CONSULTA 35/2015

EMENTA: ICMS. A SAÍDA DE PEÇA NOVA EM SUBSTITUIÇÃO À DEFEITUOSA, EM FUNÇÃO DE GARANTIA DADA PELA MONTADORA/FABRICANTE DE VEÍCULO AUTOMOTOR, CARACTERIZA-SE COMO OPERAÇÃO DE VENDA ENTRE A CONCESSIONÁRIA OU OFICINA CREDENCIADA E O PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO, DEVENDO SER INDICADO O CFOP 5.102 OU 5.405.

AS OPERAÇÕES DE "VENDAS PRESENCIAIS" SÃO CARACTERIZADAS COMO OPERAÇÕES INTERNAS, NÃO IMPORTANDO SE OS ADQUIRENTES DOS BENS SÃO CONSUMIDORES FINAIS ESTABELECIDOS OU DOMICILIADOS EM OUTRA UNIDADE FEDERATIVA.   

Publicada na Pe/SEF em 02.07.15

Da Consulta

Narra o consulente que é empresa que atua no ramo do comércio a varejo e por atacado de veículos automotores, peças e acessórios, bem como na sua manutenção e reparação. Em razão dessas atividades, efetua a substituição de peças defeituosas em veículos automotores, em virtude de garantia dada pelo fabricante do veículo.

Vem perante essa Comissão perguntar se as saídas de peça nova em substituição à defeituosa, em razão de garantia, são caracterizadas como operações de venda, devendo indicar o CFOP 5.102/6.102 ou 5.405/6.404 ou, por outro lado, caso não se trate de operações de venda, se deve indicar o CFOP 5.949 ou 6.949. Acrescenta, ainda, que no seu entendimento o proprietário do veículo não faz aquisição da peça nova junto à concessionária, visto que a montadora/fabricante é quem efetua o pagamento do preço desse bem.

 

O processo foi analisado no âmbito da Gerência Regional conforme determinado pelas Normas Gerais de Direito Tributário de Santa Catarina, aprovadas pelo Dec. nº 22.586/1984. A autoridade fiscal verificou as condições de admissibilidade.

É o relatório, passo à análise.  

 

Legislação

Constituição Federal, 155, §2º, VII;

Código Civil, artigos 436 a 438 e artigo 1.122;

RICMS/SC, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, Anexo 6, artigo 77-G. 

 

Fundamentação

A questão proposta demanda a análise da natureza jurídica da saída de peça nova de concessionária ou oficina credenciada em substituição à peça defeituosa, em função de garantia concedida pelo fabricante/montadora ao adquirente de veículo automotor.

O artigo 1.122 do Código Civil conceitua o contrato de compra e venda como sendo aquele em queum dos contraentes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro. Trata-se, portanto, de contrato sinalagmático e oneroso, pois envolve prestação e sacrifício patrimonial recíprocos entre as partes envolvidas.

Sendo um dos requisitos para a caracterização de contrato de compra e venda o pagamento do preço da coisa, pode gerar certa dificuldade quando o adquirente não efetua o pagamento do preço da coisa adquirida.

Ocorre que nos contratos civis existe a figura da estipulação em favor de terceiro, disciplinada nos artigos 436 a 438 do Código Civil.  Caio Mário da Silva Pereira assim se referiu a respeito da conceituação do tema:

"Dá-se o contrato em favor de terceiro quando uma pessoa (o estipulante) convenciona com outra (o promitente) uma obrigação, em que a prestação será cumprida em favor de outra pessoa (o beneficiário)" (in Instituições de Direito Civil: contratos. vol. III. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, pg. 92).

Com base nessas breves anotações, termos que, no presente caso, há um contrato particular firmado entre fabricante/montadora do veículo e seu adquirente/consumidor final, onde concede, por prazo determinado, garantia quanto a defeitos que possam surgir no veículo, responsabilizando-se pelo ônus do conserto. De outro lado, há contrato particular firmado entre fabricante/montadora e suas concessionárias ou oficinas credenciadas onde se obriga a efetuar o pagamento, em lugar do proprietário do veículo, da peça nova substitutiva da defeituosa, durante o prazo de garantia concedido a este.

O contrato particular firmado entre montadora/fabricante e suas concessionárias ou oficinas credenciadas é típico contrato onde ocorre estipulação em favor de terceiro. O promitente se obriga a efetuar o pagamento, ao estipulante, do preço da peça adquirida pelo beneficiário.

A assunção, pela montadora/fabricante, da obrigação de pagar o preço da peça nova, em lugar do efetivo adquirente, não tem o condão de desvirtuar a natureza jurídica do contrato de compra e venda realizado entre o estipulante (concessionárias ou oficinas credenciadas) e o beneficiário (proprietário do veículo automotor).

O próprio art. 77-G do Anexo 6 do RICMS/SC determina que a nota fiscal de saída da peça nova deve ser emitida em nome do proprietário do veículo, que é o destinatário da operação de venda e, portanto, o real adquirente do bem.

Art. 77-G. Na saída da peça nova em substituição à defeituosa deverá ser emitidaNota Fiscal indicando como destinatário o proprietário do veículo ou da mercadoria, com destaque do imposto quando devido, cuja base de cálculo será o preço cobrado do fabricante pela peça e a alíquota será a aplicável às operações internas.

 

Ganha relevo o fato de que não se encontra regrada pela legislação tributária a forma como a montadora/fabricante do veículo ira ressarcir à concessionária pela peça nova substituta da defeituosa, corroborando a assertiva de que se trata de obrigação alheia ao direito tributário.

