CONSULTA N° 037/2010

 DOE de 16.12.10

 

EMENTA: ITCMD. DOAÇÃO DE QUOTAS DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA ADMINISTRADORA DE BENS. BASE DE CÁLCULO, CONFORME PREVISTO NA LEI Nº 13.136/04, ART. 7º, §§ 1º E 2º, E NO RITCMD/SC-04, ART. 6º, §§ 1º E 4º, VIGENTE NA DATA DA OCORÊNCIA DO FATO.

NA EXTINÇÃO DE USUFRUTO. OCORRÊNCIA DO FATO JURÍDICO GERADOR DO IMPOSTO NA DATA DA AVERBAÇÃO DA ALTERAÇÃO CONTRATUAL DE QUE DECORRE A EXTINÇÃO DO DIREITO REAL NA JUCESC (LEI Nº 13.136/04, ART. 12, V).

01 - DA CONSULTA

A consulente domiciliada no município catarinense de Mondaí, informa que em 20/03/2007 constituiu, no município, uma empresa administradora de bens, com participação de 100% das quotas e que em  virtude de planejamento sucessório e societário, no mesmo momento, resolveu doar parte de suas quotas de participação na empresa aos sócios B e C, com reserva de usufruto vitalício das quotas doadas.

Assim, em virtude do que dispõe a Lei nº 13.136/2004, de que o imposto sobre a transmissão causa mortis e doação será calculado sobre o valor dos bens transmitidos ou doados na data em que o fisco estadual receber as informações dos responsáveis tributários, os consulentes questionam:

considerando que na instituição do gravame do usufruto vitalício tenha ocorrido o fato gerador do imposto, com base no disposto no art. 144 do Código Tributário Nacional, qual a base de cálculo que se deve utilizar para a verificação do valor do tributo: o patrimônio líquido vertido na instituição do gravame, ou o capital social?

após definida a base de cálculo do tributo (PL ou CS), em virtude do disposto no art. 7º, § 2º da Lei 13.136/2004, em qual momento o valor deve ser considerado para definir o cálculo do percentual de 50%, referente ao tributo incidente sobre a extinção do usufruto?

supondo que os consulentes em momento futuro possuam capital social ou patrimônio líquido inferior (ou superior) ao da data da transferência dos bens doados, poderia ser este o valor utilizado para o cálculo do percentual de 50%, a serem recolhidos na extinção do gravame, ou deverá a base de cálculo retroagir ao da instituição? (sic)

A consulta foi informada pela Gerfe de origem, conforme determina o art. 152-B, § 2°, II, do RNGDT/SC, aprovado pelo Decreto nº 22.586, de 27 de junho de 1984.

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Lei nº 13.136, de 25 de novembro de 2004, arts. 2º, II e 7º, §§ 1º e 2º E 12,V.

RITCMD/SC-04, arts. 6º, § 4º, I e II e 7º, § 1º.

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

Para melhor compreensão, é importante especificar os fatos jurídicos tributários que se apresentam na hipótese da consulta, para que possamos, com clareza,  analisar as dúvidas postas pelos consulentes.

Em 20/03/2007, a sócia A, casada pelo regime de comunhão universal de bens, domiciliada no município catarinense de Mondaí,  resolve constituir, no município, a sociedade administradora de bens Y, com o capital X e, no mesmo momento, decide doar parte de suas quotas de participação aos sócios B e C, com reserva de usufruto vitalício sobre as quotas doadas. O cônjuge da sócia A intervém no ato para permitir a doação das quotas aos sócios B e C e o gravame de usufruto vitalício sobre as quotas doadas.

Tem-se, assim, a ocorrência de fatos jurídicos tributários relativos à (i) doação das quotas do sócio A e seu cônjuge aos sócios B e C; e à (ii) instituição de usufruto sobre 50% das quotas doadas, em razão de a metade dessas quotas pertencer, por direito, ao cônjuge da sócia A. Sendo assim, em decorrência do regime de bens do casamento, sobre a posse das quotas doadas que, por direito, pertencem à sócia A, não há transmissão. A posse estava com ela e com ela permaneceu, razão por que não há que se falar em fato jurídico tributário. O que faz a sócia A, em relação às quotas de sua propriedade, é doar a nua-propriedade e reservar a posse dessas quotas de participação. Sendo assim, o que foi doado pela sócia A, com anuência de seu cônjuge, aos sócios B e C foi apenas a nua-propriedade das quotas da empresa.

