CONSULTA 40/2014

EMENTA: ICMS. "DRAWBACK EMBARCAÇÃO". MODALIDADE NÃO RECONHECIDA PELA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA ESTADUAL. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO AMPLIATIVA DE DISPOSITIVO DA LEGISLAÇÃO QUE TRATA DE ISENÇÃO. DEVIDO O ICMS RELATIVO TANTO À VENDA DA EMBARCAÇÃO PARA O MERCADO INTERNO COMO AO DESEMBARAÇO ADUANEIRO DOS INSUMOS IMPORTADOS. PRÓ-EMPREGO. VEDADO RESPONDER CONSULTAS SOBRE LEI EM TESE.

Disponibilizado na página da PSEF em 14.03.14

Da Consulta

Noticia a consulente que tem como atividade econômica principal a pesquisa, desenvolvimento, produção, industrialização, comércio nacional e internacional de equipamentos de informática, tecnologia educacional, telefonia móvel e jogos eletrônicos.

Apesar disso, a consulta refere-se à importação "de insumos, matérias-primas e materiais intermediários" (sic) com desoneração tributária, na modalidade drawback embarcação, para utilização em processo de industrialização de embarcação destinada ao mercado interno.

Esclarece que, ao contrário da maioria das modalidades do regime de drawback, em que a exportação é a forma de liquidação do compromisso assumido perante o Decex (Departamento de Comércio Exterior), no drawback embarcação, a comprovação do ato concessório ocorre por meio da venda das embarcações no mercado nacional.

No entanto, em pesquisa no Regulamento do ICMS do Estado de Santa Catarina, constatou que as operações de drawback são contempladas nos seguintes termos:

Art. 46. Fica isenta a entrada de mercadoria importada sob o regime de drawback, em que a mercadoria seja empregada ou consumida no processo de industralização, beneficiada com suspensão dos impostos sobre Importação e sobre Produtos Industrializados e destinada a industrialização, cujo produto resultante seja exportado pelo próprio importador.

Assim, o objetivo da consulta é aclarar a possibilidade de isentar o ICMS de mercadoria importada com suspensão do imposto. Acha importante frisar que "a venda da embarcação no mercado interno, com base no regime especial em comento, é equiparada a operação de exportação perante o Decex".

Após minuciosa descrição da operação, cita a Portaria Secex 23/2011 e conclui sustentando que a comprovação de adimplemento do regime de drawback  pode ser substituída pelos documentos de venda da embarcação no mercado nacional, considerando a peculiaridade da operação do regime na modalidade embarcação e que a venda no mercado nacional é equiparada à exportação, conforme as normas federais.

Isto posto, requer manifestação desta Comissão sobre os seguintes pontos:

a) a venda de embarcações no mercado nacional, industrializadas a partir de insumos importados, sob o amparo do regime especial de drawback embarcação, podem ser equiparadas a exportações?

b) a isenção do ICMS prevista no art. 46 do Anexo 2 do RICMS-SC pode ser estendida para as importações amparadas pelo drawback embarcação?

c) caso não seja autorizada a importação na modalidade drawback embarcação, a consulente poderá usufruir do Regime Especial de ICMS, Pró-Emprego? Nesse sentido, como deverá ser informado no sistema da Fazenda Estadual o tratamento do ICMS?

A Gerência Regional manifestou-se sobre a admissibilidade da consulta.

Legislação

CF, art. 24, § 1º, art. 146, III, art. 155, §2º, XII, g;

Lei Complementar 24, de 7 de janeiro de 1975;

Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 111, II;

RICMS-SC, aprovado pelo Decreto 2.870, de 27 de agosto de 2001, Anexo 2, art. 46.

Fundamentação

Questiona a consulente sobre a interpretação ampliativa do art. 46 do Anexo 2 do RICMS-SC, para abrigar o drawback embarcação, modalidade que converte a suspensão do imposto devido no desembaraço aduaneiro em isenção na saída do produto final para o mercado interno.

Essa interpretação não é possível, pelas razões seguintes.

Em primeiro lugar, conforme regra do art. 111, II, do Código Tributário Nacional (CTN), as isenções (e demais exonerações tributárias) devem ser interpretadas literalmente - ou seja, restritivamente. A tributação constitui a regra geral, correspondente ao dever de todos de contribuir para o custeio do setor público. A isenção tributária - ou as exonerações de modo geral - constitui a exceção. Eis que as regras de direito excepcional devem ser interpretadas restritivamente, em seus estritos termos, conforme antiga regra de hermenêutica. Esse o sentido da "interpretação literal" a que se refere o CTN.

A isenção de tributo é matéria sob reserva legal. Dispõe o § 6º do art. 150 da Constituição Federal que qualquer subsídio ou isenção [...] só poderá ser concedido mediante lei específica [...] que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, g.

Reserva legal quer dizer que somente a lei, em sentido estrito, pode dispor sobre a matéria, o que exclui os decretos, regulamentos, portarias e quaisquer outros atos do Poder Executivo. No magistério de José Souto Maior Borges (Isenções Tributárias. 2ª ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1980, p. 41): "O poder de tributar envolve o poder de isentar. Por isso, a disciplina da isenção, no que se refere aos princípios fundamentais da igualdade e da generalidade, segue a mesma sorte da disciplina do tributo. Ambas estão sob a regência de idênticos princípios constitucionais".

O dispositivo constitucional citado remete para a disciplina dos convênios Confaz. Os Estados-membros são incompetentes para conceder unilateralmente isenção ou outro benefício, relativo ao ICMS. Isenções e demais benefícios fiscais dependem de prévia autorização dos demais Estados-membros, mediante convênio celebrado segundo rito previsto pela Lei Complementar 24/1975 (autonomia exonerativa colegiada). Na falta de convênio, não há que se cogitar de isenção de ICMS ou qualquer outro benefício.

