser-lhe possível reavê-lo em face de eventual inadimplemento,
uma vez que somente com a tradição definitiva poderia ser afastado o seu
direito real alusivo à propriedade, ou não haveria razão para a cláusula “com
reserva de domínio”, que garante exatamente o seu direito real.
III – Nesse contexto,
não se deve confundir contribuinte do tributo com responsável pelo pagamento,
uma vez que a segunda figura, notadamente quando se relaciona com o instituto
da solidariedade, apenas reforça a proteção ao crédito tributário, viabilizando
sua realização para o Erário Público.
Não discrepa desse entendimento a
Segunda Turma do mesmo sodalício (REsp
897.205 DF: RDDT 143: 170): “a arrendante é
responsável solidária para o adimplemento da obrigação tributária concernente
ao IPVA, ....., por ser ela possuidora indireta do bem arrendado e conservar a
propriedade até o final do pacto”.
Assim colocada a questão, como a
isenção prevista no art. 8°, V, “d” e “g” da Lei 7.543/88 deve ser entendida na
hipótese de arrendamento mercantil?
Em primeiro lugar, temos que o art.
111, II, do Código Tributário Nacional obriga à interpretação literal no caso
de legislação tributária que outorgue isenção. Ordinariamente entende-se que
não cabe ampliação do sentido (interpretação extensiva) no caso de norma que
conceda isenção. No dizer de Carlos Maximiliano (Hermenêutica e Aplicação do
Direito. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 152): “Não se deve ficar
aquém, nem passar além do escopo referido; o espírito da norma há de ser
entendido de modo que o preceito atinja completamente o objetivo para o qual a
mesma foi feita; porém dentro da letra dos dispositivos”. Ao que ajunta Luis
Alberto Warat (O Direito e sua Linguagem. Porto
Alegre: Sérgio Fabris, 1984, p. 65):
para a Filosofia da Linguagem
Ordinária os efeitos de sentido são determinados pelos propósitos significativos,
ou seja, pelos objetivos dos emissores das palavras. Tais propósitos são
denominados usos ou funções da linguagem (modos de significar).
Toda palavra possui
um número considerável de implicações não manifestas. A mensagem nunca se
esgota na significação de base das palavras empregadas. O sentido gira em torno
do dito e do calado. Desta forma, o êxito de uma comunicação depende de como o
receptor possa interpretar o sentido latente. A forma gramatical e o significado
de base, por vezes, em lugar de ajudarem na busca do sentido latente, servem
para encobri-lo. Por isso, devem ser vistos como parcelas do ato interlocutório.
A seu turno, elucida
o Superior Tribunal de Justiça (REsp
192.531 RS; RDDT 118: 139) que “o art. 111 do CTN, que prescreve a
interpretação literal da norma, não pode levar o aplicador do direito à absurda
conclusão de que esteja ele impedido, no seu mister de apreciar e aplicar as
normas de direito, de valer-se de uma equilibrada ponderação dos elementos
lógico-sistemático, histórico e finalístico ou
teleológico, os quais integram a moderna metodologia de interpretação das
normas jurídicas.”
Vale, sobretudo, a
lição de Ihering (A Finalidade do Direito. Tomo I, 1ª
ed. Campinas SP: Bookseller, 2002, p. 306): “... a
vida social, ao moldar o homem em formas mais elevadas, através da comunhão de
fins permanentes, amplia, por isso mesmo, as formas da existência humana. Ao
homem como indivíduo, voltado para si mesmo, conjuga-se o homem social, o homem
como membro de unidades mais elevadas”.
Ora, frustrar-se-ia a finalidade
almejada pelo legislador, de beneficiar os veículos automotores de transporte
coletivo, se for negada a aplicação da isenção no caso de arrendamento mercantil.
Tanto faz que a propriedade do veículo seja do prestador do serviço ou da
financeira, desde que aplicado na finalidade referida pela lei. Entre as
possibilidades lingüísticas compreendidas na norma, deve ser escolhida aquela
que atenda à sua dimensão teleológica. Com efeito, o benefício fiscal
condiciona-se à finalidade dos veículos automotores, empregados no transporte
coletivo, não importa quem seja o seu proprietário. À evidência, a retomada do
veículo pela arrendante, por inadimplência do
arrendatário ou outro motivo, e sua destinação a finalidade diversa da contida
no descritor da norma exonerativa faz cessar a incidência
do benefício.
Sala das Sessões, em Florianópolis, 28
de maio de 2009.
Alda Rosa da
Rocha Anastácio
Martins
Secretária
Executiva
Presidente
João Carlos Hohendorf
Carlos Roberto Molim
Membro
Membro