CONSULTA 28/2016

EMENTA: AS ATIVIDADES INTERMEDIÁRIAS DE COLETA, CUSTÓDIA, ENTREGA DE BENS E MERCADORIAS SÃO ATIVIDADES AUXILIARES DO SERVIÇO DE PRESTAÇÃO DE TRANSPORTE. A INCIDÊNCIA DO ICMS, BEM COMO EVENTUAL CRÉDITO DESTINADO A DAR EFETIVIDADE AO PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE DO TRIBUTO, DEVE SER EXAMINADA DO PONTO DE VISTA DO DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE-FIM PELO SUJEITO PASSIVO.

Publicada na Pe/SEF em 21.03.16

Da Consulta

A consulente, devidamente identificada e representada, atuando na prestação de serviços de transporte de valores, informa que submete suas operações à tributação do ICMS, optando pela adoção de crédito presumido, em substituição aos créditos efetivos do ICMS, de 20% (vinte por cento) do valor do ICMS devido na prestação, conforme previsto no Convênio ICMS 106/96 e na legislação tributária catarinense.

Afirma que, além da realização de operações de transporte de valores e bens, presta para seus clientes serviços outros como o de custódia de mercadorias, que entende sujeitos à tributação do ISS. Entende que a remessa de bens para custódia deve ser realizada mediante emissão de nota fiscal de simples remessa, com destaque de ICMS.

Questiona sobre o direito da consulente a tomada de crédito de ICMS nas operações cuja natureza não seja a de transporte de valores e mercadorias, como na prestação do serviço de custódia, de forma que quando a consulente receber bens para custódia, acompanhados de notas fiscais de simples remessa com o ICMS destacado, possa creditar-se de eventuais créditos de ICMS, devendo, ao promover a devolução dos bens, também destacar o ICMS.

Finalmente, questiona sobre a correta forma de registro dos créditos do imposto e preenchimento dos documentos fiscais para dar efetividade ao crédito de ICMS nesta hipótese.

O processo foi analisado no âmbito da Gerência Regional conforme determinado pelas Normas Gerais de Direito Tributário de Santa Catarina, aprovadas pelo Dec. nº 22.586/1984.  A autoridade fiscal examinou as condições de admissibilidade da Consulta, ressaltando a inexistência de Resolução Normativa sobre a matéria.

Legislação

Constituição Federal, art. 155, II e  § 2º, II.RICMS/SC, Anexo 2, art. 25.

Fundamentação

Preliminarmente, cabe ressaltar que o crédito do ICMS é um direito constitucional conferido ao sujeito passivo com a finalidade de dar concretude ao princípio da não-cumulatividade, que se materializa pela prerrogativa de abater do débito do imposto, o valor que incidiu nas operações e prestações anteriores.

Este princípio encontra-se previsto nos incisos I e II, do §2º, do artigo 155, da Constituição Federal, nos seguintes termos:

"§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:

a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;

b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;"

Do texto constitucional extrai-se que o crédito do ICMS cobrado nas operações ou prestações anteriores é um direito vinculado à compensação do débito resultante das operações ou prestações tributadas subsequentes.

No caso exposto pela consulente, que alega realizar o serviço de custódia de bens há duas possibilidades: ou se trata de prestação de serviço isolado, a prestação de serviço de guarda de bens não vinculada a uma prestação de serviço de transporte - operação que está fora do âmbito de incidência do ICMS, ou se trata de serviço de custódia no âmbito de uma prestação de serviço de transporte.

No primeiro caso, tratando-se de prestação de serviço de guarda ou custódia de bens ou mercadorias, tem-se que se trata de serviço sobre o qual não há a incidência do ICMS, uma vez que estão sujeitos ao ICMS somente as prestações de serviços de transporte e de comunicação, nos termos do art. 155, II da Constituição Federal. Neste caso, não havendo operação ou prestação sujeita ao ICMS, não haverá direito à apropriação de créditos de ICMS. Em síntese, o crédito do ICMS existe apenas em função do débito do mesmo imposto - o que foi cobrado nas etapas precedentes do ciclo de comercialização ou de prestação de serviço, poderá ser utilizado para compensar o imposto devido nas operações ou prestações seguintes. Mas, se não houver débito, não há o que ser compensado e, por conseguinte, não haverá direito ao crédito e eventual crédito registrado deverá ser estornado.

Por outro lado, se o caso for o da prestação do serviço de custódia como atividade-meio de prestação de serviço de transporte, esta prestação-meio não é atividade autônoma, mas inclui-se na prestação de serviços de transporte. Neste sentido recente Resposta de Consulta desta Comissão, a Consulta Copat 59/2016, assim ementada:

"ICMS E ISS. NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO INTERESTADUAL E INTERMUNICIPAL DE TRANSPORTE DE MALOTES, CORRESPONDÊNCIAS, DOCUMENTOS, OBJETOS, BENS OU VALORES INCIDE O ICMS. Publicada na Pe/SEF em 21.09.15

Coleta, custódia, consolidação e entrega da coisa são atividades-auxiliares da atividade-fim do contrato de transporte."

