CONSULTA Nº 043/2011

EMENTA: PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO. A CONSULTA RELATIVA À MATÉRIA QUE SEJA OBJETO DE MEDIDA DE FISCALIZAÇÃO, FORMALMENTE JÁ INICIADA, SOB A MODALIDADE DE ACOMPANHAMENTO, DESCARACTERIZA O PEDIDO E IMPEDE A ANALISE DO MÉRITO. ENTRETANTO, A FALTA DE PROVA DE CIENTIFICAÇÃO DO ACOMPANHAMENTO FISCAL, SEM OBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES PREVISTAS NA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA, IMPÕE-SE QUE SE ANALISE O MÉRITO DA CONSULTA, RESTABELECIDOS OS EFEITOS PRÓPRIOS DO INSTITUTO.

ICMS. É LEGITIMA A APROPRIAÇÃO DE OUTROS CRÉDITOS DECORRENTES DE ENTRADAS DE BENS, MERCADORIAS E SERVIÇOS, CONCOMITANTEMENTE COM OS CRÉDITOS PRESUMIDOS AUTORIZADOS À EMPRESA DETENTORA DE REGIME ESPECIAL, COM BASE NO INCISO IX, DO ARTIGO 15, DO ANEXO 2  E INCISO III, DO ARTIGO 10, DO ANEXO 3, DO RICMS/SC.

DOE de 17.06.11

01 - DA CONSULTA

A Consulente, devidamente qualificada nos autos, inconformada com a resposta exarada na Consulta 08/2011, apresenta Pedido de Reconsideração, no prazo legal, com fundamento no inciso II, do artigo 152-F, do Regulamento das Normas Gerais de Direito Tributário, doravante denominado RNGDT/SC, pleiteando a reforma daquele parecer, sob a alegação de que identificou fato novo não analisado na decisão anterior.

Informa que exerce, como atividade principal, o comércio atacadista de produtos alimentícios em geral e é detentora de regime especial de tributação, autorizando a importação de mercadorias com diferimento do ICMS e, respectivamente, a apropriação de crédito presumido por ocasião das saídas subseqüentes para comercialização, com base no artigo 10, do Anexo 3 e artigo 15, inciso IX, do Anexo 2, ambos do Regulamento do ICMS/SC.

Requer novamente manifestação acerca da possibilidade de, cumulativamente com este benefício, apropriar outros créditos de ICMS decorrentes da entradas de bens, mercadorias e serviços no estabelecimento. Destaca que o pedido se funda na inexistência de vedação na Legislação Tributária do Estado de Santa Catarina, para utilizar os referidos créditos na conta gráfica a título de abatimento do valor dos débitos relativos às operações de saídas.

A consulta havia sido informada anteriormente pela GERFE de origem, conforme determina o artigo 152-B, § 2°, II, do RNGDT/SC, aprovado pelo Decreto nº 22.586, de 27 de junho de 1984. A autoridade fiscal informou, naquela ocasião, que a Consulente era empresa que estava submetida à ação fiscal de acompanhamento, pelo Grupo Especialista Setorial – GES, por ter sido constatada irregularidade na escrita fiscal. Como o objeto da consulta referia-se à mesma matéria da ação fiscal, manifestou-se pelo não acatamento do pedido.

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

RICMS/SC, aprovado pelo Decreto 2.870, de 28 de agosto de 2001, Anexo 2, artigo 15, inciso IX e Anexo 3, artigo 10.

Lei 3.938, de 26/12/66, artigo 111-A.

Regulamento das Normas Gerais de Direito Tributário – RNGDT/SC, artigo 152-C e 152-D.

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

Partindo do pressuposto de que o contraditório e a ampla defesa são princípios inerentes à própria natureza do Estado Democrático de Direito, o pedido de reconsideração de ato administrativo é direito com foro constitucional, assegurado ainda no artigo 24, da Lei Complementar Estadual 313/05, que disciplina os direitos e deveres dos contribuintes.

O RNGDT/SC, em seu artigo 152F, inciso II, assegura, dentre outras possibilidades, o direito ao exercício de pedido de reconsideração quando “for apresentado fato novo, suscetível de modificar a resposta”.

O mesmo diploma legal dispõe no artigo 152B, §2º, inciso II, alínea “c” e “d”, que o Gerente Regional da Fazenda Estadual ou servidor por ele designado, abordará “qualquer circunstância factual relativa à matéria consultada de que tenha conhecimento, não mencionada pela consulente; e outras informações que julgue pertinente”.