Pois bem. Antes de passarmos à análise dos questionamentos postos na consulta, é oportuno fazer algumas considerações que se entende como pertinentes e imprescindíveis à resolução do caso.

O art. 2º, da Lei 13.136, de 25 de novembro de 2004, ao dispor sobre o fato jurídico gerador do imposto, na hipótese de doação, assim prevê:

Art. 2º O imposto de que trata o art. 1º desta Lei, tem como fato gerador a transmissão causa mortis ou a doação a qualquer título, de:

II - direitos reais sobre bens móveis e imóveis; e

III - bens móveis, inclusive semoventes, direitos, títulos e créditos.

Da leitura do dispositivo conclui-se que a legislação tributária utilizou o conceito “doação” sem qualquer referência a seu conteúdo e alcance. Não cuidou de definir o momento preciso em que se dá a ocorrência da transmissão por doação e, por não o fazer, tal conceito há que ser entendido pelo intérprete tal como está posto no direito privado.

Esta é a lição de Hugo de Brito Machado no comentário que faz ao art. 109 do Código Tributário Nacional:

“... se um conceito de direito privado é utilizado pelo legislador tributário, sem qualquer referência a seu conteúdo e alcance, tal conceito há de ser entendido pelo intérprete tal como está posto no direito privado. Mas a lei tributária, repita-se, pode colher o conceito de direito privado e introduzir nele alterações para fins tributários.” (Comentários ao Código Tributário Nacional, Editora Altas S.A., São Paulo, 2004, p. 231)

Sendo assim, há que buscar em outros ramos do Direito, as normas que definem o procedimento da transferência de quota empresarial, para que se possa, então, apurar o momento em que se dá efetivamente a transmissão das quotas empresariais em questão.

O Código Civil, no capítulo que trata da sociedade limitada, mais especificamente na seção II que trata “das quotas”, prevê no parágrafo único do art. 1.057, que a cessão das quotas que especifica terá eficácia a partir da averbação do respectivo instrumento, subscrito pelos sócios anuentes.

Parágrafo único. A cessão terá eficácia quanto à sociedade e terceiros, inclusive para os fins do parágrafo único do art. 1.003, a partir da averbação do respectivo instrumento, subscrito pelos sócios anuentes.

Averbação que deverá ser feita junto ao registro da sociedade, em conformidade com a Lei 8.934, de 18 de novembro de 1994, que dispõe sobre o registro público de empresas mercantis e atividades afins, e que em seu art. 32, II, “a”, estabelece que o registro público compreende o arquivamento dos documentos relativos à constituição, alteração, dissolução e extinção de firmas mercantis individuais, sociedades mercantis e cooperativas. Ou seja, se a doação de quotas só gera efeitos contra terceiros e à própria sociedade, a partir da averbação da alteração contratual relativa à cessão de quotas, junto ao registro da sociedade mercantil na Junta Comercial, há que se concluir que a transmissão das quotas ocorre na data da averbação da cessão das quotas junto ao registro da sociedade na Junta Comercial.

Portanto, qualquer outra data que não seja a do protocolo de averbação da alteração contratual na Junta Comercial, não pode ser considerada para efeitos do imposto de transmissão por doação, por falta de sustentação legal.

De se notar que por ser anterior ao atual Código Civil brasileiro, o comando da Lei nº 8.934,de 1994,  passa a alcançar os empresários e as sociedades empresárias, já que, com a entrada em vigor do novo Código Civil brasileiro, em 11 de Janeiro de 2003, a clássica divisão existente entre atividades mercantis (indústria e comércio) e atividades civis (as chamadas prestadoras de serviços), deixou de existir. Atualmente o sistema jurídico brasileiro adota uma divisão que se apóia no aspecto econômico da atividade da empresa e não mais na atividade por ela desenvolvida, como era até então.

