CONSULTA 15/2014

ICMS. NAS OPERAÇÕES MISTAS ENVOLVENDO A PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE CONSERTO DE MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS, COM EMPREGO DE PARTES E PEÇAS, SOBRE ESTAS INCIDIRÁ O ICMS, CONSOANTE A DISPOSIÇÃO EXPRESSA NO ITEM 14.01, DA LISTA DE SERVIÇOS DE QUE TRATA A LEI COMPLEMENTAR Nº 116/03. PARA ESTE FIM, O CONTRIBUINTE EMITIRÁ O DOCUMENTO FISCAL PRÓPRIO, CONSIGNANDO O CFOP RELATIVO À OPERAÇÃO DE VENDA DE MERCADORIAS.

Disponibilizado na página da PSEF em 21.02.14

Da Consulta

A Consulente exerce a atividade de comercialização de equipamentos odontológicos e prestação de serviços de conserto, sendo que este é realizado  no período de garantia ou fora dele e, por vezes, exige conjuntamente o emprego de peças.

Esclarece que enquanto nas situações em que o conserto é feito em garantia, não há cobrança do serviço e das peças substituídas, ao passo que se ocorrer fora do período de garantia é exigida uma contraprestação financeira.

Considerando que a assistência técnica é prestada in loco, entende a Consulente que se trata de prestação de serviço sujeita à incidência do ISS, prevista no item 14.02 da lista de serviços da Lei Complementar nº 116/2003.

Com base nesta situação fática questiona:

a) Há incidência de ICMS sobre as peças ou estas são insumos da prestação de serviço (ISS)?

b) como será o procedimento de envio de peças a serem substituídas, tanto em garantia, como fora do prazo de garantia?

c) Qual o CFOP a ser utilizado para as respectivas operações.

Informa ainda que a matéria objeto do pedido não está sujeita aos impedimentos do artigo 152-C do Regulamento das Normas Gerais de Direito Tributário - RNGDT/SC.

A consulta foi informada na GERFE de origem, conforme determina o artigo 152-B, § 2°, II, do RNGDT/SC, aprovado pelo Decreto nº 22.586, de 27 de junho de 1984, manifestando-se favoravelmente ao recebimento e análise do pedido em face do atendimento dos critérios de admissibilidade.

 

Legislação

Lei Complementar nº 116/2003, Lista de Serviços, item 14.02.

RICMS/SC, aprovado pelo Decreto 2.870, de 28 de agosto de 2001, Anexo 5, art. 32, inciso I e art. 50; Anexo 6, art. 77-G; Anexo 9, artigo 65.

 

Fundamentação

A Constituição Federal conferiu a competência aos Estados, para instituírem o ICMS, e aos Municípios para instituírem o ISS. Apesar da expressa definição dos seus contornos no âmbito constitucional, da regulação do ICMS pela Lei Complementar nº 87/96 e do ISS pela Lei Complementar nº 116/2003, muitas dúvidas ainda pairam sobre a fronteira que divide estes dois impostos.

Em razão disso, para se proceder ao deslinde da questão suscitada pela Consulente, cabe inicialmente desvelar o conceito de operação no contexto do ICMS e de prestação no campo do ISS.

No dizer de Aliomar Baleeiro, a operação é "todo negócio jurídico que transfere a mercadoria desde o produtor até o consumidor final" (BALEEIRO, Aliomar. Atualizado por Misabel de Abreu Machado Derzi. Direito  tributário brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 375). De modo diverso, como explica Misabel Derzi, na mesma obra, o termo "prestação" mantém estreita relação com os serviços, pois envolve uma obrigação de fazer, razão porque a doutrina adota a expressão "prestação de serviços". (DERZI, Misabel. In: Direito tributário brasileiro, p. 491) Nessa linha, as operações estão intrinsicamente relacionadas com mercadorias, enquanto as prestações, com serviços.

