CONSULTA 071/2017

EMENTA: ICMS. OPERAÇÃO DE VENDA À ORDEM. É POSSÍVEL OPERAÇÃO DE VENDA À ORDEM QUANDO O VENDEDOR REMETENTE E O ADQUIRENTE ORIGINÁRIO PERTENCEM À MESMA PESSOA JURÍDICA. AUTONOMIA DOS ESTABELECIMENTOS.

Publicada na Pe/SEF em 14.07.17

Da Consulta

Narra o consulente que é sociedade empresária estabelecida no Estado de Santa Catarina, que tem como objeto social, dentre outros, a exploração do ramo de frigorífico abatedor e do comércio atacadista de carnes bovinas e adquire partes ou peças de carne bovina de frigorífico também estabelecido neste Estado. Informa, porém, que a mercadoria adquirida lhe é remetida de estabelecimento filial do frigorífico fornecedor catarinense, localizado no Estado de Mato Grosso do Sul em operação de remessa por conta e ordem de terceiro. Já o frigorífico fornecedor catarinense emite documento fiscal com operação de venda de mercadoria adquirida de terceiro em venda à ordem.

Causa dúvida ao consulente a validade da operação efetivada pelo frigorífico fornecedor e sua filial, isto porque, conforme afirma, "um dos, senão o elemento principal da operação caracterizada pela lei como de venda à ordem, é a existência de apenas um fornecedor, um adquirente originário e um destinatário final. Na operação em questão, entretanto, aparecem dois fornecedores (ou um fornecedor e um vendedor), quais sejam, a filial da empresa em Santa Catarina e a filial da empresa em Mato Grosso, e um adquirente, a consulente, sem a presença do destinatário final, ou seja, o adquirente originário e o destinatário final são a mesma pessoa jurídica".

Informa, ainda, que a consulta é relevante eis que pode irradiar efeitos sobre o montante de ICMS a ser creditado pelo consulente, haja vista que o art. 35-B, II, do RICMS/SC limita o crédito do ICMS em 4% nas operações de entrada de carne oriundas do Estado do Mato Grosso do Sul, enquanto o documento fiscal de operação de venda emitido pelo frigorífico fornecedor catarinense apresenta um crédito de 7%.

Vem perante essa Comissão perguntar se a operação narrada pode ser considerada como venda à ordem, a teor do art. 41 e seguintes do Anexo 6 do RICMS/SC e, em caso afirmativo, se pode se creditar de 7% de ICMS.

O processo foi analisado no âmbito da Gerência Regional conforme determinado pelas Normas Gerais de Direito Tributário de Santa Catarina, aprovadas pelo Dec. nº 22.586/1984. A autoridade fiscal verificou as condições de admissibilidade.

É o relatório, passo à análise. 

 

Legislação

Lei nº 10.297, de 26 de dezembro de 1996, art. 4º, 5º e art. 6º, §2º.

RICMS/SC, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, art. 35-B, II e Anexo 6, art. 43.

Resolução Normativa nº 36, de 12 de dezembro de 2002. 

 

Fundamentação

Louvável a preocupação externada pelo contribuinte.

Tudo gira em torno do art. 35-B, II, do RICMS/SC que limita o crédito do ICMS a 4% nas aquisições interestaduais de carnes oriundas do Estado de Mato Groso do Sul:

Art. 35-B. Nas operações oriundas das unidades da Federação abaixo indicadas, o crédito do imposto fica limitado aos seguintes percentuais, independentemente do valor destacado no documento fiscal:

...

II - 4% (quatro por cento) na entrada de charque, carne e demais produtos e subprodutos comestíveis, simplesmente resfriados, congelados ou salgados, resultantes de abate de gado bovino ou bufalino, oriundos do Estado do Mato Grosso do Sul;

O consulente (destinatário) adquire carne de estabelecimento fornecedor localizado em Santa Catarina (adquirente originário). A remessa da mercadoria, no entanto, ocorre diretamente do estabelecimento fornecedor localizado no Estado do Mato Grosso do Sul (vendedor remetente), através de operação denominada de "remessa por conta e ordem de terceiro". Já o adquirente originário catarinense emite nota fiscal com operação denominada de "venda de mercadoria adquirida de terceiro em venda à ordem".

Nada há de ilegal na operação narrada. É que o consulente acaba por confundir "estabelecimento" com "pessoa jurídica" e "adquirente originário" com "destinatário" da mercadoria.

A Lei nº 10.297, de 26 de dezembro de 1996, através de seu artigo 6º, fixa o conceito de estabelecimento:

Art. 6° Para os efeitos desta Lei, estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias.

O §2º deste mesmo artigo estabelece a autonomia dos estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular:

§ 2° É autônomo cada estabelecimento do mesmo titular.

O artigo 4º desta mesma lei esclarece que ocorre o fato gerador do imposto no momento da saída de mercadoria do estabelecimento, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular e o artigo 5º diz que o local da operação para definição do estabelecimento responsável é onde se encontre a mercadoria no momento da ocorrência do fato gerador.

