CONSULTA                    058/2012      

EMENTA:         ITCMD. MUTUA. PREVIDENCIA COMPLEMENTAR. ISENÇÃO DIDÁTICA. INCIDÊNCIA DO IOF, DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO.

1. A instituição de mútua ou de qualquer outra instituição de previdência privada não está compreendida na competência desta Comissão;

2. Não incide ITCMD sobre contratos sinalagmáticos, mesmo que em benefício de terceira pessoa, diversa dos contratantes; e

3. A doação decorre de manifestação unilateral da vontade, em que uma pessoa, por liberalidade, transfere bens ou vantagens de seu patrimônio para o de outra, o que não se verifica na mútua ou no pecúlio por morte (CC, art. 538).

Disponibilizado na página da SEF em 03.10.12

01 - DA CONSULTA

                   O interessado descreve a seguinte situação:

                   “Uma associação de colegas profissionais, sem fins lucrativos, tem previsto em seu estatuto o instituto da ‘mútua’, assemelhado ao instituto do ‘pecúlio por morte’, nos seguintes termos: quando da morte de um de seus membros, cada associado contribui pontualmente à associação um valor fixo de seu patrimônio financeiro, a fim de que seja repassado pela pessoa jurídica da associação o total recolhido ao herdeiro do falecido, como uma ajuda solidária extraordinária”.

                   Cita o art. 10, II, da Lei 13.136, de 25 de novembro de 2004, que isenta o beneficiário de “pecúlio por morte” da incidência do ITCMD.

                   Formula, a seguir, os seguintes quesitos a esta Comissão:

                   “a) pode a ‘mútua’ ser equiparada ao ‘pecúlio por morte’, e conseqüentemente, alterada sua denominação?

                   b) como deve ser declarada pela pessoa jurídica da associação, a entrada das contribuições pontuais pelos associados e a posterior saída do montante recolhido ao(s) beneficiário(s) do de cujus, a título de ‘mútua’?”

                   A autoridade fiscal, em suas informações de estilo, opina pelo não recebimento da consulta, pelos motivos seguintes:

                   a) a consulta não foi formulada por contribuinte e, portanto, não tem legitimidade, nos termos da Portaria SEF 226/2001, art. 6º, § 2º, II, a; e

                   b) cuida-se de consulta em tese, vedada pelo art. 4º, § 1º da mesma Portaria.

 

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

                   Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966, arts. 63, III, e 111, II;

                   Lei 13.136, de 25 de novembro de 2004, arts. 2º, 5º, 7º e 10;

                   Lei 3.938, de 26 de dezembro de 1966, arts. 209 e 213, II.   

 

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

                   Inicialmente devemos abordar as preliminares de admissibilidade da consulta, suscitadas pela autoridade fiscal informante: ilegitimidade do consulente e consulta em tese.

                   A teor do disposto no art. 209 da Lei 3.938/1966, são partes legítimas para formular consulta (i) o sujeito passivo e (ii) as entidades representativas de categorias econômicas, ficando, neste último caso, a consulta restrita a matéria de interesse comum de seus representados.

                   Ora, o contribuinte do ITCMD, nos termos do art. 5º, I, da Lei 13.136, de 25 de novembro de 2004, é o herdeiro, o legatário, o fiduciário ou o fideicomissário, no caso de transmissão causa mortis. Isto quer dizer que qualquer um pode vir a ser contribuinte do ITCMD, na medida que qualquer um pode vir a ser herdeiro, legatário, fiduciário ou fideicomissário. Em outras palavras, todos são potencialmente contribuintes do ITCMD. Com isso, fica justificada a legitimidade de qualquer um para formular consulta sobre a incidência do imposto de transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens e direitos.

                   No tocante à consulta em tese, Kelly Magalhães Faleiro (Procedimento de Consulta Fiscal. São Paulo: Noeses, 2005, p. 42) adota como pressupostos da consulta, o enunciado prescritivo (texto legal), o fato e a dúvida. O fato “é a descrição de uma situação de interesse do consulente que enseja dúvida”, podendo ser “uma situação já ocorrida, ou de ocorrência certa ou possível; basta que ela seja determinada, isto é, descrita de maneira a permitir a sua exata identificação”. Quando a este último aspecto, prossegue a mesma autora (p. 44):

                   “Na oportunidade de apresentação da consulta ainda não houve a incidência da norma, justamente porque a situação ainda não se realizou. Mas quando a situação se realizar, a legislação consultada deve ser apta a produzir efeitos”.

                   “.....”

                   “O consulente que formula uma consulta descrevendo um fato de possível ocorrência pode vir a não realizá-lo; a consulta pode servir justamente para que ele analise a conveniência de realizar ou não determinada operação”.

                   Por sua vez, Antonio da Silva Cabral (Processo Administrativo Fiscal. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 493), “o importante não é o que as palavras significam e sim qual a dúvida que determinada norma provoca ao ser aplicada a determinada situação”. Já Hugo de Brito Machado Segundo (Processo Tributário. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 215) enfatiza que a consulta “está sempre relacionada ao significado de uma norma à luz de uma situação de fato. A dúvida que o consulente deseja sanar, em última análise, está relacionada com a incidência de normas determinadas, e com os efeitos dessa incidência (direito subjetivo)”.

