CONSULTA 21/2014

ICMS. NÃO SE SUBMETE AO REGIME DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA A OPERAÇÃO DESTINANDO MERCADORIA À EMPRESA DE CONSTRUÇÃO CIVIL, QUE A ADQUIRE DE CONTRIBUINTE ESTABELECIDO NOUTRO ESTADO, PARA EMPREGO COMO INSUMO NA EXECUÇÃO DE SUAS OBRAS. POR CONSEQUÊNCIA, NESTE CASO, O ADQUIRENTE NÃO ESTÁ OBRIGADO A RECOLHER O IMPOSTO CORRESPONDENTE AO DIFERENCIAL DE ALÍQUOTA. CONTUDO, SE FOR DADO DESTINO DIVERSO À MERCADORIA, CABERÁ AO ADQUIRENTE PROCEDER AO RECOLHIMENTO DO IMPOSTO DEVIDO A TÍTULO DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA, OBSERVADOS OS CRITÉRIOS LEGAIS.

Disponibilizado na página da PSEF em 21.02.14

Da Consulta

A Consulente é pessoa jurídica de Direito privado, devidamente inscrita no Cadastro de Contribuintes do ICMS, que exerce a atividade de construção de rodovias e ferrovias, extração e britamento de pedras e outros materiais para construção e beneficiamento.

Informa que adquire de empresas estabelecidas noutras unidades da Federação, materiais de construção e insumos para aplicação em suas obras.

Em razão disso apresenta os seguintes questionamentos:

a) Aplica-se a substituição tributária quando os materiais e insumos adquiridos destinam-se exclusivamente às obras executadas pela empresa adquirente?

b) Há necessidade de recolhimento do diferencial de alíquota, inclusive sob a sistemática de substituição tributária, quando os produtos e insumos adquiridos são utilizados exclusivamente em suas obras?

Informa ainda que a matéria objeto do pedido não está sujeita aos impedimentos do artigo 152-C do Regulamento das Normas Gerais de Direito Tributário - RNGDT/SC.

A consulta foi informada na GERFE de origem, conforme determina o artigo 152-B, § 2°, II, do RNGDT/SC, aprovado pelo Decreto nº 22.586, de 27 de junho de 1984, manifestando-se favoravelmente ao recebimento e análise do pedido em face do atendimento dos critérios de admissibilidade.

Legislação

Constituição da República Federativa do Brasil, artigos 150, §7º e 155, §2º, incisos VII e VIII.

Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, artigo 6º.

Lei nº 10.297, de 26 de dezembro de 1996, artigo 37, inciso II e §2º.

RICMS/SC, aprovado pelo Decreto 2.870, de 28 de agosto de 2001, Anexo 3, artigo 227.

 

Fundamentação

Para uma adequada compreensão da temática cabe preliminarmente conceituar contribuinte, avaliando esta categoria no contexto das empresas que desenvolvem a atividade de construção civil.

Na opinião de Amaro, adotando um conceito jurídico-formal, "é contribuinte aquele que a lei identificar como tal, observados os parâmetros que decorrem da Constituição e do próprio Código Tributário Nacional." Esclarece ainda o mesmo autor que para a sua configuração é imprescindível que participe do acontecimento fático, e que este esteja plenamente identificado com o respectivo fato gerador. (AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 302)

Disto se extrai que a sujeição passiva tributária direta (contribuinte) não se concretiza com a inscrição no Cadastro de Contribuintes, pois este é apenas um requisito formal exigido dos sujeitos passivos, mas se materializa quando há uma perfeita subsunção dos fatos ocorridos no plano concreto, com a situação prevista em lei que define objetivamente a hipótese de incidência (também denominada de fato gerador).

Portanto, para a caracterização da figura do contribuinte de um determinado tributo, é necessário que os atos praticados ou as situações em que participa diretamente, encontrem-se previstos na lei como fatos geradores, estabelecendo uma relação obrigacional deste para com o Estado.

A atividade desenvolvida por empresas de construção civil não se encontra circunscrita ao campo de incidência do ICMS, mas do ISS, conforme entendimento já pacificado pela doutrina e jurisprudência. Segundo a clara lição de Mello:

"As empresas de construção civil não são contribuintes do ICMS, salvo nas situações que produzam bens e com eles pratiquem atos de mercancia diferentes da sua real atividade, como a pura venda desses bens a terceiros; nunca quando adquirem mercadorias e as utilizam como insumos em suas obras. Há de se qualificar a construção civil como atividade de pertinência exclusiva a serviços, pelo que 'as pessoas (naturais ou jurídicas) que promoverem a sua execução sujeitar-se-ão exclusivamente à incidência de ISS, em razão de que quaisquer bens necessários a essa atividade (como máquinas, equipamentos, ativo fixo, materiais, peças, etc.) não devem ser tipificados como mercadorias sujeitas a tributo estadual."(MELLO, José Eduardo Soares. "Construção Civil - ISS ou ICMS?". Revista de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros, nº 69, p. 253, Malheiros).

