CONSULTA 79/2014

EMENTA: ICMS. CRÉDITO DO IMPOSTO. O TRANSPORTE DE VALORES CORRESPONDENTE ÀS VENDAS DE MERCADORIAS NO VAREJO, AINDA QUE TRIBUTADAS, NÃO ENSEJAM DIREITO A CRÉDITO POR CONSTITUIR PRESTAÇÃO POSTERIOR À OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR E, NO CASO, AO ENCERRAMENTO DO CICLO DE COMERCIALIZAÇÃO, COM A ENTREGA DA MERCADORIA AO CONSUMIDOR FINAL.

Disponibilizado na página da SEF em 01.08.14

 

Da Consulta

A consulente atua no comércio varejista de bens e equipamentos, mantendo, além de sua matriz, 111 estabelecimentos no Estado de Santa Catarina.

Informa que nas vendas a varejo, muitos de seus clientes pagam em espécie pela aquisição de mercadorias da consulente. Por esse motivo, a consulente contrata empresas especializadas no transporte de valores, para entrega nos estabelecimentos bancários. Entende que esse transporte representa um custo comercial diretamente relacionado à venda de mercadorias. Esse transporte, por sua vez, é submetido à incidência do ICMS - i.e. sobre o transporte dos numerários relativos às vendas, já submetidas à tributação pelo ICMS.

Posto isto, argumenta que a Constituição Federal, art. 155, § 2º, I,  dispõe que o imposto é não-cumulativo, compensando-se o imposto devido em cada operação ou prestação com o imposto cobrado por este ou outro Estado ou pelo Distrito Federal. Portanto, considerando que se trata de operação intermediária, entende a consulente que o ICMS destacado no documento relativo ao transporte de valores resulta da venda de mercadorias, devendo ser submetido ao "mesmo tratamento tributário dispensado à operação de saída das mercadorias que comercializa".

Acrescenta que o frete contratado relaciona-se diretamente com a atividade comercial da consulente e é apropriado ao custo das próprias mercadorias, nos mesmos moldes da Consulta 90/2013.

Por fim, formula consulta sobre a possibilidade de utilização do crédito relativo ao ICMS destacado nas operações de frete de transporte de valores, resultado da venda de mercadorias comercializadas pela consulente.


A informação fiscal atesta estarem presentes os requisitos de admissibilidade da consulta e, no mérito, traz à colação a resposta à Consulta 137/2011.

 

Legislação

Constituição Federal, art. 155, § 2º, I e XII, "c";

Lei 10.297/96, arts. 22 e 27;

RICMS-SC, aprovado pelo Decreto 2.870, de 27 de agosto de 2001, art. 29

 

Fundamentação

A dúvida da consulente pode ser dirimida ainda em sede de dispositivos constitucionais. A competência para instituir e cobrar o ICMS foi deferida aos Estados-membros e ao Distrito Federal pelo art. 155, II, da Constituição da República. O princípio da não-cumulatividade está enunciado no § 2º, I, do mesmo artigo, nos seguintes termos: o imposto "será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal".

O ICMS, pela sua própria definição, é um imposto que incide sobre operações de circulação de mercadorias e prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Uma operação relativa à circulação de mercadorias, leciona Hugo de Brito Machado (Aspectos Fundamentais do ICMS, 1997, p. 25), é uma operação que impulsiona a mercadoria desde a fonte da produção até o consumidor. Trata-se, portanto, de um fato gerador que tem direção e sentido.

"Operações relativas à mercadoria são quaisquer atos ou negócios, independentemente da natureza jurídica específica de cada um deles, que implicam na circulação de mercadorias, vale dizer, o impulso destas desde a produção até o consumo, dentro da atividade econômica, as leva da fonte produtora até o consumidor final".

Além disso, o imposto é não-cumulativo, ou seja, o imposto devido em cada fase (resultado do produto da base de cálculo pela alíquota) pode ser compensado (pago) com o imposto cobrado nas fases anteriores. Desse simples cálculo aritmético, resulta um saldo a ser pago em dinheiro (devedor) ou transferido para o período de apuração seguinte (credor).

Conforme Roque Antonio Carrazza (ICMS, 2000, p. 209), a Constituição, "ao aludir à compensação", consagrou a ideia que a quantia a ser desembolsada pelo contribuinte a título de ICMS é o resultado de uma subtração em que o minuendo é o montante do imposto devido e o subtraendo é o montante do imposto anteriormente cobrado". Desse modo, prossegue o mesmo autor, o "realizador da operação ou prestação tem o direito constitucional subjetivo de abater do montante de ICMS a recolher os valores cobrados (na acepção acima fixada), a esse título, nas operações ou prestações anteriores. O contribuinte, se for o caso, apenas recolhe, em dinheiro, aos cofres públicos a diferença resultante da operação matemática".

