CONSULTA N° 016/2011
EMENTA: ICMS. TRANSFERÊNCIA IRREGULAR DE CRÉDITO. A CARACTERIZAÇÃO DA INFRAÇÃO TRIBUTÁRIA, PREVISTA NO ART. 58 DA LEI 10.297/96, PARA SER IMPOSTA A QUEM RECEBE O CRÉDITO EM TRANSFERÊNCIA, DEPENDE DE FICAR COMPROVADO O NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A CONDUTA DO AGENTE E A INFRAÇÃO COMETIDA. O DISPOSTO NO ART. 136 DO CTN AFASTA APENAS O ELEMENTO SUBJETIVO PARA CARACTERIZAR A INFRAÇÃO, MAS NÃO A RELAÇÃO DE CAUSALIDADE. PREVALECEM, NO CASO, A PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ E O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA DO CONTRIBUINTE.
DOE de 15.04.11
01 - DA CONSULTA
Informa a consulente em epígrafe que recebe créditos em transferência, conforme
art. 42. VI, do RICMS/SC, mediante competente expedição de Ordem de
Transferência de Créditos (OTC) e Autorização de Utilização de Créditos (AUC).
Observa que neste último documento consta a seguinte observação: “A presente
autorização não implica reconhecimento de legitimidade do saldo credor acumulado,
nem homologação dos lançamentos efetuados pelo contribuinte”.
Diante do exposto, consulta sobre a possibilidade da consulente vir a
ser responsabilizada, caso se constate irregularidade no crédito transferido,
particularmente aplicação da multa prevista no art. 58 da Lei 10.297/96
(“receber irregularmente crédito do imposto em transferência”). Pede ainda
orientação de como proceder para se resguardar de possíveis questionamentos
sobre os créditos recebidos em transferências.
A informação fiscal confirma que a consulta satisfaz as condições
exigidas para sua admissibilidade.
02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Código Tributário Nacional, arts. 112, II, e 136;
Lei 10.297/96, art. 58;
RICMS-SC, aprovado pelo Decreto 2.870, de 27 de agosto de 2001, art. 42.
VI.
03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
Dispõe o art. 42, VI, do RICMS-SC, que os estabelecimentos que
promoverem operações alcançadas pelo diferimento ou com suspensão do imposto
poderão transferir eventuais saldos, acumulados em decorrência desse
tratamento, a outros estabelecimentos de contribuintes situados neste Estado, mediante
regime especial concedido pelo Secretário de Estado da Fazenda. Para que a
transferência de crédito seja autorizada, (i) o estabelecimento que transferir
o crédito deve atuar no setor têxtil ou (ii) a operação de que decorrer o
crédito seja realizada com o diferimento previsto no art. 9° do Decreto 105/07
(Programa Pró-Emprego).
O diferimento a que se refere o art. 9° do Decreto 105/07 alcança as
saídas de matérias primas, material secundário, material de embalagem, energia
elétrica e outros insumos, e ainda bens destinados à integração ao ativo
permanente, para utilização, por empresas exportadoras, em processo de industrialização.
O art. 58 da Lei 10.297/96 pune com multa equivalente a 75% (setenta e
cinco por cento) do crédito transferido, nos casos de (i) transferir ou (ii)
receber em transferência, irregularmente, crédito do imposto. A penalidade,
portanto, pode ser aplicada tanto a quem transfere créditos irregularmente,
como a quem os recebe.
Com efeito, o art. 136 do CTN dispõe que “salvo disposição de lei em contrário,
a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção
do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos
do ato”. Ao que comenta Sacha Calmon Navarro Coelho (Infração Tributária e
Sanção. In: Sanções Administrativas Tributárias. Coordenado por Hugo de Brito Machado.
São Paulo: Dialética, 2004, pg. 425), “podemos, então, sem medo de errar,
afirmar que a infração fiscal configura-se pelo simples descumprimento dos
deveres tributários de dar, fazer e não-fazer, previstos na legislação”.
Então, em se tratando de infrações à legislação tributária, não se
cogita de dolo ou culpa, para sua caracterização. Contudo, precede à cogitação
sobre o componente subjetivo do ato, a relação de causalidade que se instaura
entre o ato praticado pelo infrator e o resultado obtido. A lição vem de Aníbal
Bruno (Direito Penal, Parte Geral, tomo 1º, 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
1984, pg. 319): “Dentro da ação, a relação causal estabelece o vínculo entre o
comportamento em sentido estrito e o resultado. Ela permite concluir se o fazer
ou não fazer do agente foi ou não o que ocasionou a ocorrência típica, e este é
o problema inicial de toda investigação que tenha por fim incluir o agente no
acontecer punível e fixar a sua responsabilidade penal”.
Por sua vez, Hugo
de Brito Machado (Comentários ao Código Tributário Nacional, vol. II, São
Paulo: Atlas, 2004, pg. 620) leciona que “na interpretação do art. 136 do
Código Tributário Nacional, finalmente, impõe-se a distinção entre o caráter
pessoal da responsabilidade, que demanda nexo de causalidade entre a conduta
pessoal e a sanção, e o caráter subjetivo da responsabilidade, que demanda,
além do nexo de causalidade, também a participação do elemento subjetivo do
agente, vale dizer, do dolo ou da culpa”.
O art. 137 do CTN trata das infrações em que a responsabilidade é
atribuída ao agente (quem praticou o ato, excluindo-se a responsabilidade do
contribuinte). Isso ocorre quando o dolo for específico ou elementar, ou seja,
quando o dolo (intenção do agente) for elemento essencial da conduta tipificada
como infração.
No caso de irregularidade na transferência do crédito, não fica ao
inteiro alvedrio da autoridade fazendária, impor a multa a quem transferiu os
créditos ou a quem os recebeu. É preciso que fique demonstrado o elo de
causalidade entre a conduta do agente e a infração. Com efeito, dispõe o art.
112, II, do CTN, que “interpreta-se a lei que define infrações ou lhe comina
penalidades, da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto à
natureza ou às circunstâncias materiais do fato, à natureza ou extensão dos
seus efeitos”.
O contribuinte que recebe os créditos de boa-fé não pode ser penalizado.
No máximo, poderá ser intimado a estornar o crédito, se este não for legitimado
com a cobrança do remetente.
Para que seja penalizado o destinatário do crédito, é preciso que tenha
agido de má-fé, mediante conluio ou fraude. De fato, o art. 124, I, do CTN,
prevê solidariedade entre “as pessoas que tenham interesse comum na situação
que constitua o fato gerador da obrigação principal”.
Posto isto, responda-se à consulente:
a) embora o art. 58 da Lei 10.297/96 preveja a imposição da penalidade
ao recebedor do crédito em transferência, deve restar comprovado o nexo de causalidade
entre a conduta do agente e a infração cometida;
b) o disposto no art. 136 do CTN afasta apenas o elemento subjetivo para
caracterizar a infração, mas não a relação de causalidade;
c) prevalecem, no caso, a presunção de boa-fé e o princípio da segurança
jurídica do contribuinte.
À superior consideração da Comissão.
Copat, em Florianópolis, 31 de janeiro de 2011.
Velocino Pacheco Filho
AFRE – matr. 184244-7
De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado
pela Copat na Sessão do dia 2 de março de 2011.
A resposta à presente consulta poderá, nos termos do art. 11 da Portaria
SEF 226/2001, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão,
mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente
ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.
Marise Beatriz Kempa
Francisco de Assis Martins
Secretária Executiva Presidente da Copat