Nas suas considerações, a consulente apresenta como fato novo a alegação de que não foi cientificada de ação fiscal de monitoramento e sequer de ação fiscal de acompanhamento. A autoridade fiscal, na informação, declarou nos autos (fls. 63) que a consulente estava sob ação fiscal de monitoramento e, posteriormente, de acompanhamento, com o propósito de obter a regularização do imposto devido, em face da constatação de irregularidade. Diante da situação, manifestou-se pelo não acatamento da consulta, por entender que estava submetida à medida de fiscalização.

A questão se coloca então no plano de uma aparente contradição que envolve, de um lado, o direito do Fisco de iniciar o procedimento de constituição do crédito tributário e, de outro, da consulente, de receber resposta conclusiva da sua consulta.

Embora a consulta seja um instituto posto a disposição dos contribuintes para sanar dúvidas acerca da interpretação das normas tributárias, neste caso, tem-se um problema que antecede a própria dúvida da consulente e que exige ser dimensionado e equacionado. Deste modo, para o deslinde da questão, opta-se por dividir o problema em duas partes.

Na primeira, serão abordadas com certa profundidade as novas modalidades de fiscalização, para compreender-lhes os aspectos conceituais e formais, e qual o limite temporal para o contribuinte exercer o direito à espontaneidade e à consulta. Na segunda, se afastada a argüição de inadmissibilidade, tratar-se-á de responder objetivamente à consulente se lhe assiste direito à utilização de outros créditos quando realizar as operações previstas no inciso IX, do artigo 15, do Anexo 2, do RICMS/SC.

Inicia-se a primeira parte pela identificação do significado do termo “fiscalizar” que, segundo o Dicionário Aurélio, tem o sentido de “vigiar, [...] submeter a atenta vigilância, [...] exercer o ofício de fiscal”. No Direito Tributário, por muito tempo, a ação de fiscalizar foi interpretada restritivamente, para circunscrever-se apenas ao ato de constituir o crédito tributário pelo Fisco, mediante aplicação de multa e exigência do tributo, quando devido.

Em Santa Catarina, as ações fiscais eram essencialmente de caráter punitivo e se restringiam à constituição do crédito tributário pela autoridade fiscal, quando identificadas irregularidades de natureza tributária, com fundamento no artigo 142 do Código Tributário Nacional. Não havia a possibilidade de o contribuinte ser instado a sanear irregularidades, com multa diferenciada, após o início de medida de fiscalização. Por conseqüência, ao Fisco competia agir nos estritos limites da norma legal, não lhe sendo permitido autorizar o cumprimento da obrigação tributária, depois de constatado formalmente  infração à legislação tributária.

Hodiernamente, a ação de fiscalizar denota uma amplitude que transcende à concepção meramente punitiva, para considerar também ações fiscais preventivas, em razão de uma mudança de paradigma, fundada em lei.

No contexto da Legislação Tributária estadual, a abrangência deste instituto pode ser compreendida através da apreciação das normas estabelecidas na Lei 3.938, de 26/12/66, no Título IV, em seu Capítulo I, sob a designação, “Fiscalização”.  Neste Capítulo, merece destaque a instituição de novas sistemáticas de atuação fiscal, ampliando as  medidas de fiscalização para contemplar, além do usual procedimento de constituição do crédito tributário, as modalidades de monitoramento e de acompanhamento.

A inclusão destas modalidades no referido Capítulo teve o propósito de qualificá-las como novas medidas de fiscalização. Esta estruturação está de acordo com as disposições da Lei Complementar nº 95/98, que disciplina a técnica de elaboração das normas jurídicas. Da análise do artigo 11, inciso III, alínea “c”, denota-se que a reunião de disposições comuns num determinado capítulo, visa dar-lhes coerência lógica, delimitando seu conteúdo. As medidas de fiscalização foram incorporadas ao Capítulo mediante a inclusão do artigo 111-A, através da Lei nº 14.967/09, definindo-as como ações auxiliares de fiscalização,  nos seguintes termos:

“§ 1º Considera-se ação auxiliar:

I - de monitoramento a observação e a avaliação do comportamento fiscal-tributário do sujeito passivo, mediante controle corrente do cumprimento de obrigações a partir da análise de dados econômico-fiscais apresentados ao Fisco, sem que haja solicitação de novas informações; e

II - de acompanhamento a observação e a avaliação do comportamento fiscal-tributário do sujeito passivo, mediante controle corrente do cumprimento de obrigações a partir da análise de informações solicitadas pelo Fisco para esse fim ou obtidas mediante visitação in loco, verificação de documentos e registros por amostragem, levantamento de indícios ou processamento e análise de dados e indicadores.”