A propósito, evidenciou-se no pedido que a Consulente é possuidora de inscrição estadual, embora informe que não realiza atividades que se encontram no âmbito de incidência do ICMS, o que pode ser comprovado pelos dados cadastrais e informações apresentadas à Secretaria de Estado da Fazenda. A inscrição estadual foi obtida ainda sob a vigência do § 1º, do artigo 1º, do Anexo 5, do Regulamento do ICMS, que conferia essa faculdade às pessoas físicas ou jurídicas não sujeitas, direta ou indiretamente, ao imposto, que mantivessem bens em estoque e necessitavam emitir documentos fiscais para transportá-los. Ocorre que esta previsão normativa foi revogada pelo Decreto nº 1.157, de 05/09/2012, com efeitos imediatos. Caso se configure esta situação, restou invalidada a inscrição estadual da Consulente no cadastro de contribuinte do ICMS.

A partir das considerações apresentadas é possível iniciar a análise dos questionamentos formulados no pedido de consulta.

A primeira pergunta relaciona-se à eventual aplicabilidade do regime de substituição tributária sobre as aquisições de materiais e insumos destinados exclusivamente às obras executadas pela empresa adquirente.

A substituição tributária está amparada no artigo 150, § 7°, da Constituição Federal, com a seguinte redação:

"§ 7.º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido."

A constitucionalização deste instituto, que vigora desde a edição do Código Tributário Nacional editado em 1966, tem por fundamento a operacionalização da arrecadação em bases simplificadas, considerando a redução do quantitativo de contribuintes sujeitos ao controle fiscal. No entender de Queiroz, são três os motivos determinantes da instituição da substituição tributária: a) a dificuldade em fiscalizar contribuintes extremamente pulverizados; b) a necessidade de evitar, mediante a concentração da fiscalização, a evasão ilícita; c) como medida adequada para agilizar a arrecadação e, consequentemente, acelerar a disponibilidade dos recursos. (QUEIROZ, Luís César Souza de. Sujeição passiva tributária. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 199)

A matéria foi regulada pela Lei Complementar 87/96, cujo artigo 6º e seu § 1ºestabelecem:

"Art. 6º Lei estadual poderá atribuir a contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que assumirá a condição de substituto tributário.

§ 1º A responsabilidade poderá ser atribuída em relação ao imposto incidente sobre uma ou mais operações ou prestações, sejam antecedentes, concomitantes ou subsequentes, inclusive ao valor decorrente da diferença entre alíquotas interna e interestadual nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, que seja contribuinte do imposto." (grifo nosso)

A questão trazida pela Consulente envolve a sistemática da substituição tributária denominada "para frente" que, no contexto do ICMS afigura-se apenas como um regime diferenciado de apuração do cálculo, apuração e recolhimento do imposto, com o objetivo de facilitar o seu controle na origem. Para a concretização deste modelo, a responsabilidade sobre a antecipação do recolhimento do imposto recai, por exemplo, sobre o fabricante, o atacadista ou o importador. Deste modo, não altera a estrutura lógica do sistema tributário.

No contexto da legislação tributária catarinense, a matéria vem disciplinada no Capítulo VI, da Lei nº 10.297 de 26/12/1996, destacando-se o artigo 37, inciso II, e seu § 2°, pela pertinência com a temática, que assim dispõem:

"Art. 37. Fica responsável pelo recolhimento do imposto devido, na condição de substituto tributário:

II - o estabelecimento que as houver produzido, o importador, o atacadista ou o distribuidor, conforme dispuser o regulamento, pelo imposto devido pelas saídas subsequentes das mercadorias relacionadas na Seção V do Anexo Único desta Lei, caso em que a substituição tributária será implementada, relativamente a cada mercadoria, por decreto do Chefe do Poder Executivo". (grifo nosso)

"§ 2° A substituição tributária referida no inciso II abrange:

I - o valor correspondente à diferença entre as alíquotas interna e interestadual nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado neste Estado, que seja contribuinte do imposto".

Especificamente em relação aos insumos adquiridos pela pela Consulente, a matéria está regulamentada na Seção XXXVI, que trata das operações com materiais de construção, acabamento, bricolagem ou adorno, em cujo artigo 227 estabelece:

"Art. 227. Nas operações internas e interestaduais destinadas a este Estado com materiais de construção, acabamento, bricolagem ou adorno relacionadas no Anexo 1, Seção XLIX, ficam responsáveis pelo recolhimento do imposto relativo às operações subseqüentes ou de entrada no estabelecimento destinatário para o ativo permanente ou para uso ou consumo:

I - o estabelecimento industrial fabricante ou importador;

II - qualquer outro estabelecimento, sito em outra unidade da Federação, nas operações com destinatários localizados neste Estado."