O termo "mercadoria", como explica Eduardo Sabbag "é a coisa que se constitui objeto de uma venda. O que caracteriza uma coisa como mercadoria é a destinação, uma vez que é coisa móvel com aptidão ao comércio" (Manual de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 942). Contudo, não é sobre mercadorias que o ICMS incide propriamente, mas sobre as operações de circulação de mercadorias. A expressão "circulação" evidencia que será a mudança de titularidade, efetuada mediante um negócio jurídico, que dará ensejo à incidência do ICMS.

Por sua vez, assevera Barreto que "é serviço a prestação de esforço humano a terceiros, com conteúdo econômico, em caráter negocial, sob regime de direito privado, tendente à obtenção de um bem material ou imaterial." (BARRETO, Aires Fernandino. ISS - Atividade-meio e serviço-fim. Revista de Direito Tributário, nº 5, fev. 1996, p. 78)

 Ao indicar uma delimitação entre o campo de incidência do ICMS com o do ISS, esclarece o mesmo autor que "diante de operação mercantil a coisa é objeto do contrato; sua entrega é a própria finalidade da operação. No caso de prestação de serviço a coisa é simples meio para a realização de um fim. A finalidade não é mais o fornecer ou entregar uma coisa, mas, diversamente, prestar um serviço, para o qual o emprego ou aplicação de coisas (materiais) é mero meio)". (BARRETO, Aires Fernandino. ISS na Constituição e na Lei. São Paulo: Dialética, 2005, p. 235)

Nesta senda, a doutrina construiu uma distinção clássica, levando em consideração se o negócio jurídico se aperfeiçoa por uma obrigação de dar ou de fazer. Esta demarcação parte do pressuposto que se a obrigação for de dar, o fato se encontra no âmbito do ICMS, ao passo que se o negócio se configurar por uma obrigação de fazer e que está prevista na Lista de Serviços da Lei Complementar nº 116/2003, o evento se conformará ao campo de incidência do ISS.

No caso em análise, a Lista de Serviços indica no item 14.02, a "assistência técnica", como uma prestação de serviço sujeita à incidência do ISS. Entretanto, trata-se de operação mista, em que se realiza  conjuntamente uma prestação de serviço com a entrega de mercadoria. Cabe assim avaliar também este aspecto para uma melhor compreensão da temática.

O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar matéria envolvendo o fornecimento de medicamentos manipulados por farmácias, fixou três critérios objetivos para definir o marco regulatório do ICMS em relação ao ISS:

"CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. DELIMITAÇÃO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA ENTRE ESTADOS E MUNICÍPIOS. ICMS E ISSQN. CRITÉRIOS. SERVIÇOS FARMACÊUTICOS. MANIPULAÇÃO DE MEDICAMENTOS. SERVIÇOS INCLUÍDOS NA LISTA ANEXA À LC 116/03. INCIDÊNCIA DE ISSQN. 1. Segundo decorre do sistema normativo específico (art. 155, II, § 2º, IX, b e 156, III da CF, art. 2º, IV da LC 87/96 e art. 1º, § 2º da LC 116/03), a delimitação dos campos de competência tributária entre Estados e Municípios, relativamente à incidência de ICMS e de ISSQN, está submetida aos seguintes critérios: (a) sobre operações de circulação de mercadoria e sobre serviços de transporte interestadual e internacional e de comunicações incide ICMS; (b) sobre operações de prestação de serviços, compreendidos na lista de que trata a LC 116/03, incide ISSQN; e (c) sobre operações mistas, assim entendidas as que agregam mercadorias e serviços, incide o ISSQN sempre que o serviço agregado estiver compreendido na lista de que trata a LC 116/03 e incide ICMS sempre que o serviço agregado não estiver previsto na referida lista." (REsp 881035 / RS, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, Data do Julgamento: 06/03/2008). (grifo nosso)

Denota-se que nas operações mistas, estando o serviço previsto na Lista de Serviços, o entendimento é de que se sujeitam ao ISS, salvo se houver expressa determinação legal, excluindo a incidência sobre as mercadorias empregadas.

Não é o caso do item 14.02, da Lista de Serviços, pois nele não há qualquer menção à exclusão das mercadorias da incidência do ISS. Mas pode ocorrer a aplicação de mercadoria na prestação de serviço de assistência técnica?