Estabelecendo uma ordem lógica, no monitoramento a autoridade procede à análise preliminar de informações, com o propósito de certificar a regularidade das obrigações tributárias. Se encontrados indícios de descumprimento da legislação tributária, a ação é convertida em acompanhamento. Nesta fase, ocorrendo a comprovação da prática de infração, é facultado ao sujeito passivo a regularização da obrigação tributária, sujeitando-se apenas à multa de caráter moratório, se for o caso. Por fim, se não ocorrer o cumprimento da obrigação, o Fisco dá início ao procedimento de constituição do crédito tributário.

O que distingue fundamentalmente as duas novas modalidades é que enquanto no monitoramento o Fisco utiliza somente dados disponíveis em seus arquivos, no acompanhamento, inclui-se a análise de informações e documentos requisitados de ofício ao contribuinte. Deste modo, em regra, o monitoramento é realizado sem o conhecimento do sujeito passivo, ao passo que o acompanhamento exige, necessariamente, a ciência do contribuinte acerca das verificações fiscais que serão realizadas e das irregularidades eventualmente encontradas posteriormente.

Destarte, a expressão “fiscalização” contempla atualmente os procedimentos de monitoramento, de acompanhamento e de constituição do crédito tributário.

Em razão disso, a Portaria SEF nº 120/2007, de 10/08/2007, que foi editada  pelo Secretário de Estado da Fazenda a fim de regulamentar o planejamento e execução das ações fiscais conforme determinado pelo art. 69-A do RICMS/SC, ao dispor nos artigos 5º e 6º sobre a execução dos procedimentos fiscais planejados, manteve esta ordem lógica.  Estabeleceu que a formalização das medidas de fiscalização deve ocorrer mediante a emissão de termo (em aplicativo próprio) denominado, ORDEM DE FISCALIZAÇÃO – OF, que compreende as ações de monitoramento, acompanhamento ou destinadas à constituição do crédito tributário de contribuintes.

“Art. 5º - Os procedimentos fiscais decorrentes do planejamento das atividades de fiscalização serão formalizados pela Ordem de Fiscalização - OF ou pela Ordem de Serviço - OS, aplicativos disponibilizados no módulo Fiscalização do Sistema de Administração Tributária da Secretaria de Estado da Fazenda - S@T.

Art. 6º - A OF será emitida nos seguintes casos:

I – ações auxiliares de monitoramento;

II – ações auxiliares de acompanhamento;

III – ações de fiscalização destinadas a constituição de crédito tributário, sempre que o procedimento fiscal contemplar mais de um estabelecimento de sujeito passivo;

IV – quaisquer ações de fiscalização, quando realizadas no âmbito dos Grupos Especialistas Setoriais.”

Todavia, como se inferiu, o sujeito passivo apenas é cientificado das medidas de fiscalização, quando submetido à ação fiscal de acompanhamento ou de constituição do crédito tributário. É que estas modalidades demandam o conhecimento do contribuinte sobre os procedimentos a que está sendo submetido e o cumprimento das exigências legais que deve atender, como, a prestação de informações e entrega de livros e documentos ao Fisco.

Portanto, evidencia-se que na fase de monitoramento, embora o ato deva ser formalizado pela autoridade fiscal, para fins de controle e segurança jurídica, o sujeito passivo não tem conhecimento da ação fiscal. Disto decorre que nesta fase não pode haver impedimento à utilização do instituto da consulta para dirimir dúvida acerca da aplicação da Legislação Tributária.

Por outro lado, a questão se altera na fase de acompanhamento, porque há comunicação formal ao contribuinte, circunscrevendo as verificações que serão realizadas e  durante o procedimento, as irregularidades acaso encontradas e as medidas saneadoras que pode adotar, seguidas do pagamento do tributo e multa moratória, quando for o caso. Esta comunicação formal é precisamente o modelo oficial de acompanhamento denominado “Ação Auxiliar de Acompanhamento Setorial de Desempenho Fiscal”, conforme expressamente previsto no ATO DIAT nº 059/2007.

Se a autoridade fiscal que preside a ação fiscal de acompanhamento, identifica e informa a determinado sujeito passivo, conduta considerada irregular, o faz com base na interpretação oficial da Administração Tributária, uma vez que deve agir nos estritos limites da legalidade. Por este prisma, a relação Fisco-contribuinte é idêntica àquela em que ocorre na constituição do crédito tributário, divergindo apenas quanto aos aspectos procedimentais e à multa aplicável, que se reduz a de caráter moratório.

Feitas estas considerações, diante das novas modalidades de fiscalização, cabe avaliar qual o limite temporal que permite ao contribuinte regularizar espontaneamente obrigações tributárias não cumpridas ou apresentar consulta sobre dúvida de interpretação de dispositivos da legislação tributária.

