CONSULTA 147/2016

EMENTA: ICMS. ATIVO IMOBILIZADO. A VENDA OCASIONAL DE VEÍCULO USADO, SEM INTUITO DE LUCRO E OBSERVADO O PERÍODO MÍNIMO DE PERMANÊNCIA DO BEM NO ATIVO IMOBILIZADO, NÃO SE SUBSUME ÀS HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DO ICMS, AINDA QUE O DESTINATÁRIO SEJA PESSOA FÍSICA.

Publicada na Pe/SEF em 21.12.16

Da Consulta

Narra o consulente que atua na prestação de serviços de transporte municipal, intermunicipal e interestadual de cargas com apuração normal do ICMS. Apresenta o seguinte questionamento a esta Comissão: na venda para pessoa física ou jurídica estabelecida neste ou em outro estado da federação, de veículo adquirido anteriormente para integrar seu ativo imobilizado, observando que o bem foi adquirido novo e possui mais de 12 meses de uso, pergunta-se, se há incidência de ICMS nesta operação?

O processo foi analisado no âmbito da Gerência Regional conforme determinado pelas Normas Gerais de Direito Tributário de Santa Catarina, aprovadas pelo Dec. nº 22.586/1984. A autoridade fiscal verificou que a consulta não apresentava condições de admissibilidade, haja vista a falta de indicação expressa do dispositivo legal que fundamentava sua dúvida.

É o relatório, passo à análise. 

 

Legislação

Constituição Federal, art. 155, II; 146, III, a.

Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, art. 1º e 2º.

Código Civil, art. 1.142.

Código Tributário Nacional, art. 108, I.

RICMS/SC, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, Anexo 2, artigo 35. 

 

Fundamentação

Em preliminar, e conforme apontado no estágio de saneamento do processo pela Gerência Regional, cumpre anotar que o consulente não indicou o dispositivo da legislação tributária estadual sobre o qual paire dúvida acerca de sua interpretação, aplicação e vigência. No entanto, pela leitura de sua petição, percebe-se nitidamente que sua dúvida reside na aplicabilidade do art. 35 do Anexo 2 do RICMS/SC, que cuida da não incidência do ICMS nas saídas de bens do ativo imobilizado do contribuinte.

A matéria suscitada pela consulente já foi analisada por esta Comissão e, em razão da clareza e objetividade da fundamentação da resposta dada na COPAT nº 6/2016, toma-se, por empréstimo, os argumentos nela contidos para fundamentar a presente resposta:

"Ao atribuir a competência tributária aos Estados, a Constituição Federal dispôs:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

A mesma Carta determinou que norma geral em direito tributário deveria definir a hipótese de incidência do ICMS, obviamente atentando para a competência atribuída pelo inciso II do art.155:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

Dando cumprimento ao comando constitucional, foi editada a Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, onde, em seus artigos 1º e 2º, assim dispôs sobre o fato gerador do imposto:

Art. 1º Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

Art. 2° O imposto incide sobre:

I - operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares;

Nitidamente o campo de incidência do ICMS, no que toca ao objeto da presente consulta, restringe-se às operações relativas à circulação de mercadorias.

A questão, portanto, passa pela análise do conteúdo semântico dos termos "bens" e "mercadorias" no direito tributário. Segundo Eduardo Jardim: "No âmbito do direito tributário a palavra [bem]  significa objeto corpóreo destinado a uso pessoal, ou seja, trata-se de algo fora do comércio. Opõe-se a mercadoria, que significa produto corpóreo destinado ao comércio. Baleeiro nos propicia um exemplo singelo em expressivo dizer: um sapato exposto numa vitrine é uma mercadoria, enquanto adquirido por alguém e uma vez calçado transforma-se em bem, Essa sutil diferença entre bem e mercadorias pode suscitar conseqüências relevantíssimas na área tributária" (in Dicionário jurídico tributário. São Paulo: Saraiva. 1995.pág. 13).

Para Roque Antonio Carrazza, "quando a Constituição aludiu a mercadorias, encampou conceito que já estava perfeitamente desenhado pela lei comercial (lei de caráter nacional)" (in O ICMS na Constituição, ed. 15, pag. 47). Essa acepção é claramente utilizada pela Constituição Federal, quando trata da tributação e do orçamento em seu título VI. A guisa de exemplo, quando o inciso VII do §2º do artigo 155 fixa a alíquota a ser adotada nas operações interestaduais com consumidor final, utiliza o termo "bem", tendo como pressuposto da utilização do termo, o fato de que a coisa não sofrerá nova circulação econômica. Aqui, tanto o consumidor final contribuinte do imposto quanto o não-contribuinte adquirem bens. Para aquele, por se revelar bens do ativo imobilizado ou bens de uso e consumo, enquanto para este, bens de consumo.

José Eduardo Soares de Melo afirma que "a venda de bens do ativo fixo da empresa também nunca poderia acarretar exigência do ICMS, porquanto não se enquadrada no conceito de mercadorias, por não serem coisas comercializadas, habitualmente, com o fim de lucro, além de estarem fora do âmbito das atividades usuais dos contribuintes, desde o início da produção até o consumo final" (in ICMS - Teoria e Prática, ed. 11, pag. 33).