O termo "assistência técnica" é plurívoco, de modo que é adotado com sentidos diversos de acordo com a área do conhecimento. Em regra, é utilizado para designar o serviço de acompanhamento na execução de determinada atividade ou obra, visando garantir que se realize em conformidade com o estabelecido ou pactuado. São exemplos, dentre outros, a assistência técnica rural e a assistência técnica à realização de projetos.

A expressão é utilizada ainda como referência à estratégia de atendimento no processo de "pós venda" das empresas, como um sistema de fidelização de clientes, visando garantir-lhes soluções rápidas e eficazes em caso de problemas advindos do produto ou serviço adquiridos.

No âmbito da Lista de Serviços, embora não seja competência desta Comissão deliberar sobre a correta classificação das atividades desenvolvidas, faz-se necessário delimitar a sua amplitude, tendo em vista a sua implicação no ICMS.

Nestes termos, tem-se que a assistência técnica se configura como uma prestação de serviço puro, pois contempla aquelas atividades que envolvem um conhecimento especializado colocado à disposição de terceiros.

Não se confunde com a prestação de serviço de conserto constante do item 14.01 da referida Tabela. De acordo com o Dicionário Aurélio, conserto significa "ato de reparar máquina ou coisa, para que volte ao seu estado original de funcionamento ou para o estado a qual foi desenvolvida para tal."

Disto decorre que quando um produto apresenta defeito que exige sua reparação, não se está mais diante de um serviço de assistência técnica, mas de um conserto. A assistência técnica caracteriza-se como uma prestação de serviço pura, qualificada como obrigação de fazer, mas que antecede a eventual prestação de serviço de conserto.

São, portanto, dois serviços distintos que, por vezes, podem ocorrer segundo uma ordem lógica, qual seja, em primeiro, uma prestação de serviço de assistência técnica e, em segundo, uma prestação de serviço de conserto.

Denota-se que a Lista de Serviços cuidou de separá-las em itens específicos, da seguinte forma:

"14.01 - Lubrificação, limpeza, lustração, revisão, carga e recarga, conserto, restauração, blindagem, manutenção e conservação de máquinas, veículos, aparelhos, equipamentos, motores, elevadores ou de qualquer objeto (exceto peças e partes empregadas, que ficam sujeitas ao ICMS).

14.02 - Assistência técnica."

Partindo do pressuposto de que a lei não tem palavras ou disposições inúteis, é inequívoco que ao separá-los em itens distintos, a Lei manteve uma coerência com as características próprias que envolvem a prestação de cada um destes serviços.

Assim, a prestação de serviço de conserto está enquadrada no item 14.01, mas com expressa indicação de que as partes e peças empregadas ficam sujeitas ao ICMS. Tem-se então uma operação mista, em que a prestação de serviço fica sujeita ao ISS e a operação com mercadorias ao ICMS.

Esta é a linha adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, ao julgar matéria envolvendo o conserto de refrigeradores, com emprego de partes e peças, cuja ementa do Acordão estabelece:

"TRIBUTÁRIO. OPERAÇÕES MISTAS. ICMS. ISS. CRITÉRIOS DE INCIDÊNCIA. SERVIÇOS DE CONSERTO E MANUTENÇÃO DE REFRIGERADORES COM FORNECIMENTO DE PEÇAS EMPREGADAS. ITEM 14.1 DA LEI COMPLEMENTAR 116/2203. [...] 2. Trata-se de empresa de prestação de serviço de conserto e manutenção de refrigeradores com fornecimento das peças empregadas. 3. Hipótese prevista nos itens 69 do Decreto-Lei n. 406/68 e no item 14.1 da Lei Complementar n. 116/2003, com expressa exceção quanto ao fornecimento de peças, no qual incidirá ICMS. 4. Incidência de ISS sobre os serviços de conserto e manutenção de refrigeradores e de ICMS sobre o fornecimento de peças, desde que a base de cálculo do imposto sobre circulação de mercadorias seja o valor referente a estas, evitando-se a bitributação. (STJ, REsp 1239018/PR, Relator Humberto Martins, DJe 12/05/2011)"

Observe-se que neste caso se está diante de partes e peças que, por consequência, qualificam-se como mercadorias. O entendimento seria diverso se fossem utilizados insumos para a prestação do serviço, pois estes integram o resultado final, a exemplo da preparação de um medicamento, segundo o receituário médico apresentado pelo cliente.