Já é largamente conhecida a delimitação estabelecida no artigo 138, do Código Tributário Nacional, estabelecendo que após o início de medida de fiscalização, encerra-se a fase da denúncia espontânea.

“Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.

Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.” (grifo nosso)

Na mesma linha, a Lei 3.938/66, que dispõe sobre normas gerais da legislação tributária estadual, estabelece em seu artigo 213, o impedimento de ser recebida consulta cuja matéria seja objeto de fiscalização já iniciada:

“Art. 213. Não será recebida consulta que verse sobre:

V - matéria que:

a) tenha motivado a lavratura de notificação fiscal contra o consulente; e

b) seja objeto de medida de fiscalização já iniciada.”

Em ambas as normas evidencia-se claramente que a delimitação do tempo só pode ser estabelecida por meio de ato administrativo formal e que dele tenha ciência o contribuinte, em atendimento ao disposto no inciso IV, do artigo 16, da Lei Complementar Estadual nº 313/05.

Para identificar o prazo limite que o contribuinte possui para exercer livremente o direito de regularizar eventual descumprimento de obrigação tributária ou apresentar consulta, é preciso estabelecer uma ordem lógica das modalidades de fiscalização.

Na fase de monitoramento, ainda que se trate de procedimento formal, é ato administrativo interno, não vinculando o contribuinte monitorado, porque não lhe é dado conhecimento, como se asseverou. Assim, nesta fase lhe é permitida a regularização espontânea das obrigações tributárias inadimplidas ou a apresentação de consulta relativa à matéria tributária.

Na fase de acompanhamento, ocorre a emissão de termo próprio para  dar  conhecimento ao contribuinte do início da medida de fiscalização e, se for o caso, requisitar informações e documentos necessários à averiguação dos indícios identificados no monitoramento. Aqui é oportuno ressaltar, a título elucidativo, que o § 2º, do artigo 111-A, da Lei 3.938/66, não dispensa a emissão do termo próprio para esta modalidade como pode aparentar a primeira vista. O dispositivo estabelece que:

“§ 2º Os procedimentos previstos no caput não se constituem em início de procedimento fiscal de constituição do crédito tributário, conforme art. 45, ficando dispensada a lavratura do termo a que se refere o art. 111.”

Trata-se de norma que precisa ser interpretada de forma integrada para não se extrair conclusão equivocada. Nela resta evidenciado o que já se inferiu, ou seja, as modalidades de monitoramento e acompanhamento não se confundem com a de constituição do crédito tributário. Por conseqüência, durante a fase de monitoramento ou de acompanhamento, fica dispensada a lavratura do termo com os efeitos de ação fiscal de constituição do crédito tributário.

Não se pode olvidar que os atos administrativos que impõem obrigações aos administrados devem necessariamente ser reduzidos a termo, deles devendo constar a motivação, o objeto e os fundamentos legais. A motivação diz respeito às razões determinantes do ato, a indicação do objeto visa delimitar o que faz parte do ato e a fundamentação é necessária para dar conhecimento ao destinatário da base legal que autoriza o agente público a adotar o ato.

Portanto, no momento em que é cientificado o contribuinte do início da medida de acompanhamento, cessa o direito à espontaneidade e, do mesmo modo, fica impedido o recebimento de consulta relativa à matéria que é objeto da ação fiscal. É que com o início da ação fiscal de acompanhamento, o sujeito passivo passa a colocar-se diante de um regramento jurídico distinto que para uma melhor avaliação será desdobrado em duas partes.

A primeira parte diz respeito à possibilidade de o Fisco autorizar formalmente o contribuinte a regularizar inconsistências relativas a obrigações tributárias não cumpridas, com a aplicação da multa de caráter moratório. É o que se depreende da interpretação do inciso II e  § 3º, do artigo 111-A , da Lei 3.938/66:

“Art. 111-A. A autoridade fiscal poderá:

II - orientar o sujeito passivo a tomar as providências necessárias para corrigir inconsistências no cumprimento de obrigação tributária, principal ou acessória, cujo indício tenha sido constatado no curso de ação auxiliar de acompanhamento. (grifo nosso)

§ 3º A regularização levada a efeito pelo sujeito passivo antes de eventual início de procedimento fiscal de constituição de crédito tributário, nos termos do art. 45, sujeita-se, quanto à multa, quando for o caso, somente àquela de caráter moratório prevista em lei.” (grifo nosso)

Esta prerrogativa não se confunde com o instituto da denúncia espontânea que, como se destacou, somente pode ocorrer antes de cientificado o início da medida de fiscalização. A equivocada sinonímia que por vezes é estabelecida entre a denúncia espontânea e a ação fiscal de acompanhamento se dá em razão de que neste, aplica-se também a multa de caráter moratório. Todavia, a distinção é inequívoca. Na denúncia espontânea, a ação se dá por livre decisão do contribuinte, enquanto que na fase de acompanhamento, o Fisco, com amparo na Lei, autoriza de ofício o contribuinte a regularizar as inconsistências fiscais.