Já no que se refere ao usufruto, o art. 5º, III e IV da Lei nº 13.136, de 2004, define como contribuinte do imposto o beneficiário de direito real, quando de sua instituição e o nu-proprietário, quando de sua extinção, o que leva ao entendimento de que a instituição de direito real e a extinção de direito real referem-se a fatos jurídicos geradores de imposto diversos. Acontecem em momentos diversos e têm como sujeito passivo pessoas diversas.

Art. 5º Contribuinte do imposto é:

III - o beneficiário de direito real, quando de sua instituição; e

IV - o nu-proprietário, na extinção do direito real.

Geraldo Ataliba, leciona que: “na hipótese de incidência se prevê que o sujeito passivo será uma pessoa (física ou jurídica) que deve ter tais ou quais qualidades; que o fato contemplado deve ter tais ou quais características e que a base imponível é este ou aquele aspecto dimensível desse fato etc.”

E segue professorando:

“Cada fato imponível se configura concretamente num local e momentos definidos e determinados; tem uma feição própria e definida, um modo particular e individual de ser; já surge fixando uma pessoa determinada como sujeito passivo e atribuindo-lhe um débito explícito e definido quanto ao montante. O confronto das diferenças entre estas categorias permitirá evidenciar suas peculiaridades”( Hipótese de Incidência Tributária, 6ª Ed., 2008, Ed. Malheiros, p. 74).

Tem-se, assim, que a instituição de usufruto e a extinção de usufruto não se confundem, - os sujeitos passivos são diferentes e os momentos de ocorrência são diversos, razão por que os valores para o cálculo da base do imposto são diferentes. Por ser cada valor apurado no momento da ocorrência do fato jurídico gerador do ITCMD, certo é que cada valor é considerado em momento diverso.

Para definir o momento da ocorrência do fato gerador do imposto, a Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002, em seu art. 1.226 dispõe sobre o direito real de usufruto que recai sobre bens móveis, nos seguintes termos:

Art. 1.226. Os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com a tradição.

Segundo De Plácido e Silva, tradição: “Do latim traditio, de tradere (dar em mão, entregar, passar a outro), em sentido amplo tradição revela tudo o que se passa, ou se transmite através do tempo, ou do espaço. É a transmissão, ou a passagem de fatos, ou de coisas, de pessoa a pessoa. Em regra, o domínio das coisas móveis se transfere pela tradição. É o método solene e legal de a cumprir, para que se complete a aquisição” (Dicionário Jurídico).

Nesse sentido, é a disposição do art. 12, V do RITCMD/SC-04, que condiciona o registro ou arquivamento de qualquer ato relativo à alteração de pessoa jurídica, que implique transmissão não onerosa de bens ou direitos, realizados pela JUCESC, à comprovação de pagamento do imposto.

Art. 12. Depende da comprovação do pagamento do imposto, da concessão do parcelamento ou do reconhecimento do direito à imunidade ou isenção:

V - o registro ou arquivamento de qualquer ato relativo à constituição, alteração, dissolução e extinção de pessoa jurídica e de empresário, assim definido na Lei federal nº 10.406, de 2002, que implique transmissão não onerosa de bens ou direitos, realizado pela JUCESC.

Feitas as considerações, passemos à análise das questões postas na consulta.

O art. 144 do Código Tributário Nacional, dispõe que o lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada. Esse é o princípio geral.

Mas não se pode olvidar que o imposto sobre transmissão causa mortis e doação apresenta certas peculiaridades quanto ao cálculo do imposto, que o diferencia dos demais tributos, na medida em que o Estado depende de o inventariante, o herdeiro ou o donatário submeter à tributação os bens a serem transmitidos para, então, conhecendo-se especificamente os bens, os sujeitos passivos e o momento em que se realizou o fato jurídico tributário, seja realizada a apuração da base de cálculo.

