CONSULTA 59/2015

EMENTA: ICMS E ISS. NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO INTERESTADUAL E INTERMUNICIPAL DE TRANSPORTE DE MALOTES, CORRESPONDÊNCIAS, DOCUMENTOS, OBJETOS, BENS OU VALORES INCIDE O ICMS.

Coleta, custódia, consolidação e entrega da coisa são atividades-auxiliares da atividade-fim do contrato de transporte.

Publicada na Pe/SEF em 21.09.15

Da Consulta

Narra o consulente que atua no ramo de prestação de serviço de transporte intermunicipal de malotes, emitindo Nota Fiscal de Serviço de Transporte. Informa, ainda, que submete a prestação à incidência do ICMS. No entanto, o item 26.01 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03 traz a seguinte prestação de serviço sujeita ao ISS:

26.01 - Serviços de coleta, remessa ou entrega de correspondências, documentos, objetos, bens ou valores, inclusive pelos correios e suas agências franqueadas; courrier e congêneres.

Vem, assim, diante dessa Comissão, perguntar se a prestação de serviço que realiza está sujeita à incidência do ICMS, como entende, ou se está sujeita à incidência do imposto municipal.

O processo foi analisado no âmbito da Gerência Regional conforme determinado pelas Normas Gerais de Direito Tributário de Santa Catarina, aprovadas pelo Dec. nº 22.586/1984. A autoridade fiscal verificou as condições de admissibilidade.

É o relatório, passo à análise. 

 

Legislação

Constituição Federal, art. 155, II e art. 156, III.

Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, item 26.01 da lista de serviços anexa.

Código Civil, art. 730 e art. 750. 

 

Fundamentação

A questão trazida pelo consulente diz respeito à compreensão do campo de incidência do ICMS e do ISS na prestação de serviço de transporte.

A Constituição Federal, através do inciso II de seu artigo 155, outorgou aos Estados e ao Distrito Federal competência para instituir imposto sobre a circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. A mesma Carta outorgou aos Municípios competência para instituir Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, definidos em lei complementar, excluídos os serviços já alcançados pelo ICMS (art. 156, III).

Assim, a prestação de serviço de transporte interestadual e intermunicipal está sob o campo de incidência do ICMS.  Este mesmo serviço, quando realizado nos limites do Município, é alcançado pela competência tributária municipal.

art. 730 do Código Civil assim define o contrato de transporte:

Art. 730. Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas.

 Cezar Fiúza esclarece que "coisa, para o Direito, é todo bem econômico, dotado de existência autônoma, e capaz de ser subordinado ao domínio das pessoas" (Direito Civil: Curso Completo, Belo Horizonte, Del Rey, 2004, p.171). Portanto, como bem leciona Carvalho de Mendonça, "qualquer coisa material, suscetível de ser levada de um para outro lugar, pode sempre, à vontade do detentor, constituir objeto do contrato de transporte" (Tratado de Direito Comercial Brasileiro, 6ª ed, São Paulo, Freitas Bastos, 1960, p. 463). D'onde já se vislumbra que correspondências, documentos, objetos, bens ou valores, mencionados no item 26.01 da lista de serviços anexa à Lei Complementar de nº 116/03, por serem caracterizados juridicamente como "coisas", podem ser objeto de contrato de transporte.

Avançando na análise, Carvalho de Mendonça assevera que o contrato de transporte "começa não no início da viagem, mas com a entrega das mercadorias pelo carregador e com a aceitação destas pela empresa de transporte; desde este momento nascem as obrigações a cargo da empresa e surgem as suas responsabilidades", e "extingue-se somente depois de efetuada a entrega" (obra já citada, p.466). O atual Código Civil, em seu art. 750, traz similar definição:

Art. 750. A responsabilidade do transportador, limitada ao valor constante do conhecimento, começa no momento em que ele, ou seus prepostos, recebem a coisa; termina quando é entregue ao destinatário, ou depositada em juízo, se aquele não for encontrado.

 O serviço de transporte, então, se inicia com a coleta da coisa a ser transportada, se estende pelo prazo em que a coisa fica sob a custódia do transportador, e se encerra somente no momento em que ocorre a entrega desta ao destinatário.

Qualquer atividade-fim envolve realização de atividades auxiliares à sua consecução. Tais atividades são usualmente denominadas como "atividades-meio" para a realização da atividade-fim. A coleta, guarda e entrega da coisa são atividades-meio para a consecução da atividade-fim do contrato: o transporte de coisas.