A segunda parte diz respeito a quem compete apresentar a interpretação oficial acerca da legislação tributária, quando iniciada formalmente a ação fiscal de acompanhamento.

A resposta pode ser extraída do Código de Direitos e Deveres do Contribuinte (Lei Complementar 313/05) que em seu artigo 9º dispõe:

“A Administração Tributaria assegurará aos contribuintes o pleno acesso às informações acerca das normas tributárias e à interpretação que oficialmente lhes atribua.” (Grifo nosso)

A exigência visa afastar a obscuridade, garantir a segurança jurídica e fortalecer a confiança nas normas legais vigentes.

Neste caso, a competência para informar o contribuinte acerca da interpretação oficial da legislação tributária, em atendimento à exigência da LC 313/05, está contida na Portaria SEF nº 120, de 10/08/07, que disciplinou a organização e funcionamento dos GES:

“§ 3º - Cabe aos GES a promoção de instrumentos de fiscalização preventiva e de combate à sonegação tributária, devendo (...) incentivar o cumprimento voluntário das obrigações principais, através da disponibilização ao contribuinte de pleno acesso às informações acerca das normas tributárias e à interpretação que oficialmente lhes atribui a Administração Tributária, antes de iniciar ações de fiscalização para constituição de crédito tributário (art. 9º da Lei Complementar nº 313, de 22.12.05).” (Grifo nosso)

A conclusão que se extrai é de que nas ações fiscais realizadas pelos Grupos Especialistas Setoriais, compete-lhes informar aos contribuintes qual a interpretação oficial da Administração Tributária durante a fase de acompanhamento. Essa estruturação normativa de competências é extremamente coerente, porque evita que uma mesma matéria seja submetida, simultaneamente, à deliberação da Comissão Permanente de Assuntos Tributários – COPAT, sob a forma de consulta, e ao Tribunal Administrativo Tributário para julgamento do lançamento do crédito tributário.

Como se asseverou, a falta de regularização de inconsistências fiscais na fase de acompanhamento, implica no imediato início do procedimento de constituição do respectivo crédito tributário. Por conseguinte, se fosse permitir que na fase de acompanhamento o contribuinte pudesse exercer a capacidade postulatória da consulta, sobre fato circunscrito à medida de fiscalização, restaria comprometida a funcionalidade desta ordem lógica legalmente instituída. Esta é a razão para a vedação prevista nas alíneas “d” e “e”, do inciso III, do artigo 152C, do RNGDT/SC, que estabelece:

“Art. 152C.  Não será recebida ou analisada consulta que verse sobre:

III – matéria que:

d) tenha motivado a lavratura de notificação fiscal contra o consulente; ou

e) seja objeto de medida de fiscalização já iniciada;”

Desde modo, a vedação à consulta relativa à matéria que seja objeto de medida de fiscalização ou que tenha motivado a lavratura de notificação fiscal contra o consulente, tem por objetivo não submeter à análise da COPAT tema em que o contribuinte recebeu a interpretação oficial das autoridades fiscais durante a medida de fiscalização. A discordância em relação à interpretação do Fisco, utilizada para fundamentar a exigência fiscal, pode ser argüida administrativamente após a constituição do crédito tributário, em fase de reclamação ou recurso ao Tribunal Administrativo Tributário.

Em complemento àquela disposição, o inciso II, do artigo 152-D, do mesmo Diploma Legal, impede que o Fisco inicie ação fiscal destinada a apurar infrações à legislação tributária, após a apresentação de consulta pelo contribuinte.

 “Art. 152D. A protocolização de consulta, quando formulada pelo sujeito passivo, produz os seguintes efeitos a partir daquela data:

II – impede, durante o prazo fixado no inciso I, o início de qualquer medida de fiscalização, com relação ao consulente, destinada à apuração de infrações referentes à matéria consultada;”

Destarte, conclui-se que, por um lado, após iniciada a ação fiscal de acompanhamento ou de constituição do crédito tributário, fica vedado ao contribuinte a apresentação de consulta e, por outro, a formulação pelo contribuinte de consulta protocolizada em data anterior a estas medidas de fiscalização, impede o Fisco de iniciá-las enquanto não oficializada a resposta da Comissão Permanente de Assuntos Tributários.