Restando esclarecido que na prestação de serviço de conserto, as partes e peças, eventualmente empregadas, são submetidas à incidência do ICMS, insta avaliar ainda qual o procedimento a ser adotado nas operações de saída destas mercadorias, tanto quando se encontram no prazo de garantia, como fora dele.

A regra geral positivada no artigo 32, inciso I, do Anexo 5, do Regulamento do ICMS/SC prescreve que:

"Art. 32. Os estabelecimentos inscritos no CCICMS emitirão Nota Fiscal:

I - sempre que promoverem a saída de mercadoria".

No que concerne às operações com partes e peças substituídas em garantia, a matéria está regulada no artigo 77-G, do Anexo 6, do RICMS/SC que assim dispõe:

"Art. 77-G. saída da peça nova em substituição à defeituosa deverá ser emitida Nota Fiscal indicando como destinatário o proprietário do veículo ou da mercadoria, com destaque do imposto quando devido, cuja base de cálculo será o preço cobrado do fabricante pela peça e a alíquota será a aplicável às operações internas."

Vale lembrar ainda que em sendo o destinatário pessoa natural ou jurídica não contribuinte do ICMS, o remetente poderá emitir cupom fiscal ou nota fiscal de venda a consumidor, conforme preceitua o artigo 50 do Anexo 5, do RICMS/SC, observando os requisitos formais atinentes à matéria:

"Art. 50. Nas operações em que o adquirente seja pessoa natural ou jurídica não contribuinte do ICMS, será emitido Cupom Fiscal, Nota Fiscal de Venda a Consumidor ou Cupom Fiscal Eletrônico (CF-e-ECF) por equipamento de uso fiscal autorizado nos termos dos Anexos 8 e 9, observado o disposto nos arts. 145 a 149."

A título elucidativo, ressalta-se que é permitido o uso do cupom fiscal para acobertar o transporte das mercadorias até o local da entrega, de acordo como o que prescreve o artigo 65, do Anexo 9, do RICMS/SC:

"Art. 65. É permitido o transporte acobertado por Cupom Fiscal de mercadoria para entrega em território catarinense, caso em que o Cupom Fiscal deverá conter, impressas pelo próprio equipamento, em local próprio, sem prejuízo dos demais requisitos:

I - o nome do adquirente, o seu número de inscrição no CNPJ ou CPF e o endereço da entrega.

II - a data e hora da saída;

III - a placa do veículo transportador".

Responde-se assim à segunda pergunta de que nas operações mistas, o envio de peças deve ser realizado mediante a emissão da nota fiscal ou cupom fiscal, observando os critérios específicos relativos à remessa de partes e peças em garantia, e as demais disposições da legislação tributária.

No tocante ao CFOP a ser utilizado nos documentos fiscais que documentarem as operações de envio das partes e peças até o local do cliente, salienta-se que deve ser observada a codificação adotada para as vendas normais de mercadorias. Se a situação enquadrar-se rigorosamente como venda de mercadorias adquiridas ou recebidas de terceiros para comercialização, a cliente localizado em território catarinense, a Consulente deverá utilizar o CFOP 5.102.

 

Resposta

Isto posto, responda-se à Consulente que nas operações mistas,  envolvendo a prestação de serviço de conserto de máquinas e equipamentos, com emprego de partes e peças, sobre estas incidirá o ICMS, consoante a disposição expressa no item 14.01, da Lista de Serviços de que trata a Lei Complementar nº 116/03. Para este fim, o contribuinte emitirá o documento fiscal próprio, consignando o CFOP relativo à operação de venda de mercadorias.

JOACIR SEVEGNANI

AFRE IV - Matrícula: 1849336

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 30/01/2014.

A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

Nome          Cargo

CARLOS ROBERTO MOLIM Presidente COPAT

MARISE BEATRIZ KEMPA               Secretário(a) Executivo(a)