CONSULTA N° 021/2010

EMENTA:ICMS. IMPORTAÇÃO. PRÓ-EMPREGO. O IMPOSTO “DIFERIDO” NA IMPORTAÇÃO, NOS TERMOS DO ART. 8°, IV, DA LEI 13.992/07, SOMENTE TORNA-SE DEVIDO NAS ESTRITAS HIPÓTESES DO ART. 17 DO DECRETO 105/07, ENTRE AS QUAIS NÃO SE INCLUEM A LOCAÇÃO OU O COMODATO A TERCEIRO DO BEM IMPORTADO.

01 - DA CONSULTA

Informa a consulente que é beneficiária do Programa Pró-Emprego, importando bens para o ativo imobilizado, com o benefício do art. 8°, IV, do Decreto 105/07. Conforme regime especial concedido, o ICMS diferido deverá ser recolhido, na forma e nos percentuais previstos no art. 17 do Decreto 105/07, no caso de alienação ou transferência do bem, antes de decorridos quatro anos de sua entrada no estabelecimento.

Ao final, formula consulta a esta Comissão sobre o sentido e alcance do diferimento concedido na seguinte situação:

“Esses bens serão importados com destino ao ativo imobilizado da empresa e decorrente da atividade inerente da empresa (venda de reagentes que somente podem ser utilizados nesses bens) sempre serão alocados em clientes dentro ou fora do Estado por um período contratual, procedendo com a operação de Comodato/Locação” (sic.).

A Gescomex, em sua manifestação a fls 5, com fundamento na Súmula 573 do STF, opina que, no caso de saída do bem importado em comodato, não será exigido o recolhimento do ICMS diferido na importação.

02 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Lei 13.992, de 15 de fevereiro de 2007, art. 8°, IV;

Decreto 105, de 14 de março de 2007, art. 17;

Súmula STF n° 573.

03 - FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA

O Programa Pró-Emprego foi instituído pela Lei 13.992, de 15 de fevereiro de 2007, com o objetivo de promover o incremento na geração de emprego e renda, mediante tratamento tributário diferenciado do ICMS. O art. 8°, IV, desse pergaminho prevê o diferimento do ICMS devido por ocasião do desembaraço aduaneiro, na importação realizada por portos, aeroportos ou pontos de fronteira alfandegados, situados neste Estado, de bens destinados à integração ao ativo fixo do importador, sem similar no Estado, considerando-se encerrada a fase do diferimento na data de sua baixa do ativo permanente.

O art. 17 do Decreto 105, de 14 de março de 2007 (Regulamento do Pró-Emprego), obriga ao recolhimento do imposto diferido caso o bem venha a ser alienado ou transferido para outro estabelecimento do mesmo titular situado em outra unidade da Federação, antes de decorridos quatro anos de sua entrada no estabelecimento.

No caso presente, cuida-se de bem importado com o benefício previsto no art. 8°, IV, da Lei 13.992/07, mas que não permaneceu no estabelecimento importador pelo prazo estipulado de quatro anos, porém por motivos diversos dos previstos no art. 17 do Decreto 105/07: os referidos bens saíram do estabelecimento em locação ou comodato. Como esclarece a consulente, os reagentes por ela vendidos somente podem ser utilizados nesses bens, o que justifica o comodato. Depreende-se que os bens foram importados com o fim específico de serem cedidos a seus clientes em locação ou comodato.

Na definição do art. 579 do  Código Civil, “o comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis”. Difere da Locação por que nesta não há gratuidade. Com efeito, o Supremo Tribunal Federal considera que no caso de comodato, não ocorre o fato gerador do ICM/ICMS, conforme a já citada Súmula 573. Entretanto, essa jurisprudência é irrelevante para o caso em questão, porque o art. 17 do Decreto 105/07 não relaciona a obrigatoriedade do recolhimento do imposto diferido à saída do bem ser ou não fato gerador do ICMS.

A competência cometida aos Estados pelo art. 155, II, da Constituição Federal, é para instituir imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e a prestação dos serviços que menciona. Nada além disso. Entende-se por mercadoria, observado o disposto no art. 110 do CTN, o bem móvel adquirido para fins de revenda. O que distingue a mercadoria dos outros bens é essa qualidade subjetiva, de modo que um bem pode ser mercadoria em determinado momento e não mais sê-lo em outro momento: quando adquirido pelo consumidor final perde a condição de mercadoria.  A circulação de mercadorias, no magistério de Hugo de Brito Machado (Aspectos Fundamentais do ICMS. São Paulo: Dialética, 1997, pg. 25) é entendida como:

Operações relativas à circulação de mercadorias são quaisquer atos ou negócios, independentemente da natureza jurídica específica de cada um deles, que implicam na circulação de mercadorias, vale dizer, o impulso destas desde a produção até o consumo, dentro da atividade econômica, as leva da fonte produtora até o consumidor.