Estabelecidos os conceitos e diretrizes que norteiam as novas medidas fiscalização que foram instituídas em Santa Catarina e os efeitos que delas advém no âmbito da consulta, é possível concluir que a vedação à utilização deste instituto somente pode ser admitido se o pedido foi apresentado após o início da ação fiscal de acompanhamento, formalizado por escrito e cientificado ao contribuinte.

No caso em apreciação, embora conste na informação fiscal (fls. 63, do processo) de que a Consulente estava sob ação fiscal de acompanhamento, com o propósito de obter a regularização do imposto devido, em face da constatação de irregularidade, este fato não foi demonstrado na fase instaurada para as informações do Pedido de Reconsideração.

Ocorre que a questão fundamental apresentada pela Consulente é de que não foi cientificada da ação fiscal de acompanhamento. O auditor fiscal, na sua informação (fls. 114), explica que “a requerente recebeu informação fiscal, de modo verbal em reunião por ela solicitada e realizada nas instalações de Gerência Regional”.

Diante das informações prestadas no processo e da ausência de documentação comprobatória pelo Fisco, para contraditar o fato alegado pela Consulente, resta afastada a argüição de inadmissibilidade da consulta. A falta de prova da cientificação do acompanhamento, sem observância das formalidades previstas na legislação tributária, impõe-se a análise do mérito da consulta, restabelecendo-se os efeitos próprios do instituto, cuja resposta substituirá a exarada na Consulta nº 008/2011.

Assim, entende-se que a consulta deve ser recebida com os efeitos que lhe são próprios e a pergunta respondida na conformidade em que foi apresentada.

A dúvida suscitada refere-se ao direito de utilizar outros créditos de ICMS relativos à entrada de mercadorias, bens ou serviços, concomitantemente com o crédito presumido previsto no Anexo 2, artigo 15, inciso IX, a seguir transcrito:

“Art. 15 - Fica concedido crédito presumido:

IX - nas saídas de mercadorias importadas do exterior do país, promovidas pelo importador ao qual tenha sido concedido o regime especial de que trata o Anexo 3, art. 10, calculado sobre o valor do imposto devido pela operação própria, nos seguintes percentuais, observado o disposto no § 3º (Lei nº 10.297/96, art. 43):

a) 84% (oitenta e quatro por cento), nas saídas tributadas à alíquota de 25% (vinte e cinco por cento);

b) 76,47% (setenta e seis inteiros e quarenta e sete centésimos por cento), nas saídas tributadas à alíquota de 17% (dezessete por cento);

c) 66,66% (sessenta e seis inteiros e sessenta e seis centésimos por cento), nas saídas tributadas à alíquota de 12% (doze por cento);

d) 42,86% (quarenta e dois inteiros e oitenta e seis centésimos por cento), nas saídas tributadas à alíquota de 7% (sete por cento).”

Este dispositivo é norma vinculada ao artigo 10, inciso III, do Anexo 3, que visa fomentar o incremento das importações realizadas por intermédio de portos, aeroportos ou pontos de fronteira alfandegados, situados neste Estado, mediante a concessão de regime especial.

O cerne da discussão circunscreve-se ao teor do § 3º, da citada norma legal que assim prescreve:

“§ 3º - O benefício previsto no inciso IX:

[...]

III - implica vedação à utilização de qualquer outro benefício constante na legislação tributária, exceto aqueles relacionados à redução da base de cálculo, hipótese em que a carga tributária final incidente sobre a operação própria não poderá resultar em valor menor que aquele apurado com base exclusivamente no benefício previsto no inciso IX.” (grifo nosso)

A expressão em destaque dispõe que é vedada a “utilização de qualquer outro benefício constante da legislação tributária”. Impende aqui delimitar o sentido dos termos “beneficio fiscal” e “crédito fiscal”, para estabelecer-se uma clara distinção que permita responder à pergunta formulada.

Em linhas gerais, os benefícios fiscais se caracterizam pela adoção de técnicas tributárias que implicam na exoneração total ou parcial do tributo, a exemplo das isenções, redução de base de cálculo, determinadas formas de crédito presumido, dentre outras. O crédito fiscal decorrente do princípio da não-cumulatividade é direito constitucional, que autoriza o contribuinte a apropriar  em conta gráfica, neste caso, o ICMS que incidiu nas operações ou prestações anteriores, de acordo com o disposto no artigo 29, do Regulamento do ICMS/SC:

“Art. 29. Para a compensação a que se refere o art. 28, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo  permanente, ou  o  recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação.”