O STF palmilhou pelo mesmo caminho jurídico:

ICMS. Venda de bens do ativo fixo da empresa. Não-incidência do tributo.

A venda de bens do ativo da empresa não se enquadra na hipótese de incidência determinada pelo art. 155, I, b, da Carta Federal, tendo em vista que, em tal situação, inexiste circulação no sentido jurídico-tributário: os bens não se ajustam ao conceito de mercadorias e as operações não são efetuadas com habitualidade. Recurso Extraordinário não conhecido. RE 194.300-9, 1ª T., Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 29.4.97.

A não sujeição à incidência do ICMS nas saídas de bens do ativo imobilizado é tratada no art. 35 do Anexo 2 do RICMS/SC:

Art. 35. Fica isenta a saída de bem adquirido para integrar o ativo permanente:

I - em qualquer hipótese, quando o destinatário for estabelecimento localizado neste Estado, observado o disposto no art. 44, I do Regulamento;

II - para destinatário estabelecido em outro Estado:

a) em transferência para estabelecimento da mesma empresa, desde que comprovadamente tenha sido usado no fim a que se destinava no estabelecimento remetente;

b) a qualquer título, quando ocasional e ocorrida após o uso normal a que se destinava no estabelecimento remetente, considerando-se como tal o decurso de período não inferior a 12 (doze) meses;

O art. 35 do Anexo 2 do Regulamento do ICMS catarinense cuida de hipótese de não incidência didática do ICMS, trazendo requisitos mínimos para que a saída de ativo do contribuinte não seja considerada, efetivamente, como saída de mercadoria. Assim, quando o objeto que circula não tiver sido usado no fim a que se destinava no estabelecimento remetente, ou quando a saída não for ocasional e ocorrida após o uso normal a que se destinava, considerando-se como tal o decurso de período não inferior a 12 (doze) meses, restará caracterizada saída de mercadoria e, conseguintemente, a operação estará sujeita à incidência do ICMS.

A regra de "isenção", no entanto, prevista neste art. 35, alcança somente as saídas com destino a outro "estabelecimento". De acordo com o artigo 1.142 do Código Civil, considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária. Vê-se, portanto, que o art. 35 não vislumbra as saídas de ativo destinadas à pessoa física.

A questão, portanto, é identificar se mesmo não sendo tratadas no art. 35, as saídas de ativo destinadas à pessoa física estão fora do campo de incidência do imposto.

A inexistência de previsão normativa da regra de "isenção" nas saídas destinadas à pessoa física, no presente caso, não pode ser interpretada como sujeição imediata e infalível à norma de incidência do imposto. Como outrora afirmado, as operações de venda de ativo imobilizado não estão no campo de incidência do ICMS. Como também visto, a não incidência do art. 35 é didática, e, por isso mesmo, não exaustiva.

A situação se amolda ao previsto no art. 108, I do Código Tributário Nacional, o qual prevê que na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará a analogia.

Assim, com base na competência atribuída aos Estados pela Constituição Federal, e por analogia com o art. 35 do Anexo 2 do RICMS/SC, as saídas de ativo do contribuinte destinadas à pessoa física também não estão no campo de incidência do ICMS, desde que observados os requisitos mínimos previstos no art. 35 para que esta operação de saída seja caracterizada como sendo efetivamente "saída bem do ativo imobilizado".

Essa Comissão já chegou a idêntica conclusão quando da resposta às consultas de nº 84/2005 e nº 85/2013:

Consulta nº 84/2005:

EMENTA: ICMS - LOCADORA DE VEÍCULOS. A VENDA DE VEÍCULO USADO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE LOCAÇÃO, QUANDO SE ENQUADRE NAS HIPÓTESES PREVISTAS NO RICMS/SC, ANEXO 2, ART. 35, NÃO CARACTERIZA CIRCULAÇÃO DE MERCADORIA, PORTANTO, ESSE TIPO DE OPERAÇÃO NÃO SE SUBSUME NAS HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DO ICMS TIPIFICADAS NA LEGISLAÇÃO PERTINENTE.

Consulta nº 85/2013:

EMENTA: ICMS. ATIVO PERMANENTE. AS HIPÓTESES PREVISTAS NO RICMS/SC, ANEXO 2, ART. 35, NÃO CARACTERIZAM CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS, PORQUANTO NÃO SE SUBSUMEM ÀS HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DO ICMS TIPIFICADAS NA LEGISLAÇÃO PERTINENTE.

 

Resposta

Pelo exposto, responda-se ao consulente que as operações de venda de seus veículos usados, constantes em seu ativo imobilizado, tendo como destinatários pessoas físicas ou jurídicas e desde que observados os requisitos constantes no art. 35 do Anexo 2 do RICMS/SC, não se encontram no campo de incidência do ICMS.

É o parecer que submeto à elevada apreciação da Comissão Permanente de Assuntos Tributários. 

PAULO VINICIUS SAMPAIO

AFRE II - Matrícula: 9507191

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 08/12/2016.

A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

Nome                                                                                Cargo

FRANCISCO DE ASSIS MARTINS                                      Presidente COPAT

ADENILSON COLPANI                                                        Secretário(a) Executivo(a)