Assim, em razão de o Código Tributário Nacional silenciar acerca do valor que deverá ser tomado por base para avaliação dos bens, no caso dessas transmissões, para não premiar a negligência do inventariante, herdeiros ou donatários, o legislador catarinense tratou de definir o momento em que o valor será considerado para tal.

Disposição que consta na Lei nº 13.136, de 2004, que em seu art. 7º, estabelece que a base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito, ou o valor do título transmitido e que, para a base de cálculo do imposto, será considerado o valor do bem ou direito na data em que forem apresentadas ao Fisco as informações relativas ao lançamento (§ 1º).

O § 2º, por sua vez, à época da ocorrência do fato jurídico gerador do imposto relativo à instituição de usufruto, ora analisado, assim previa:

§ 2º Na instituição e na extinção de direito real sobre bens imóveis, bem como na transmissão da nua-propriedade, a base de cálculo do imposto será reduzida para cinqüenta por cento do valor venal do bem.

Somente com a entrada em vigor da Lei nº 14.967, de 7 de dezembro de 2009, o § 2º teve nova redação, para prever o benefício da redução de base de cálculo do imposto, também, na transmissão relativa à instituição e à extinção de direito real sobre bens móveis. Senão vejamos:

Art. 7º A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito, ou o valor do título ou crédito transmitido.

§ 1º Para efeitos de apuração da base de cálculo, será considerado o valor do bem ou direito na data em que forem apresentadas ao Fisco as informações relativas ao lançamento do imposto.

§ 2º Na instituição e na extinção de direito real sobre bem móvel ou imóvel, bem como na transmissão da nua propriedade, a base de cálculo do imposto será reduzida para 50% (cinquenta por cento) do valor venal do bem.

Tem-se, assim, que à lei vigente à época do fato jurídico sob análise, no § 1º do art. 7º, fixa o critério do valor decorrente da data de avaliação para evitar prejuízos ao Fisco, na hipótese da demora  do contribuinte em submeter o fato jurídico à tributação.

Especificamente sobre a avaliação de quotas empresariais, o RITCMD/SC-04, aprovado pelo Decreto nº 2.884, de 2004, art. 6°, § 4º I e II, prevê que para a base de cálculo do imposto, o valor das quotas de participação será apurado:

I - com base no último balanço patrimonial, para as sociedades empresárias comerciais, industriais e de prestação de serviços;

II - com base no inventário de bens, direitos e obrigações, para os empresários, sociedades empresárias de participação e administração de bens e as sociedades simples sem fins lucrativos.(grifei)

Noutro norte, conveniente é destacar que a Lei nº 3.938, de 26 de dezembro de 1966, em seu art. 213, I, prevê o não recebimento de consulta que verse sobre legislação em tese. Razão por que o quesito formulado nessa condição tem sua resposta prejudicada.

Isto posto, responda-se à consulente que:

a) a base de cálculo do imposto será apurada conforme a previsão do art. 7º, §§ 1º e 2º da Lei nº 13.136, de 2004 e do art. 6º, §§ 1º e 4º, II do RITCMD/SC-04, vigente na data da ocorrência do fato jurídico gerador do imposto;

b) a base de cálculo do imposto relativo à extinção do usufruto será apurada, quando da transmissão da posse do bem, em razão da extinção do direito, é nesse momento que ocorre o fato jurídico gerador do imposto, no caso, a averbação na Junta Comercial da alteração contratual, que realizar a extinção do usufruto (Lei 13.136/04, art. 12, V);

c) prejudicado;

É o parecer que submeto à superior consideração da Comissão.

GETRI, 2 de agosto de 2010.

Alda Rosa da Rocha

AFRE IV – matr. 344171-7

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na sessão do dia 26 de agosto  de 2010.

Os consulentes deverão adequar seus procedimentos à resposta a esta consulta no prazo de trinta dias, contados do seu recebimento, conforme dispõe o inciso I do art. 212 da Lei n° 3.938, de 26 de dezembro de 1966, ao final dos quais o crédito tributário respectivo poderá ser constituído e cobrado de ofício.

Alda Rosa da Rocha                                          Francisco A. Martins

Secretária Executiva                                          Presidente da Copat