Conclui-se que o adquirente poderá apropriar o crédito do imposto se a operação ou prestação anterior for tributada. Em sentido contrário, salvo disposição legal autorizativa, não há que se cogitar no creditamento do imposto pelo adquirente, se as operações ou prestações forem isentas, diferidas ou não tributadas. A título de exemplo, quando as mercadorias são remetidas a outro estabelecimento com fim específico de exportação, a vedação ao débito do imposto pelo remetente, nos termos do artigo 3º, inciso II e seu parágrafo único, inciso I, da Lei Complementar 87/96, impede a utilização do crédito pelo destinatário:

“Art. 3º - O imposto não incide sobre:

II – operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados, ou serviços;

Parágrafo único. Equipara-se às operações de que trata o inciso II a saída de mercadoria realizada com o fim específico de exportação para o exterior, destinada a:

I – empresa comercial exportadora, inclusive tradings ou outro estabelecimento da mesma empresa.”

Em síntese, o crédito é direito reconhecido ao contribuinte, desde que tenha recebido mercadorias ou contratado serviços com incidência do imposto, fundada em lei, condicionado ainda à idoneidade das operações ou prestações realizadas e dos documentos fiscais que as acobertarem.

Como um aprofundamento da matéria, merece destaque a construção teórica exarada na Consulta nº 96/97, que de forma elucidativa identifica as três formas que o instituto do crédito presumido pode revestir-se, distinguindo-o do crédito fiscal decorrente do princípio da não-cumulatividade:

“I) O crédito presumido como forma simplificada de apuração de imposto não-cumulativo: Como exemplo, cita-se a legislação tributária estadual que em diversas situações coloca à disposição dos contribuintes as opções de lançar normalmente, em sua conta gráfica do ICMS, todos os créditos a que tem direito pelas entradas, ou de utilizar em substituição a estes, um determinado percentual a título de crédito presumido. Apura-se, portanto, que nesta hipótese o instituto do crédito presumido trata-se de uma forma simplificada de apuração do ICMS, e não forma de desoneração, ou diminuição da carga tributária.”

[...]

II) O crédito presumido como benefício fiscal ou financeiro. Quando a concessão de crédito presumido resultar em desoneração parcial ou total da tributação da operação ou prestação, ele será classificado como benefício fiscal ou financeiro.

Desta forma, na mesma linha de raciocínio exposta no item I acima, tem-se que quando o legislador não dispuser expressamente que a utilização do crédito presumido será opcional, e substituirá aos créditos efetivos do imposto, estar-se-á frente a um benefício fiscal ou financeiro, vez que aquele crédito será utilizado conjuntamente com estes, o que obviamente caracteriza um bis in idem a favor do contribuinte, resultando, assim, numa redução do ônus tributário incidente na operação ou prestação.

III) O crédito presumido como instrumento eqüalizador da carga tributária: Como exemplo desta modalidade tem-se que a União, visando desonerar as exportações dos tributos que incidem em cascata na cadeira de produção industrial, criou o crédito presumido de IPI como uma forma de ressarcimento das contribuições sociais do Pis/Pasep e Cofins, incidentes sobre as aquisições, no mercado interno (nacionais), de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem, utilizados no processo produtivo de bens e mercadorias destinados à exportação.

[...] aplicando-se o método de interpretação teleológica, apura-se que o crédito presumido em comento trata-se de um benefício fiscal concedido para proteger os interesses da economia catarinense, não podendo, portanto, ser confundido com o direito a compensação do ICMS recolhido em etapas anteriores calcado no princípio da não-cumulatividade previsto na CRFB, art. 150, § 2º, I, cujo direito, a consulente entende poder exercer, enquanto não expirado o lustro decadencial.”

Estabelecida a distinção entre os dois institutos, resta evidente que a vedação à fruição de “qualquer outro benefício”, assinalada no § 3º, do artigo 15, do Anexo 2, do RICMS/SC, não pode ser confundida com o direito ao crédito do ICMS normal, utilizado em observância à não-cumulatividade.

Embora na situação em análise a sistemática tenha sido operacionalizada por meio de crédito presumido e se trate de uma opção do contribuinte em pleitear o regime especial, não se caracteriza como forma alternativa e simplificada de apuração do imposto, típica deste instituto, mas como um benefício fiscal, pois da sua aplicação resulta redução de imposto a recolher. Configurando-se a norma como benefício fiscal, produzindo efeitos de uma isenção parcial, a interpretação há que ser literal, em atendimento ao disposto no artigo 111, do Código Tributário Nacional. Significa que na interpretação deste dispositivo o intérprete não pode reduzir ou ampliar o seu sentido, se a norma não o fez.