Ora o crédito pretendido pela requerente não corresponde a "fase anterior" da circulação da mercadoria. Pelo contrário, a mercadoria comercializada pela consulente já encerrou o seu ciclo de comercialização, uma vez entregue ao consumidor final. O transporte dos numerários pagos pelos seus clientes constitui evento posterior à ocorrência do fato gerador e não anterior. Portanto o transporte de valores não se insere na cadeia de comercialização, ou seja, os respectivos numerários não se caracterizam como mercadorias ou insumos que tenham sofrido tributação em fase anterior à venda ao consumidor final. Logo não há que se falar em crédito compensável com o débito correspondente a essa venda.

Por outro lado, a incidência do ICMS sobre o transporte ocorre apenas nas prestações que tenham início e fim em Municípios distintos. Se a prestação concluir-se no território do mesmo Município, a competência para tributar pertence aos Municípios. Somente haverá crédito, se houver incidência do tributo, ou seja, se o transporte de valores for interestadual ou intermunicipal.

Mas, em tema de ICMS, o crédito fiscal, como previsto no dispositivo mencionado da Constituição, decorre da incidência do imposto em etapas anteriores de comercialização da mesma mercadoria ou sobre os insumos utilizados em processo industrial. O constituinte incumbiu a lei complementar de disciplinar o regime de compensação do imposto, ou seja, quais créditos poderiam ser apropriados (art. 155, §2º, XII, c).

Inovando o ordenamento jurídico-tributário nacional, a Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996, adotou o regime de créditos financeiros, no lugar do regime de créditos físicos até então adotado. Com efeito, dispõe o seu art. 20 que "para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação".

Já o § 1º do mesmo artigo dispõe que "não dão direito a crédito as entradas de mercadorias ou utilização de serviços [...] que se refiram a mercadorias ou serviços alheios à atividade do estabelecimento".

Conforme Hugo de Brito Machado (op. cit. p. 131), o regime de créditos financeiros é aquele no qual todos os custos que vierem onerados pelo ICMS ensejam o crédito respectivo. "Sempre que a empresa suporta um custo, seja ele consubstanciado no preço de um serviço, ou de um bem, e quer seja ele destinado à revenda, à utilização como matéria-prima, produto intermediário, embalagem, acondicionamento, ou mesmo ao consumo ou à imobilização, o ônus do ICMS respectivo configura um crédito desse imposto".

Já o regime de crédito físico somente dava direito ao crédito as entradas de mercadorias, em se tratando de empresa comercial, e, no caso da empresa industrial, apenas dos bens que integrassem fisicamente ao produto (Idem, p. 140)

Entretanto, o legislador complementar, ao adotar o regime de créditos financeiros, implementou-o gradualmente: conforme disposto no art. 33 da Lei Complementar 87/1996, o direito ao crédito relativo a bens de uso ou consumo somente entra em vigor a partir de 1º de janeiro de 2020.

A Lei 10.297/1996, do Estado de Santa Catarina, faz remissão ao dispositivo referido no art. 103, IV.

No tocante à resposta desta Comissão, na Consulta 90/2013, o direito ao crédito foi reconhecido ao tomador do serviço, relativamente ao transporte de mercadorias remetidas para industrialização. Da fundamentação do parecer, destacamos a seguinte passagem:

"Quanto aos créditos relativos às aquisições de serviços de transporte, nas remessas de insumos para industrialização por encomenda, em que a consulente é a tomadora do serviço de transporte, a situação é análoga a do direito ao crédito relativo a serviço de transporte na aquisição de matérias-primas, pois resta íntegra  a ideia de custo de produção".

A situação da presente consulta é, portanto, inteiramente diversa da analisada por esta Comissão na Consulta 90/2013: a remessa para industrialização é operação que antecede a venda tributável, enquanto o transporte dos valores recebidos em pagamento das vendas é posterior ao fato tributável. Em outras palavras, dinheiro em espécie não constitui insumo utilizado na venda da mercadoria a consumidor final. 

 

Resposta

Posto isto, responda-se à consulente que:

a) o crédito do imposto corresponde ao imposto cobrado nas operações e prestações anteriores relativas à mesma mercadoria ou aos insumos utilizados na sua fabricação;

b) nem toda prestação de serviço de transporte é tributada pelo ICMS, mas apenas aquelas que tenham início em um Município e o término em outro;

b) o ICMS sobre o frete relativo ao transporte de valores não enseja crédito apropriável pelo contribuinte por representar fato posterior ao fato gerador do imposto e, no caso, posterior ao encerramento do ciclo de comercialização e dele desvinculado;

c) o legislador complementar optou pela implementação gradual do regime de créditos financeiros.

A consulente deverá adequar seus procedimentos à resposta desta consulta no prazo de trinta dias, contados de seu recebimento, a teor do art. 212, I, da Lei 3.938, de 26 de dezembro de 1966, ao final do qual, se for o caso, o crédito tributário respectivo poderá ser constituído e cobrado de ofício, acrescido de multa e de juros moratórios.

À superior consideração da Comissão.

VELOCINO PACHECO FILHO 
AFRE IV - Matrícula: 1842447

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 26/06/2014.
A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

 

Nome                                                                                            Cargo

CARLOS ROBERTO MOLIM                                                           Presidente COPAT

MARISE BEATRIZ KEMPA                                                             Secretário(a) Executivo(a)