Remansosa é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a impossibilidade da concessão, em tema de ICMS, de benefícios fiscais não autorizados por Convênio, bem como sobre a necessidade de lei em sentido estrito. Como exemplo, colacionamos a ADI 1.247/MC PA, Rel. Min. Celso de Mello, julgada em 17-8-95 (DJ 8-9-95, pp 28354; Ementa vol 1799-01, pp 20):

A celebração dos convênios interestaduais constitui pressuposto essencial à válida concessão, pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos ou benefícios fiscais em tema de ICMS. Esses convênios - enquanto instrumentos de exteriorização formal do prévio consenso institucional entre as unidades federadas investidas de competência tributária em matéria de ICMS - destinam-se a compor os conflitos de interesses que necessariamente resultariam, uma vez ausente essa deliberação intergovernamental, da concessão, pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos e benefícios fiscais pertinentes ao imposto em questão. O pacto federativo, sustentando-se na harmonia que deve presidir as relações institucionais entre as comunidades politicas que compõem o Estado Federal, legitima as restrições de ordem constitucional que afetam o exercício, pelos Estados-membros e Distrito Federal, de sua competência normativa em tema de exoneração tributaria pertinente ao ICMS. MATÉRIA TRIBUTARIA E DELEGAÇÃO LEGISLATIVA: A outorga de qualquer subsidio, isenção ou crédito presumido, a redução da base de calculo e a concessão de anistia ou remissão em matéria tributária só podem ser deferidas mediante lei especifica, sendo vedado ao Poder Legislativo conferir ao Chefe do Executivo a prerrogativa extraordinária de dispor, normativamente, sobre tais categorias temáticas, sob pena de ofensa ao postulado nuclear da separação de poderes e de transgressão ao princípio da reserva constitucional de competência legislativa. Precedente: ADIn 1.296-PE, Rel. Min. CELSO DE MELLO.

Mais recente, a Primeira Turma desse sodalício (AgR no RE 630.705 MT; Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, jul. 11-12-2012, DJe 028, div. 8-2-2013, Pub. 13-2-2013) confirmou o mesmo entendimento:

EMENTA: Agravo regimental no recurso extraordinário. ICMS. Benefício fiscal. Ausência de lei específica internalizando o convênio firmado pelo Confaz. Jurisprudência desta Corte reconhecendo a imprescindibilidade de lei em sentido formal para dispor sobre a matéria.

1. As razões deduzidas pela agravante equivocam-se quanto às razões de decidir do juízo monocrático. Não ficara assentada naquela decisão a impossibilidade de o convênio autorizar a manutenção dos créditos escriturais. O que se reconhecera fora a impossibilidade de o benefício fiscal ser implementado à margem da participação do Poder Legislativo.

2. Os convênios são autorizações para que o Estado possa implementar um benefício fiscal. Efetivar o beneplácito no ordenamento interno é mera faculdade, e não obrigação. A participação do Poder Legislativo legitima e confirma a intenção do Estado, além de manter hígido o postulado da separação de poderes concebido pelo constituinte originário.

3. Agravo regimental não provido.

A previsão do regime pela legislação federal ou a pretendida equiparação da saída da embarcação para o mercado interno à exportação não tem efeito sobre a legislação tributária estadual. Ela tem efeito tão-somente sobre os tributos federais.

A legislação federal, em matéria tributária, somente obriga os Estados-membros no caso de normas gerais de direito tributário, conforme dispõe o § 1º do art. 24 do texto constitucional. Além disso, tais normas gerais somente podem ser veiculadas por lei complementar, nos termos do art. 146, III, também da Constituição. Assim sendo, a referência a diplomas federais, principalmente infralegais, é totalmente descabida e impertinente.

Por fim, a questão levantada sobre os benefícios do Pró-Emprego constitui consulta distinta, sobre a qual esta Comissão fica impedida de se manifestar, a uma, por se tratar de consulta sobre lei em tese, a duas, por não identificar os dispositivos cuja aplicação pretende. A consulente deverá expor sua pretensão junto ao órgão desta Secretaria de Estado encarregado de gerir o Pró-Emprego.

Resposta

Posto isto, responda-se à consulente:

a) a legislação tributária do Estado de Santa Catarina não reconhece como "equiparadas" a exportações a venda de embarcações no mercado nacional, industrializadas a partir de insumos importados, sob o amparo do regime especial drawback embarcação;

b) por conseguinte, a isenção do ICMS, prevista no art. 46 do Anexo 2 do RICMS-SC restringe-se à exportação para o exterior do País do produto final da industrialização de insumos importados com suspensão do imposto estadual;

c) no caso da consulta, é devido o ICMS relativo às saídas para o mercado interno, bem como o devido por ocasião do desembaraço aduaneiro dos insumos importados;

d) fica prejudicada a indagação relativa ao Pró-Emprego, posto que é vedada a esta Comissão receber consulta sobre lei em tese.

A consulente deverá adequar seus procedimentos à resposta desta consulta no prazo de trinta dias, contados de seu recebimento, a teor do art. 212, I, da Lei 3.938, de 26 de dezembro de 1966, ao final do qual, se for o caso, o crédito tributário respectivo poderá ser constituído e cobrado de ofício, acrescido de multa e de juros moratórios.

À superior consideração da Comissão.

VELOCINO PACHECO FILHO

AFRE IV - Matrícula: 1842447

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 27/02/2014.

A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

Nome                                            Cargo

CARLOS ROBERTO MOLIM     Presidente COPAT

MARISE BEATRIZ KEMPA         Secretário(a) Executivo(a)