Outra questão implícita na dúvida trazida pelo consulente diz respeito à possibilidade de utilizar o CFOP relativo às operações interestaduais (CFOP 6.102, 6.404 ou 6.949) nas saídas de peça nova em substituição à defeituosa.

A atividade narrada pelo consulente, de substituição de peça defeituosa por peça nova, pressupõe que o serviço seja realizado no estabelecimento do consulente situado no Estado de Santa Catarina. Ainda que os adquirentes das peças novas sejam consumidores finais estabelecidos ou domiciliados em outra unidade federativa, a operação descrita é tida como "venda presencial" e, assim, caracterizada como operação interna.

O pressuposto constitucional para caracterização de operação interestadual com bens e serviços é que estes sejam destinados a consumidor final localizado em outro Estado (CF, art. 155, §2º, inc. VII). Note-se que pelo comando constitucional não importa onde o consumidor final é domiciliado ou estabelecido, mas onde está localizado. Com efeito, a localização do consumidor final tem acepção geográfica, enquanto que onde está estabelecido ou domiciliado tem acepção jurídica. A norma constitucional pautou-se, portanto, pela localização geográfica do consumidor final para caracterizar a operação interestadual, que se dá em relação ao local de destino do bem. Sendo o local de destino do bem o próprio Estado em que localizado o vendedor (e, evidentemente, o adquirente), resta caracterizada operação interna.

A questão já foi abordada por essa Comissão através das Respostas à Consulta Tributária de nº 35/06 e 151/2011, com idêntica conclusão:

 

Consulta nº 35/06:

EMENTA: ICMS. ABASTECIMENTO EM TRÂNSITO DE EMBARCAÇÃO DE CABOTAGEM PERTENCENTE À EMPRESA ESTABELECIDA EM OUTRO ESTADO. CONSIDERA-SE OPERAÇÃO INTERNA, CABENDO O IMPOSTO AO ESTADO ONDE SE DER O ABASTECIMENTO.

O DOCUMENTO FISCAL DEVE SER EMITIDO EM NOME DA EMPRESA, PORÉM CONSIGNANDO O LOCAL DO ABASTECIMENTO.

 

Consulta nº 151/2011:

EMENTA: ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. COMBUSTÍVEL UTILIZADO POR VEÍCULOS TRANSPORTADORES E PEÇAS ADQUIRIDAS NOUTRAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO PARA CONSUMO DA EMPRESA ADQUIRENTE.

a) O abastecimento "em trânsito" de veículo de propriedade de empresa transportadora, em posto de combustíveis estabelecido noutro Estado, caracteriza-se como operação interna, sendo que o imposto relativo à substituição tributária é devido ao Estado onde se encontra localizado o estabelecimento abastecedor.

...

Na situação apresentada pela consulente, os veículos transportadores são abastecidos durante o trânsito, em postos de combustíveis localizados noutras unidades da Federação. Assim, não há o ingresso físico dos produtos neste Estado. O produto é fornecido no local do posto de combustível e consumido em movimento, o que faz concluir tratar-se de uma comercialização com características de uma operação interna.

 

O Superior Tribunal de Justiça também analisou a questão através do Recurso Especial de nº 37.033/SP, onde funcionou como relator do acórdão o Ministro Ari Pargendler:

TRIBUTÁRIO. ICMS. OPERAÇÃO INTERESTADUAL. DESCARACTERIZAÇÃO. CLÁUSULA FOB. A cláusula FOB opera entre as partes, exonerando o vendedor da responsabilidade pela entrega da mercadoria ao destinatário, nada valendo perante o Fisco (CTN, art. 123), que só homologa o pagamento do ICMS pela alíquota interestadual se a mercadoria for entregue no estabelecimento do destinatário em outra unidade da operação; não é a nota fiscal que define uma operação como interestadual, mas a transferência física da mercadoria de um Estado para outro. Recurso especial conhecido e provido.

Do voto

...

É preciso que isso fique bem claro: o que define a operação interestadual não é a nota fiscal, mas a transferência física da mercadoria de um Estado para outro. À mingua da transferência, a operação é interna.

 

O próprio artigo 77-G do Anexo 6 do RICMS catarinense, em sua parte final, afirma, por via obliqua, que a operação de saída de peça nova em substituição à peça defeituosa, por ser uma "venda presencial", sempre será caracterizada como operação interna, ao determinar indistintamente a aplicação da alíquota interna nessas operações.  

 

Resposta

Pelo exposto, responda-se ao consulente que:

a. a saída de peça nova em substituição à defeituosa, em função de garantia concedida pela montadora/fabricante ao adquirente/consumidor final do veículo automotor, é caracterizada como operação de venda entre a concessionária e o proprietário do veículo, devendo indicar o CFOP 5.102 ou 5.405, conforme o caso;

b. as operações de ¿venda presencial¿ são caracterizadas como operações internas, não importando se os adquirentes dos bens são consumidores finais estabelecidos ou domiciliados em outra unidade federativa. 

 

É o parecer que submeto à elevada apreciação da Comissão Permanente de Assuntos Tributários. 



PAULO VINICIUS SAMPAIO
AFRE II - Matrícula: 9507191

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 11/06/2015.
A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

 

 

Nome                                                                                      Cargo

CARLOS ROBERTO MOLIM                                           Presidente COPAT

MARISE BEATRIZ KEMPA                                             Secretário(a) Executivo(a)