                   No caso em tela, trata a consulta da abrangência da isenção prevista no art. 10, II, da Lei 13.136/2004 em uma situação específica, de possível ocorrência, qual seja: a instituição de mútua. Pode interessar ao consulente – e esse interesse é legítimo – conhecer o entendimento da Administração Tributária catarinense, para julgar da viabilidade de instituição da mútua.

                   A esse propósito, leciona Ruy Barbosa Nogueira (Consulta e Direito Autorizado. In: Direito Tributário Atual n° 6, São Paulo: Resenha Tributária, 1986, p. 1545) que “o contribuinte, antes de praticar o fato ou transação, se dirige à autoridade especificamente competente, dando-lhe ciência prévia do fato e comunicando-lhe sua intenção de praticá-lo, pede “autorização” antecipada para realizá-lo somente se ela autoridade, operando a subsunção do fato às normas, isto é, operando a interpretação e sobretudo a aplicação da lei”.

                   O instituto da consulta radica em sede constitucional, tendo seu fundamento no direito de petição, previsto no art. 5º, XXXIV, a, “em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”. Trata-se, portanto, de uma garantia do contribuinte que não lhe deve ser negada levianamente. Sendo possível a resposta, a consulta deve ser respondida. A esse propósito, Paulo Bonavides (Curso de Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 602), comentando as teses de Kirchohof sobre a interpretação dos direitos fundamentais – entre os quais está o direito de petição – diz que se trata de “direitos que se defrontam com o Estado, com a coletividade pública, com o poder constituído. Formam ao mesmo passo um dique da liberdade, um limite e barreira ao arbítrio do Estado”. A seu turno, assevera José Souto Maior Borges (Sobre a preclusão da faculdade de rever resposta pró-contribuinte em consulta fiscal e descabimento de recurso pela administração fiscal. RDDT 154: 76-91):

                   “A atribuição expressa de competência para peticionar (gênero constitucional) inclui a competência implícita para consultar (espécie infraconstitucional). A consulta fiscal é um dos modos pelos quais o direito de petição se manifesta.

                   “...”

                   “A consulta pode originar-se de diversos pressupostos, tais como: (a) prevenção de uma lesão a direitos do contribuinte, ou (b) uma situação fiscal pré-contenciosa, que se pretenda de antemão pacificar, ou (c) um estado de incerteza quer sobre conduta a ser adotada pelo fisco, quer sobre alternativa de interpretação sustentada pelo contribuinte etc”.

                   No tocante à matéria consultada, devemos, antes de mais nada, precisar o sentido do vocábulo “mútua” (fem. de mútuo (do verbo “mutuar”) = recíproco; ≠ contrato de mútuo) que indica uma seguradora, uma caixa de assistência ou ainda uma sociedade de socorros mútuos. Como exemplo emblemático, podemos citar a mútua dos profissionais do CREA, instituída pelo art. 12 da Lei 6.496, de 7 de dezembro de 1977.

                   Entre outros benefícios, a mútua poderá instituir um pecúlio por morte, obedecida a legislação de regência. Com efeito, o art. 6º da Lei Complementar 109, de 29 de maio de 2001, que dispõe sobre o regime de previdência complementar – onde se inserem as mútuas – dispõe que “somente poderão instituir e operar planos de benefícios para os quais tenham autorização específica, segundo as normas aprovadas pelo órgão regulador e fiscalizador”.

                   A instituição da mútua, por não se tratar de matéria tributária, não poderá ser dirimida por esta Comissão, devendo o consulente dirigir-se aos órgãos reguladores de planos de previdência privada ou de seguros.

                   No tocante à incidência tributária, o pecúlio por morte se sujeita ao IOF, de competência da União (CF, art. 153, III), regendo-se pelo disposto no art. 63, III, do CTN e pela Lei 5.143, de 20 de outubro de 1966.

                   Tanto a mútua como o pecúlio por morte não caracterizam doação, por não decorrerem de manifestação unilateral da vontade. Com efeito, o art. 538 do Código Civil conceitua doação como “o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”. Pelo contrário, o pecúlio por morte decorre de contrato sinalagmático, em que o beneficiário é terceira pessoa, que não os contratantes. Cuida-se, portanto, de hipótese de não incidência do ITCMD, por falta de subsunção entre o fato jurídico e a descrição hipotética contida no descritor da respectiva regra-matriz de incidência, a despeito do disposto no art. 10, II, da Lei 13.136/2004.

                   Posto isto, responda-se à consulente:

                   a) a instituição de mútua ou de qualquer outra instituição de previdência privada não está compreendida na competência desta Comissão; e

                   b) a mútua submete-se à incidência do IOF, não estando compreendida no campo de incidência do ITCMD.

À superior consideração da Comissão.      

                   Copat, em Florianópolis, 5 de setembro de 2012.

 

Velocino Pacheco Filho

AFRE – matr. 184244-7

 

                   De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 20 de setembro de 2012.

                   A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984,  ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

 

     Marise Beatriz Kempa                                                             Carlos Roberto Molim

       Secretária Executiva                                                                 Presidente da Copat