O jurista Aires F. Barreto, em didática assertiva, esclarece a diferença existente entre atividades-meio e atividades-fim, concluindo que somente esta pode ser objeto da incidência tributária:

Tais atividades ancilares, tarefas-meio, nada obstante necessárias, não são autônomas, não são um fim, em si mesmas; pelo contrário, incluem-se nos serviços de transporte, constituindo-se em atividades-meio para a realização dos mesmos. Não se pode, destarte, considera-las isoladamente, para fins de incidência do imposto. A prestação a que se obriga quem promete proceder ao transporte de bens de terceiros já incluiu toda e qualquer atividade ou tarefa necessária ao perfazimento desses serviços. Constitui erronia jurídica pretender desmembrar as inúmeras atividades-meio necessárias ao transporte, que culminam com a entrega dos bens, como se fossem "serviços" parciais, para fins de incidência do imposto (municipal). Nenhuma dessas atividades-meio - seja coleta, seja a consolidação, seja a guarda dos volumes, seja a entrega - pode ser considerada como serviço em si mesmo, com existência autônoma; não são essas tarefas senão condições, fases, meios ou instrumentos para a efetiva realização dos serviços de transporte contratados. (ISS na Constituição e na Lei, 2ª ed., Ed. Dialética, São Paulo, 2005, p.127)

O Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1356977/MG, firmou idêntico entendimento:

TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ISSQN. INCORPORAÇÃO DIRETA. TRIBUTO INDEVIDO. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, "não cabe a incidência de ISSQN na incorporação direta, já que o alvo desse imposto é atividade humana prestada em favor de terceiros como fim ou objeto; tributa-se o serviço-fim, nunca o serviço-meio, realizado para alcançar determinada finalidade. As etapas intermediárias são realizadas em benefício do próprio prestador, para que atinja o objetivo final, não podendo, assim, ser tidas como fatos geradores da exação" (REsp 1.166.039/RN, Rel. Min. CASTRO MEIRA, Segunda Turma, DJe 11/06/10).

2.  Agravo regimental não provido. (Grifos não constam no original).

O mesmo Tribunal Superior, através do Recurso Especial nº 901298/RS, da relatoria do Ministro Teori Zavascki, tratando pontualmente do serviço de transporte, deixou claro que a incidência tributária deve ocorrer pela atividade-fim, aí englobadas as atividades auxiliares à sua consecução:

TRIBUTÁRIO. ISSQN. FATO GERADOR. SERVIÇO DE TRANSPORTE DE VALORES. COBRANÇA DE PREÇO ÚNICO, NELE INCLUÍDOS OS SERVIÇOS AUXILIARES INDISPENSÁVEIS À CONSECUÇÃO DA ATIVIDADE FIM. BASE DE CÁLCULO: PREÇO COBRADO PELA TOTALIDADE DO SERVIÇO (LC 116/03, ART. 7º; DL 406/68, ART. 9º). RECURSO IMPROVIDO.

 Do voto do Min. Relator cita-se o seguinte trecho:

Conforme registrado pelo acórdão recorrido, o preço cobrado pelos serviços de transporte de valores levou em consideração toda a atividade prestada, inclusive aquela, dita acessória ou preparatória, mas que, na verdade, consistiu em etapa necessária e indissoluvelmente ligada à consecução da atividade fim. Nessas circunstâncias, não se tratando de atividade autônoma, alheia à atividade fim, não é legítima a pretensão de reduzir a base de cálculo, que deve ser o preço total cobrado pelos serviços.

Não se trata, no presente caso, da prestação de diversos serviços: coleta, custódia, remessa, transporte e entrega, mas somente de um único serviço-fim: transporte de coisas. Os demais "serviços" são atividades auxiliares à consecução do objeto do contrato.

Informa o consulente que é empresa que atua no ramo de transporte, sendo essa sua atividade fim e por isso é contratado pelos seus clientes, para que, mediante remuneração, transporte coisas de um local a outro. O serviço de malotes narrado pelo consulente é típica prestação de serviço de transporte. A coleta e a entrega destes malotes estão subsumidas na prestação do serviço de transporte.

Nada impede, além da imaginação, uma prestação de serviço de coleta, remessa e entrega de coisas sem a prestação de serviço de transporte, caso em que haverá a incidência de ISS nos termos do item 26.01 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03. Havendo serviço de transporte, aquelas atividades são caracterizadas como atividades-meio, sendo o transporte a atividade-fim e, portanto, suscetível de tributação pelo ICMS quando a prestação desbordar dos limites municipais. 

Resposta

Pelo exposto, responda-se ao consulente que a prestação de serviço de transporte interestadual e intermunicipal de malotes está sujeita à incidência do ICMS.

É o parecer que submeto à elevada apreciação da Comissão Permanente de Assuntos Tributários. 


PAULO VINICIUS SAMPAIO
AFRE II - Matrícula: 9507191

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 02/09/2015.
A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

 

Nome                                                                                      Cargo

CARLOS ROBERTO MOLIM                                           Presidente COPAT

MARISE BEATRIZ KEMPA                                             Secretário(a) Executivo(a)