Extrai-se da referida Resposta de Consulta 59/2015 os seguintes excertos, por aplicáveis ao questionamento proposto:

"O serviço de transporte, então, se inicia com a coleta da coisa a ser transportada, se estende pelo prazo em que a coisa fica sob a custódia do transportador, e se encerra somente no momento em que ocorre a entrega desta ao destinatário.

Qualquer atividade-fim envolve realização de atividades auxiliares à sua consecução. Tais atividades são usualmente denominadas como "atividades-meio" para a realização da atividade-fim. A coleta, guarda e entrega da coisa são atividades-meio para a consecução da atividade-fim do contrato: o transporte de coisas.

O jurista Aires F. Barreto, em didática assertiva, esclarece a diferença existente entre atividades-meio e atividades-fim, concluindo que somente esta pode ser objeto da incidência tributária:

Tais atividades ancilares, tarefas-meio, nada obstante necessárias, não são autônomas, não são um fim, em si mesmas; pelo contrário, incluem-se nos serviços de transporte, constituindo-se em atividades-meio para a realização dos mesmos. Não se pode, destarte, considera-las isoladamente, para fins de incidência do imposto. A prestação a que se obriga quem promete proceder ao transporte de bens de terceiros já incluiu toda e qualquer atividade ou tarefa necessária ao perfazimento desses serviços. Constitui erronia jurídica pretender desmembrar as inúmeras atividades-meio necessárias ao transporte, que culminam com a entrega dos bens, como se fossem "serviços" parciais, para fins de incidência do imposto (municipal). Nenhuma dessas atividades-meio - seja coleta, seja a consolidação, seja a guarda dos volumes, seja a entrega - pode ser considerada como serviço em si mesmo, com existência autônoma; não são essas tarefas senão condições, fases, meios ou instrumentos para a efetiva realização dos serviços de transporte contratados. (ISS na Constituição e na Lei, 2ª ed., Ed. Dialética, São Paulo, 2005, p.127)".

O posicionamento acima exposto está respaldado na jurisprudência do STJ, como se pode ver na decisão proferida no Recurso Especial nº 901298/RS, relator o Ministro Teori Zavascki:

"TRIBUTÁRIO. ISSQN. FATO GERADOR. SERVIÇO DE TRANSPORTE DE VALORES. COBRANÇA DE PREÇO ÚNICO, NELE INCLUÍDOS OS SERVIÇOS AUXILIARES INDISPENSÁVEIS À CONSECUÇÃO DA ATIVIDADE FIM. BASE DE CÁLCULO: PREÇO COBRADO PELA TOTALIDADE DO SERVIÇO (LC 116/03, ART. 7º; DL 406/68, ART. 9º). RECURSO IMPROVIDO".

Do voto do Min. Relator cita-se o seguinte trecho:

"Conforme registrado pelo acórdão recorrido, o preço cobrado pelos serviços de transporte de valores levou em consideração toda a atividade prestada, inclusive aquela, dita acessória ou preparatória, mas que, na verdade, consistiu em etapa necessária e indissoluvelmente ligada à consecução da atividade fim. Nessas circunstâncias, não se tratando de atividade autônoma, alheia à atividade fim, não é legítima a pretensão de reduzir a base de cálculo, que deve ser o preço total cobrado pelos serviços."

Assim, na prestação de serviço de transporte, a incidência tributária deve ocorrer pela atividade-fim, englobadas nela as atividades auxiliares à sua consecução. Não há, portanto, respaldo para eventual tributação e nem apropriação de créditos de ICMS pelo desenvolvimento de atividades auxiliares do serviço de prestação de serviço de transporte, como o serviço de custódia de bens.

As atividades-meio desenvolvidas para a consecução do serviço de prestação de transporte, não podem ser consideradas de forma separada para o exame da ocorrência do fato gerador do tributo, bem como na apropriação de eventuais créditos de ICMS pelo desenvolvimento de tais atividades. 

Resposta

Ante o exposto proponho que se responda à consulente que:

(i) tratando-se de prestação de serviço sobre o qual não há incidência do ICMS não cabe a apropriação de quaisquer créditos pelas operações tributadas anteriores;

(ii) as atividades intermediárias de coleta, custódia, entrega de bens e mercadorias são atividades auxiliares do serviço de prestação de transporte. A incidência do ICMS, bem como eventual crédito destinado a dar efetividade ao princípio da não-cumulatividade do tributo, deve ser examinada do ponto de vista da atividade-fim desenvolvida pelo sujeito passivo.

VANDELI ROHSIG DANNEBROCK

AFRE IV - Matrícula: 2006472

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 25/02/2016.

A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

Nome                                                                                       Cargo

CARLOS ROBERTO MOLIM                                                     Presidente COPAT

MARISE BEATRIZ KEMPA                                                      Secretário(a) Executivo(a)