CONSULTA N° 022/2011

EMENTA: ICMS. CRÉDITO. É INDEVIDA QUALQUER CONSIDERAÇÃO ACERCA DE MATERIAIS INTERMEDIÁRIOS E O DIREITO A CRÉDITO DECORRENTE DE SUA AQUISIÇÃO, EM ATIVIDADES ALHEIAS AO PROCESSO PRODUTIVO.

DOE de 17.06.11

1 - DA CONSULTA

A empresa em epígrafe, qualificada nos autos deste processo, dedica-se à extração e comércio de pedra e brita. Para tanto, utiliza caminhões próprios para o transporte e tratores (escavadeira e carregadeira) para a remoção das rochas obtidas das detonações.

Os tratores escavadeira fragmentam as rochas de maiores dimensões por intermédio do rompedor e abastecem os caminhões que irão levar material extraído para as máquinas de britagem; os tratores carregadeira abastecem os caminhões de movimentação interna e transporte externo.

Quanto aos caminhões, existem os responsáveis pela movimentação interna da produção e aqueles utilizados na entrega do produto acabado aos destinatários compradores.

Apoiada na alínea “a” do inciso I do art. 29 e no § 1º do art. 22, ambos do RICMS/SC, a consulente entende que há possibilidade de apropriação dos créditos relativos à aquisição do óleo diesel e dos óleos lubrificantes utilizados nos referidos veículos, porque, a seu juízo, tais aquisições dizem respeito a material intermediário utilizados na produção de pedra e britas. Pretende que reste esclarecido se este entendimento está correto e, em caso afirmativo, se tais créditos são retroativos à data de aquisição desses produtos.

Por fim, declara que:

a) não se encontra sob procedimento fiscal iniciado ou instaurado para apurar fatos que se relacionem com a matéria objeto da consulta;

b) não foi intimada a cumprir obrigação relativa ao fato objeto da consulta; e

c) o fato exposto na consulta não foi objeto de decisão anterior (ou ainda não modificada), proferida em consulta ou litígio em que foi parte.

Foram atendidos os pressupostos de admissibilidade preconizados pela Portaria SEF nº 226/01.

É o relato.

2 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Constituição Federal, art. 155, § 2º, I e II;

Lei Complementar nº 87/96, arts. 19, 20 e 33;

Lei nº 10.297/96, arts. 21 a 30

RICMS-SC/01, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 27 de agosto de 2001, arts. 28 e 29.

3 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

A Lei Maior prevê que o ICMS será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo Estado ou pelo Distrito Federal (art. 155, § 2º, inciso I).

Reparemos, em primeiro lugar, que, muito embora em cada uma das operações relativas à circulação de mercadorias ou prestação de serviços incida ICMS (é dito plurifásico, por incidir em cada etapa de comercialização), ele é, ao mesmo tempo, um tributo não cumulativo, de tal sorte que o valor a recolher será a diferença entre o imposto relativo à operação e o que incidiu nas operações anteriores. Esse imposto dedutível é que chamamos de crédito fiscal.

Paro neste ponto para chamar a atenção para a falta de rigor técnico relativo ao termo crédito fiscal. Crédito aqui, não significa que haja - no sentido obrigacional - um crédito do contribuinte contra o Estado. Em outros termos, não constitui um débito do Estado para com o contribuinte ou um dever de prestação patrimonial relativa ao imposto, mas um direito de dedução resultante de incidências anteriores, oponível aos valores a recolher supervenientes[1].

O crédito fiscal a que me referi nas linhas anteriores é o chamado crédito físico, previsto na Constituição Federal (art. 155, § 2º, I, proveniente da Emenda Constitucional nº 3/93), que é aquele em que só o imposto relativo à entrada de bens que são vendidos pelo estabelecimento, ou que integrem fisicamente o produto industrializado a ser vendido, resultará em crédito a ser compensado com o imposto devido na saída desses bens.

Porém, todas as mercadorias e bens que são adquiridos por um estabelecimento, em última análise, prestam-se ao cumprimento de seu objeto social, independentemente de serem, ou não, consumidos em sua atividade principal. Ciente disso, o legislador complementar inseriu no ordenamento jurídico brasileiro, por intermédio da LC 87/96, o regime de créditos financeiros, em substituição ao de créditos físicos. De absoluta pertinência, transcrevo o escólio de Hugo de Brito Machado (Aspectos Fundamentais do ICMS. São Paulo: Dialética, 1997, p. 143), quanto ao novo regime introduzido pela lei complementar:

Pelo regime de crédito financeiro é assegurado o crédito do imposto pago em todas as operações circulação de bens, e em todas as prestações de serviços, que constituam custo do estabelecimento. Não importa se o bem, ou serviço, compõe o bem a ser vendido. Importa, é que o bem vendido teve como custo aquele bem, ou aquele serviço, já tributado anteriormente.