Vê-se que vigora no âmbito do ICMS o chamado princípio da autonomia dos estabelecimentos. Muito embora estes não possuam personalidade jurídica própria, para o fim de verificação da ocorrência do fato gerador e a respectiva apuração do imposto, cada estabelecimento é considerado autônomo em relação aos demais estabelecimentos do mesmo titular.

José Souto Maior Borges (in O Fato Gerador do ICM e os Estabelecimentos Autônomos. Revista de Direito Administrativo n° 103. Rio de Janeiro: FGV, 1970, p. 41) tratando sobre o tema, pontifica:

São os estabelecimentos autônomos de uma empresa organismos a que a lei tributária confere o caráter de sujeitos passivos, sem que tenham personalidade jurídica de direito privado, já que pessoa jurídica é a empresa considerada como unidade econômica. Não são os estabelecimentos autônomos pessoas jurídicas. Todavia, a lei lhes confere aptidão para ser sujeitos passivos do imposto, o que importa em lhes reconhecer uma certa capacidade jurídica de direito tributário.

E no mesmo sentido, Hugo de Brito Machado (in O estabelecimento como contribuinte autônomo e a não-cumulatividade do ICMS. RDDT 82: 24-27):

Na verdade, o estabelecimento é objeto e não sujeito de direitos; entretanto, por ficção legal, admite-se que o estabelecimento seja considerado contribuinte. O que se quer realmente é tomar em consideração cada estabelecimento, e não a empresa, para os fins de verificação da ocorrência do fato gerador do imposto.

A questão já foi analisada por esta Comissão, redundando, inclusive, na edição da Resolução Normativa de nº 36/2002:

EMENTA: ICMS. AUTONOMIA DOS ESTABELECIMENTOS. PARA OS EFEITOS DO ICMS, CADA ESTABELECIMENTO ONDE EXERÇA O CONTRIBUINTE SUAS ATIVIDADES GOZA DE AUTONOMIA EM RELAÇÃO AOS DEMAIS. INADMISSÍVEL, IGNORANDO-SE ESSA AUTONOMIA, A ENTREGA DE MERCADORIA A ESTABELECIMENTO DIVERSO DO INDICADO NO DOCUMENTO FISCAL RESPECTIVO, AINDA QUE DO MESMO CONTRIBUINTE. RESTRIÇÃO QUE ASSUME AINDA MAIOR RELEVÂNCIA QUANDO SE TRATE DE OPERAÇÃO INTERESTADUAL.

Mais recentemente, esta Comissão reafirmou seu entendimento através da resposta à consulta de nº 165/2014:

EMENTA: ICMS. CONSTRUÇÃO CIVIL. NOS TERMOS DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA ESTADUAL, CADA ESTABELECIMENTO ONDE EXERÇA O CONTRIBUINTE SUAS ATIVIDADES GOZA DE AUTONOMIA EM RELAÇÃO AOS DEMAIS. AS SAÍDAS DE CONJUNTOS HIDRÁULICOS, ELÉTRICOS E DE ALVENARIA, QUE SERÃO POSTERIORMENTE EMPREGADOS NA CONSTRUÇÃO E ACABAMENTO DE UNIDADES IMOBILIÁRIAS, SUJEITAM-SE À INCIDÊNCIA DO ICMS.

O inciso I do art.43 do Anexo VI do RICMS/SC permite a realização de operação de venda a ordem entre "estabelecimentos", ou seja, não limita a utilização deste instituto aos casos em que o vendedor remetente e o adquirente originário apresentem-se como pessoas jurídicas distintas. Basta que sejam, evidentemente, estabelecimentos distintos:

Art. 43. No caso de venda à ordem, por ocasião da entrega global ou parcial das mercadorias a terceiros, deverá ser emitida Nota Fiscal, modelo 1 ou 1-A:

I - pelo adquirente originário, com destaque do ICMS, quando devido, em nome do destinatário das mercadorias, consignando-se, além dos demais requisitos exigidos, o nome, endereço e números de inscrição no CCICMS e no CNPJ do estabelecimento que irá promover a remessa das mercadorias;

O inciso I diz que o adquirente originário deverá consignar em sua nota fiscal de venda os dados do estabelecimento vendedor, podendo este, por tudo que aqui já foi exposto, ser pertencente à mesma pessoa jurídica.

O consulente (destinatário) poderá, por fim, se creditar do imposto destacado no documento fiscal de venda, haja vista se tratar de operação interna de aquisição de carne, observando, à evidência, os requisitos e condições previstos na legislação. A restrição ao crédito integral constante no inciso II do art. 35-B do RICMS/SC é aplicável, in casu, ao adquirente originário estabelecido em Santa Catarina.  

 

Resposta

Pelo exposto, responda-se ao consulente que é possível a operação de venda à ordem quando o adquirente originário e o vendedor remetente sejam estabelecimentos pertencentes à mesma pessoa jurídica.

É o parecer que submeto à elevada apreciação da Comissão Permanente de Assuntos Tributários.

PAULO VINICIUS SAMPAIO

AFRE III - Matrícula: 9507191

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 29/06/2017.

A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

Nome                                                                                Cargo

ARI JOSE PRITSCH                                                            Presidente COPAT

ADENILSON COLPANI                                                        Secretário(a) Executivo(a)