Das disposições indicadas é possível inferir que para a caracterização do regime de substituição tributária previsto na Seção XXXVI, do Anexo 3, do Regulamento do ICMS/SC, relativo às operações posteriores, é necessário a ocorrência de um evento subsequente que pode materializar-se por meio da comercialização das mercadorias adquiridas ou pela sua  imobilização, uso ou consumo, quando se tratarem de operações oriundas de outras unidades da Federação.

Neste modelo, tem-se a figura do substituto tributário, a quem a lei atribui o dever de recolher o imposto relativo às operações subsequentes àquela por ele praticada, e do substituído, que é aquele que promoverá o evento seguinte cujo recolhimento a legislação atribuiu ao substituto.

Tratando-se de operações com mercadorias que se destinam exclusivamente ao emprego como insumo, nas obras de construção civil executadas pelo adquirente, não há que se cogitar a possibilidade de submetê-las ao regime da substituição tributária, pois o destinatário se qualifica como consumidor final, não contribuinte do imposto. Em síntese, para esta situação em específico, não havendo operação seguinte, não há imposto a ser antecipado pelo contribuinte que figuraria como substituto.

A segunda pergunta, como uma continuação da anterior, diz respeito à eventual obrigatoriedade de ser recolhido o diferencial de alíquota, inclusive sob a sistemática de substituição tributária, relativo às operações interestaduais, quando os insumos adquiridos são utilizados exclusivamente na prestação de serviço, qualificada como "obras de construção civil" no item 7.02, da Lista de Serviços.

O diferencial de alíquota decorre da disposição constitucional expressa nos incisos VII e VIII, do §2º, do artigo 155:

"VII - em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:

a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;

b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;

VIII - na hipótese da alínea "a" do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual".

Denota-se que dois requisitos são necessários para que  mercadorias ou serviços fiquem sujeitos ao recolhimento do diferencial de alíquota: a) o destinatário deve ser contribuinte do imposto; b) as mercadorias ou serviços devem ser destinados a consumidor final que, no caso de pessoas jurídicas, se configura pela sua imobilização, uso ou consumo.

Considerando que, segundo a informação da Consulente, as mercadorias adquiridas configuram-se como insumos a serem empregados na execução de obras de construção civil sob sua responsabilidade, cuja prestação de serviço encontra-se albergada no campo de incidência do ISS, verifica-se que não são cumpridos nenhum dos dois requisitos extraídos do citado dispositivo constitucional. Em primeiro, porque o destinatário não é contribuinte do ICMS; em segundo, porque as mercadorias não se destinam a consumidor final, mas como insumo na prestação do serviço de execução de obras de construção civil.

A matéria já foi objeto de inúmeros julgamentos no Superior Tribunal de Justiça, resultando, inclusive, na edição da Súmula nº 432, dispondo que "as empresas de construção civil não estão obrigadas a pagar ICMS sobre mercadorias adquiridas como insumos em operações interestaduais."

O Supremo Tribunal Federal também se pronunciou em julgamento envolvendo exatamente a discussão acerca do dever de as empresas de construção civil recolherem o diferencial de alíquota, nas operações interestaduais:

"EMENTA: TRIBUTÁRIO. ICMS. AQUISIÇÃO DE MATERIAL. EMPRESA DA CONSTRUÇÃO CIVIL. EMPREGO EM OBRA. INSUMOS. DIFERENCIAL DE ALÍQUOTA. COBRANÇA. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. I - As empresas da construção civil - por serem, em regra, contribuintes do ISS - que adquirirem materiais em Estado com alíquotas de ICMS mais favoráveis, ao empregarem essas mercadorias como insumos em suas obras, não estão obrigadas a satisfazer a diferença da alíquota maior do Estado destinatário. Precedentes. II - Agravo regimental improvido." (STF. RE 559936, julgamento em 09/11/2010, Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Primeira Turma)

Por fim, é oportuno enfatizar que se às mercadorias adquiridas para emprego na execução de obras de construção civil for dado destino diverso, caberá ao sujeito passivo (responsável) recolher o imposto devido, seja a título de substituição tributária ou relativo à diferença entre a alíquota interna e a interestadual, quando devidos.

Resposta

 Isto posto, responda-se à Consulente que as operações em que uma empresa de construção civil adquire mercadoria de contribuinte estabelecido noutro Estado, para emprego como insumo na execução de suas obras, não está obrigado a recolher o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e interestadual. Por consequência, é inaplicável a submissão destas operações ao regime de substituição tributária. Contudo, se for dado destino diverso às mercadorias, caberá ao sujeito passivo (responsável) proceder ao recolhimento do imposto devido a título de substituição tributária ou relativo ao diferencial de alíquota, se devido, com os acréscimos legais.

JOACIR SEVEGNANI

AFRE IV - Matrícula: 1849336

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 30/01/2014.

A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

Nome          Cargo

CARLOS ROBERTO MOLIM Presidente COPAT

MARISE BEATRIZ KEMPA   Secretário(a) Executivo(a)