É um regime de não-cumulatividade absoluta. Não-cumulatividade que leva em conta o elemento financeiro, por isso mesmo regime denominado de crédito financeiro.

O regime de créditos financeiros introduzido pela LC 87, entretanto, não entrou plenamente em vigor. No caso dos bens de uso e consumo, terá de ser observado o disposto em seu art. 33, I, que é taxativo: créditos, só a partir de janeiro de 2020 (LC 138/10)!

Mas, e quanto aos produtos intermediários de necessária aplicação nas diversas etapas do processo produtivo que, muito embora não se incorporem ao produto final, são imprescindíveis à atividade industrial da empresa? Com relação à matéria, os Tribunais vêm decidindo que o crédito só será possível em relação aos materiais que se integrarem fisicamente ao produto ou que venham a ser integralmente consumidos no processo produtivo (Nesse sentido: STJ, Recurso Especial 235.324, SP, 2000; STJ, Recurso Especial 799.724, RJ, 2007; STJ, AgRg no R Esp 738.905, RJ, 2008).

A solução antecipada no parágrafo anterior, e que nos é imposta por assente jurisprudência, reclama algum desenvolvimento antes que seja aplicada ao caso específico ora analisado.

Se o direito ao crédito em análise diz respeito a produtos intermediários que se integram fisicamente a um produto ou que sejam totalmente consumidos em um processo fabril, então só poderemos admiti-lo nos limites de uma atividade econômica específica: a industrial. É o primeiro ponto.

O segundo, diz respeito ao fato de que as atividades ligadas aos demais setores da economia - primário (agricultura, pecuária e extrativismo), terciário (comércio e prestação de serviços) e quaternário (informação e comunicação) - não podem ser confundidas com as atividades industriais, que integram o chamado setor secundário.

Não foram raras as ocasiões em que esta Comissão recorreu à legislação federal[2], mais precisamente ao Regulamento do IPI - RIPI -, para definir atividade industrial, o que torna muito conveniente a transcrição dos dispositivos relativos à matéria:

Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010.

(Regulamento do IPI)

Seção I

Da Disposição Preliminar

Art.3º Produto industrializado é o resultante de qualquer operação definida neste Regulamento como industrialização, mesmo incompleta, parcial ou intermediária (Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 46, parágrafo único, e Lei nº 4.502, de 1964, art. 3º).

Seção II

Da Industrialização

Características e Modalidades

Art.4º Caracteriza industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo, tal como (Lei nº 5.172, de 1966, art. 46, parágrafo único, e Lei nº 4.502, de 1964, art. 3º, parágrafo único):

I-a que, exercida sobre matérias-primas ou produtos intermediários, importe na obtenção de espécie nova (transformação);

II-a que importe em modificar, aperfeiçoar ou, de qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento ou a aparência do produto (beneficiamento);

III-a que consista na reunião de produtos, peças ou partes e de que resulte um novo produto ou unidade autônoma, ainda que sob a mesma classificação fiscal (montagem);

IV-a que importe em alterar a apresentação do produto, pela colocação da embalagem, ainda que em substituição da original, salvo quando a embalagem colocada se destine apenas ao transporte da mercadoria (acondicionamento ou reacondicionamento); ou

V-a que, exercida sobre produto usado ou parte remanescente de produto deteriorado ou inutilizado, renove ou restaure o produto para utilização (renovação ou recondicionamento).

Parágrafo único. São irrelevantes, para caracterizar a operação como industrialização, o processo utilizado para obtenção do produto e a localização e condições das instalações ou equipamentos empregados.

Observemos que, nos termos postos na legislação, inexiste qualquer possibilidade de considerarmos uma atividade, como por exemplo, o extrativismo (setor primário), como pertencente ao setor secundário da economia, ou seja, como uma atividade industrial. E isto é justamente o que estou pretendendo demonstrar: extrativismo não é industrialização.

Como já assinalei parágrafos atrás, a consulente descreve suas aquisições como materiais intermediários utilizados na produção de pedra e brita, considerando, portanto, a extração da pedra como parte de seu processo de industrialização. Peço licença para discordar.

Ora, a necessidade de perfuração, utilização de explosivos, detonadores etc. é mera questão de logística que não descaracteriza a atividade de extração. Não dispomos de tecnologia para transportar pedras enormes e que pesam milhares de toneladas, por isso precisam ser “partidas” em pedaços menores, passíveis de serem transportados. O que se obtém após tais explosões, pedra bruta, ou beneficiada/transformada? Porque se for bruta, significa necessariamente que não houve qualquer processo de industrialização.