Como se inferiu, nos casos em que o legislador autoriza a utilização de crédito presumido como forma simplificada de apuração, em substituição aos créditos normais, o faz expressamente, a exemplo da técnica prevista no artigo 21, do anexo 2, do RICMS/SC que dispõe: 

“Art. 21. Fica facultado o aproveitamento de crédito presumido em substituição aos créditos efetivos do imposto, observado o disposto no art. 23.” (grifo nosso)

Partindo desta análise, a questão se resume à constatação de que não há na legislação tributária disposição restritiva ao direito de utilizar outros créditos, além  dos créditos presumidos em análise. Diante disso, as empresas detentoras de regime especial, autorizadas a apropriar crédito presumido previsto no artigo 15, IX, do Anexo 2, podem aproveitar, cumulativamente, os créditos relativos às entradas de bens, mercadorias e serviços que tenham contratado, na forma e limites legalmente autorizados.

Destaca-se ainda que recentemente foi analisada questão similar por esta Comissão na resposta à Consulta nº 011/2009, cuja ementa também sintetiza de forma clara a solução para o problema apresentado.

“EMENTA: ICMS. O CRÉDITO PRESUMIDO PREVISTO NO ART. 15, XIII, DO ANEXO 2, NÃO EXCLUI A UTILIZAÇÃO DOS CRÉDITOS EFETIVOS, OU SEJA, OS QUE CORRESPONDEM A ICMS QUE ONEROU A ENTRADA DE MATÉRIA-PRIMA, EMBALAGENS, OUTROS INSUMOS E SERVIÇOS DE TRANSPORTE QUE TENHA CONTRATADO.

PORÉM, A UTILIZAÇÃO DO CRÉDITO PRESUMIDO REFERIDO EXCLUI QUAISQUER OUTROS BENEFÍCIOS FISCAIS, TAIS COMO, CRÉDITOS PRESUMIDOS, REDUÇÃO DE BASE DE CÁLCULO, ISENÇÃO OU OUTRO TRATAMENTO TRIBUTÁRIO DIFERENCIADO QUE IMPLIQUE EM EXONERAÇÃO TRIBUTÁRIA TOTAL OU PARCIAL.” (CONSULTA Nº  011/2009)

Embora a autoridade fiscal enfatize na sua informação que os créditos são decorrentes de operações simbólicas simuladas, o tema não pode ser objeto de análise, tendo em vista que o exame da consulta deve se restringir às preliminares relativas à admissibilidade do pedido e aos questionamentos da consulente, não incumbindo avaliar questões de natureza probatória. Contudo, a título de contribuição, destaca-se que para que os créditos sejam legítimos é necessário que o modelo abstrato utilizado pelo contribuinte deve corresponder aos fatos concretos ocorridos, pressuposto fundamental para a idoneidade dos créditos.

Isto posto, responda-se à Consulente que:

a) estando a empresa submetida à medida de fiscalização, sob a modalidade de acompanhamento, cujos fatos da verificação fiscal referem-se à matéria objeto da demanda, o mérito do pedido não pode ser analisado, desde que o procedimento fiscal foi formalizado e cientificado ao contribuinte. Restando comprovada a formalidade do ato nestes termos, a consulta não produz os efeitos previstos no artigo 152-D, do RNGDT/SC. Como restou afastada a alegação de inadmissibilidade, recebe-se a consulta e responde-se objetivamente a questão apresentada. 

b) é legitima a apropriação de outros créditos decorrentes da entrada de bens,  mercadorias e serviços contratados por empresa detentora de regime especial, concedido nos termos do artigo 15, inciso IX, do Anexo 2 e artigo 10, inciso III, do Anexo 3, do RICMS/SC, desde que fundados em operações que retratam os fatos reais efetivamente ocorridos e lastreados em documentação fiscal idônea.

c) em atendimento ao disposto no § 2°, do artigo 152D e parágrafo único, do artigo 152F, do RNGDT/SC, ficam restabelecidos os efeitos próprios da consulta à data da sua formulação inicial, facultado o prazo de 30 dias da sua ciência para adequar seus procedimentos e corrigir inconsistências espontaneamente, ficando, por conseqüência, invalidado o Termo de início de ação fiscal para constituição do crédito tributário.

É o parecer que se submete à elevada apreciação da Comissão Permanente de Assuntos Tributários.

COPAT, em Florianópolis, 25 de abril de 2011.

Joacir Sevegnani

AFRE IV – Matr. 184.933-6

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 28 de abril 2011, ressalvando-se, a teor do disposto no art. 11 da Portaria SEF 226/01, que as respostas a consultas poderão ser modificadas a qualquer tempo, nas seguintes hipóteses: a) por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente; b) em decorrência de legislação superveniente; e, c) pela publicação de Resolução Normativa que veicule entendimento diverso.

Marise Beatriz Kempa                                                  Carlos Roberto Molim

Secretária Executiva                                                    Presidente da COPAT