Então, os bens integrados ao ativo imobilizado do adquirente “não são mercadorias, já que não estão preordenados à prática de atos de comércio, nem sua venda tem por fito a obtenção de lucro” (Roque Antonio Carrazza, ICMS, 10ª ed, São Paulo: Malheiros, 2005, pg. 124). Por conseguinte, a saída de bens do ativo imobilizado não constitui fato gerador do ICMS, conforme remansosa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido o Pleno julgou o Recurso Extraordinário 158.834 SP (DJ 05-09-2003 PP-00032; EMENT VOL-02122-03 PP-00514; RTJ VOL-00194-03 PP-00979):

ICMS - CONVÊNIO - ARTIGO 34, § 8O, DO ADCT - BALIZAS. A autorização prevista no § 8° do artigo 34 do Ato das Disposições Transitórias da Carta de 1988 ficou restrita à tributação nova do então artigo 155, inciso I, alínea "b", hoje artigo 155, inciso II, da Constituição Federal. ICMS - PRODUÇÃO - ATIVO FIXO - SAÍDA - FICÇÃO JURÍDICA. Mostram-se inconstitucionais textos de convênio e de lei local - Convênio nº 66/88 e Lei nº 6.374/89 do Estado de São Paulo - reveladores, no campo da ficção jurídica (saída), da integração, ao ativo fixo, do que produzido pelo próprio estabelecimento, como fato gerador do ICMS.

Ora, o art. 17 do Decreto 105/07 exige o recolhimento do imposto diferido em hipóteses que não constituem fato gerador do ICMS, porque se referem a saída de bem integrado ao ativo imobilizado: alienação para terceiro ou transferência para estabelecimento do mesmo titular localizado em outro Estado. Ou seja, a exigibilidade de recolhimento do imposto não tem relação com a ocorrência do respectivo fato gerador.

Além disso, podemos constatar que o “diferimento” a que se refere o art. 8°,  IV, da Lei 13.992/07, não obedece ao regramento do referido instituto, como previsto, por exemplo, no art. 37, § 1°, I, da Lei 10.297/96, que disciplina o ICMS em Santa Catarina. O diferimento consiste em mera postergação do imposto, como explica Sacha Calmon Navarro Coelho (Sacha Calmon Navarro. Teoria Geral do Tributo e da Exoneração Tributária. 2ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, pg. 199):

Na linguagem do legislador, ocorre diferimento do imposto quando o lançamento e o pagamento do imposto incidente sobre a saída de determinada mercadoria – estamos falando de ICMS – é transferido para etapa ou etapas posteriores de sua comercialização, ficando o recolhimento do tributo a cargo do contribuinte destinatário, que pode ser o mesmo ou um terceiro.

A seu turno, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal estabeleceu a distinção entre diferimento e isenção, no julgamento do Recurso Extraordinário 112.354-6 (DJ 14.2.92, p. 1167) nos seguintes termos:

Recurso extraordinário. ICM. Creditamento do valor do ICM diferido, na entrada de soja em grão, para o momento da saída do produto industrializado. Distinção entre diferimento e isenção. Do diferimento não resulta eliminação ou redução do ICM; o recolhimento do tributo e que fica transferido para momento subseqüente. Não há ofensa ao princípio da não-cumulatividade do ICM na pratica de seu diferimento. Precedentes do STF. Inviável e a pretensão das impetrantes de creditar-se do ICM, nas operações de compra e venda de soja. Não se faz necessária a celebração de convenio, pelo Estado, em torno de diferimento, tal como sucede com a isenção. Recurso extraordinário não conhecido.

Então, o diferimento não exclui definitivamente a exigibilidade do imposto, mas apenas o posterga para outra fase de comercialização. Em algum momento o imposto volta a ser devido. Normalmente ele é devido juntamente com o imposto próprio do sujeito passivo indireto quando este realiza operação tributada com a mesma mercadoria. No caso de não haver operação tributada, em razão de isenção, não incidência ou outra causa, o imposto diferido deve ser recolhido separadamente. A exceção ocorre quando a lei assegura a manutenção do crédito, nos termos do art. 155, § 2°, II, da Constituição Federal, como acontece nas exportações para o exterior do País.

Ora, não é o que acontece com o diferimento do art. 8°, IV, da Lei 13.992/07, em que o imposto “diferido” somente em casos excepcionais voltará a ser exigido. Apesar do nomen juris adotado, o “diferimento” previsto fica mais bem compreendido se o entendermos como semelhante à isenção sujeita à condição resolutória de alienação a terceiros ou de transferência para estabelecimento do mesmo titular localizado em outro Estado.

Assim sendo, o ICMS dispensado, relativo à importação, torna-se devido estritamente nas hipóteses referidas no art. 17 do Decreto 105/07, quando do implemento da condição.

Posto isto, responda-se à consulente que o imposto “diferido” na importação, nos termos do art. 8°, IV, da Lei 13.992/07, somente torna-se devido nas estritas hipóteses do art. 17 do Decreto 105/07, entre as quais não se incluem a locação ou o comodato a terceiros do bem importado.

À superior consideração da Comissão.

Getri, em Florianópolis, 23 de abril de 2010.

Velocino Pacheco Filho

AFRE – matr. 184244-7

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 29 de abril de 2010.

Alda Rosa da Rocha                                       Edson Fernandes Santos

Secretária Executiva                                        Presidente da Copat