Debulhado para viabilizar sua colheita e transporte, o milho a granel não deixa ser um produto primário (estado natural), justamente por não ter sido submetido a qualquer processo que possa caracterizar industrialização. De forma semelhante, a necessidade de plataformas bilionárias e de vanguarda tecnológica não faz com que o petróleo bruto extraído das profundezas seja considerado produto industrializado; continua sendo óleo bruto, em estado natural, podendo, posteriormente, ser utilizado na atividade industrial.

O que importa assentar aqui, é que na atividade primária chamada extrativismo, não há qualquer transformação, beneficiamento, montagem, acondicionamento etc., nos termos definidos pelos dispositivos transcritos acima (RIPI), o que indica a presença de duas atividades distintas, no processo descrito pela consulente. Uma de extração (atividade primária), que se consubstancia nos procedimentos de que se vale para obtenção da pedra em estado bruto (não-beneficiada, não-transformada etc.); outra, de industrialização (atividade secundária), caracterizada por modificar a natureza, o acabamento, a apresentação etc., da pedra obtida na atividade de extração.

Já que os procedimentos necessários à obtenção da pedra em estado bruto não podem ser considerados, nos termos legais, como fase ou etapa integrante do processo de industrialização da brita, as aquisições que lhes são inerentes, via de conseqüência, não poderão gerar crédito algum. Observemos que tal corolário não é apenas evidente, mas preliminar, pois tais aquisições não pertencem ao universo de aquisições passíveis de gerarem crédito nos termos atualmente admitidos em fórum administrativo e judicial.

Podemos, então, discernir os procedimentos cuja análise do direito pleiteado independe do mérito, pois não sobrevive à preliminar apresentada acima. Tais procedimentos dizem respeito às atividades de extração da pedra: furação, colocação de explosivos, detonação, fragmentação da rocha por rompedor, carregamento e transporte interno até as máquinas responsáveis pelo processo de britagem; e, transporte do produto acabado aos destinatários compradores.

A propósito, a fase em que são iniciados os procedimentos que modificam a natureza, o acabamento, a apresentação ou finalidade do produto, a teor do disposto no caput do art. 4º do Decreto 7.212 - Regulamento do IPI -, é o de britagem. Nessa fase, a pedra bruta é descarregada nos alimentadores vibratórios, seguindo para uma série de britadores, nos quais a pedra transforma-se em brita dos mais variados tamanhos, segundo necessidades comerciais. Conclui-se, clara ilação, que todas as operações praticadas pela consulente, anteriores e posteriores ao processo de britagem (incluídas, aqui, a carga e o transporte das pedras até os britadores e o transporte do produto acabado aos destinatários compradores), dizem respeito a atividades alheias ao processo produtivo, impossibilitando qualquer especulação acerca de materiais intermediários e, a fortiori, do crédito deles decorrente.

Os caminhões e tratores são utilizados pela consulente em atividades estranhas aos processos admitidos como fabris. Sendo assim, os combustíveis e óleos lubrificantes utilizados por estes veículos não pertencem ao universo de aquisições capazes de gerarem crédito, nos termos admitidos pela jurisprudência (lembrando que o crédito de materiais intermediários decorre, tão-somente, de entendimento jurisprudencial). Vale dizer, não podem ser definidos como materiais intermediários.

Pelo exposto, há subsídios suficientes para que se responda à consulente que não há possibilidade de apropriação dos créditos relativos às aquisições de óleo diesel e dos óleos lubrificantes utilizados em seus veículos.

À crítica desta Comissão.

COPAT, 7 de fevereiro de 2011.

Nilson Ricardo de Macedo

AFRE IV - matr. 344.181-4

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na sessão do dia 2 de março de 2011, ressalvando-se, a teor do disposto no art. 11 da Portaria SEF 226/01, que as respostas a consultas poderão ser modificadas a qualquer tempo, nas seguintes hipóteses: a) por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente; b) em decorrência de legislação superveniente; e, c) pela publicação de Resolução Normativa que veicule entendimento diverso.

Marise Beatriz Kempa                           Francisco de Assis Martins

Secretária Executiva                              Presidente da Copat



[1] A rigor, não necessariamente supervenientes, pois, muito embora a Lei Maior (art. 155, § 2º, inciso I) pressuponha uma ordem cronológica ao referir-se a não cumulatividade, não é o que acontece na realidade, porque o cumprimento da seqüência temporal - compensar o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores - é absolutamente inexeqüível operacionalmente.

[2] Para o fisco federal, são “insumos” utilizados na fabricação de produtos destinados à venda, exclusivamente, a matéria-prima, o produto intermediário, o material de embalagem e quaisquer outros bens que sofram alterações (desgaste, dano ou perda de propriedades físicas ou químicas), em função da ação diretamente exercida sobre o produto em fabricação, desde que não estejam incluídas no ativo imobilizado (Instruções Normativas 247/02 e 404/04).